“Uso a arte como meio de comunicação” - Fredy Uamusse

No contexto do crescente despertar da consciência ambiental por parte da sociedade moçambicana, torna-se fundamental promover reflexões que contribuam para a adopção de práticas mais sustentáveis no tratamento de resíduos sólidos. Este desafio é particularmente sensível nos centros urbanos, onde os contentores de lixo assumem uma dupla função: de um lado, o destino final de resíduos domésticos; do outro, uma fonte de sobrevivência para muitas pessoas em situação de extrema carência.

É neste cenário que se inscreve a arte do jovem Fredy Umusse, artista plástico moçambicano de 24 anos, natural de Maputo. Umusse tem utilizado a sua arte como uma poderosa ferramenta de sensibilização social. Em uma das suas mais recentes obras, ele retrata uma família sentada ao lado de um contentor de lixo, partilhando uma refeição. A imagem traz um apelo directo: que se pense duas vezes antes de deitar fora alimentos envenenados, pois estes podem representar um perigo real para as pessoas que, sem alternativas, recorrem aos lixos urbanos para garantir o sustento diário.

O artista não aponta o dedo. Pelo contrário, reconhece que muitas das donas de casa que descartam alimentos contaminados não o fazem por mal. Muitas vezes, sequer se apercebem das consequências que suas acções podem ter numa cadeia invisível e infinita de pessoas que dependem daquilo que outros deitam fora.

Mais do que denúncia, a obra de Fredy Umusse é um convite à empatia, à responsabilidade social e à construção de soluções partilhadas. Ao longo desta grande entrevista, o leitor terá acesso a subsídios valiosos sobre a forma como a arte pode transformar consciências, provocar reflexão e inspirar mudanças sociais profundas.

Quem é Fredy Uamusse?
Sou um artista moçambicano, natural de Maputo, e actualmente tenho 24 anos de idade. Recentemente, tenho desenvolvido técnicas inovadoras, trabalhando com materiais convencionais e não convencionais. Tenho-me destacado nas redes sociais como um artista social, com o objetivo de representar o meu país a nível nacional e internacional.

De acordo com a sua última publicação, ilustra uma família sentada ao lado de um contentor de lixo a tomar uma refeição. Qual é o público-alvo?

O público-alvo dessa obra é o povo em geral. Vivemos numa sociedade com profundas desigualdades, onde existem pessoas com boas condições de vida, mas também muitas que vivem ao relento, sem qualquer abrigo. Essa imagem pretende sensibilizar sobre o modo como os alimentos são descartados, e como isso afeta diretamente pessoas em situação de vulnerabilidade.
A obra recebeu opiniões diversas. Algumas pessoas questionaram por que alguém se alimentaria no lixo, como se essa escolha fosse simples. Mas a verdade é que há quem não tenha outra opção. A lixeira torna-se, tristemente, um recurso. Não estou a apoiar essa prática, mas a retratar uma realidade dura que muitos preferem ignorar.
Por isso, é importante desenvolver consciência. Já vimos, por exemplo, em festas, onde sobra muita comida. Há pessoas que já têm a prática de guardar esses alimentos em sacos limpos, cientes de que outros podem vir a precisar. Não devemos assumir que só animais irracionais se alimentam do lixo — há seres humanos ali também, e isso precisa ser levado em conta.

Olhando para essa imagem, qual é a sua expectativa?
Como artista que trabalha com causas sociais, uso a arte como meio de comunicação. Em vez de apenas partilhar uma frase que dizia “não deitem alimentos com veneno nas lixeiras, porque há pessoas que se alimentam lá”, optei por ilustrá-la. Com isso, quis tocar corações, mesmo os mais endurecidos, e despertar um senso de responsabilidade. Muita gente tem consciência do bem, mas não sabe como praticá-lo. A arte serve para provocar essa reflexão.

As suas publicações giram em torno do quotidiano e de situações como a pós-eleitoral ou a vulnerabilidade de muitos moçambicanos. Por quê?
A minha arte é a minha forma de expressão, o meu grito. Outros escrevem canções, manifestam-se, eu desenho. Algumas pessoas acham que só represento situações negativas para causar impacto, mas também retrato atitudes positivas. Já desenhei, por exemplo, um agente da polícia a ajudar uma criança a atravessar a rua, ou um motorista que parou para dar prioridade aos pedestres. Faço isso para incentivar o bem.

O que acha que devia acontecer entre quem deposita e quem recolhe lixo?
Há uma frase que diz que a educação não muda o mundo, mas muda as pessoas — e estas transformam o mundo. Temos regras básicas de higiene, com lixeiras coloridas para diferentes tipos de resíduos. A castanha é para restos de comida. Se todos usássemos correctamente essas divisões, poderíamos criar um sistema organizado onde alimentos descartados fossem separados de produtos perigosos.

Também podíamos identificar lixeiras com símbolos universais como o de “perigo”, para que até quem não sabe ler perceba o risco. Isso traria mais segurança para os mais vulneráveis. É papel do Conselho Municipal promover essa organização.

Em alguns contextos, o lixo gera riqueza. Quer comentar?

O meu líder espiritual, Apóstolo Onório Gabriel  Cutane, diz que devemos usar as circunstâncias a nosso favor. Por exemplo, alimentos envenenados poderiam ser recolhidos para estudo em laboratórios, criando conhecimento científico sobre intoxicações alimentares. O lixo reciclável também pode gerar sustentabilidade. Eu próprio uso plástico reciclado nas minhas obras — aquilo que foi deitado fora torna-se arte e pode ser vendido. Isso não é apenas um avanço pessoal, mas um contributo para o desenvolvimento do meu país.

Considerações finais.
Agradeço pela oportunidade de expor teoricamente aquilo que expresso na prática através da minha arte. Acredito que o caminho é sempre para frente. E que, com respeito e intenção positiva, podemos construir um país melhor para todos.

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