Um Cartão Amarelo aos Promotores do Diálogo Inclusivamente Excludente: Como Curar as Feridas sem os Principais Visados?

O anúncio de um diálogo político em Moçambique trouxe, a princípio, um sopro de esperança para uma sociedade mergulhada em crises de confiança, marcada por sucessivos processos eleitorais fraudulentos e por um ambiente político sufocante, onde a democracia muitas vezes parece não passar de um simulacro. Porém, mal se começou a desenhar o contorno deste diálogo, as suas fragilidades saltaram à vista: aquilo que se pretendia inclusivo já nasce excludente. E essa exclusão não é apenas simbólica, é um corte profundo que toca na ferida aberta do processo democrático moçambicano, cuja cicatrização ainda está longe de ser alcançada.

A exclusão de Venâncio Mondlane do processo é o exemplo mais gritante desta contradição. Ele não é apenas um político; tornou-se, por força das urnas, um símbolo de resistência e de legitimidade popular. O povo depositou nele a confiança durante as últimas eleições presidenciais, e não foram poucos os que acreditaram na possibilidade de uma mudança real no xadrez político moçambicano. No entanto, essa vitória foi roubada a céu aberto, através de manipulações grosseiras, manobras obscuras e a complacência cúmplice de instituições que deveriam zelar pela transparência. O Conselho Constitucional, em vez de se firmar como guardião da legalidade, acabou por selar um dos episódios mais negros da história eleitoral do país.

Eis aqui a primeira grande questão: como se pode falar de diálogo, de reconciliação e de construção nacional, se aquele que foi a expressão máxima da vontade popular é deliberadamente afastado? A exclusão de Mondlane equivale a excluir o próprio povo que nele se reviu, particularmente os jovens que encheram as ruas em protestos, vindos das periferias urbanas e dos subúrbios, que fizeram ouvir as suas vozes numa altura em que a repressão se mostrava implacável. A juventude foi a linha da frente dessa resistência, e a sua coragem deixou claro que não se tratava de uma mobilização fabricada, mas sim de um grito legítimo contra um sistema que insiste em negar-lhes o futuro.

É justamente essa juventude que carrega as marcas da exclusão, do desemprego, da pobreza, da marginalização e da falta de oportunidades. E é ela que, de forma visceral, sentiu a fraude eleitoral como uma agressão pessoal. A juventude foi para as ruas porque já não aceita ser espectadora passiva de uma história escrita nos gabinetes do poder. Foi para as ruas porque a esperança que encontrou em Venâncio Mondlane era a esperança de uma geração inteira. Quando se exclui Mondlane de um diálogo que se quer inclusivo, está-se, na prática, a dizer a essa juventude que a sua voz continua a não contar.

Um diálogo verdadeiramente inclusivo não pode ser seletivo ao sabor das conveniências do partido no poder. Não pode ser apenas um exercício de cosmética política para apaziguar tensões internas ou para satisfazer a comunidade internacional, ávida de sinais de estabilidade. O diálogo só terá sentido se for genuíno, se acolher todos os que representam sensibilidades reais na sociedade, mesmo aqueles que incomodam, desafiam ou põem em xeque o status quo. Excluir figuras de peso, como Mondlane, é assumir desde já que não há intenção de escutar as vozes dissonantes, mas apenas de legitimar um processo controlado.

Este “cartão amarelo” aos promotores do diálogo é, portanto, uma advertência séria: não se pode brincar com a esperança de um povo. Moçambique vive um ciclo de feridas abertas – guerras passadas, tensões políticas, corrupção endêmica, desigualdades sociais gritantes. O país não precisa de diálogos encenados, mas de pontes reais. Não precisa de exclusões mascaradas de consensos, mas de debates corajosos, onde os principais visados tenham lugar à mesa. A cura das feridas nacionais passa necessariamente por reconhecer quem são os feridos, e Mondlane e os que nele acreditaram fazem parte central dessa equação.

A exclusão não é apenas uma injustiça pontual; é a perpetuação de uma prática política que coloca a manutenção do poder acima do bem-estar coletivo. É a mesma lógica que permitiu que eleições fossem manipuladas, que tribunais virassem as costas à justiça e que a repressão fosse usada como arma para calar a indignação popular. É a mesma lógica que continua a olhar para os jovens como meros números estatísticos, sem perceber que são eles o motor da mudança e da instabilidade, caso continuem a ser ignorados.

Não é preciso muito esforço para imaginar as consequências de um diálogo excludente. O ressentimento vai crescer, a descrença nas instituições vai aprofundar-se e a polarização social vai agravar-se. O povo, já ferido e descrente, não verá no diálogo mais do que uma encenação destinada a manter tudo como está. E quando a esperança se esgota, resta apenas a revolta. Esse é o risco real que Moçambique corre ao tentar curar as feridas nacionais com receitas parciais e seletivas.

O diálogo deve ser inclusivo não apenas no discurso, mas sobretudo na prática. Isso significa abrir espaço para os que desafiam o sistema, ouvir as vozes que representam segmentos sociais ativos, reconhecer que a legitimidade não se esgota nos corredores do partido no poder. Isso significa que figuras como Venâncio Mondlane não podem ser tratadas como párias, mas como interlocutores legítimos de um povo que já mostrou que está disposto a defender nas ruas aquilo que as urnas tentaram negar.

Em vez de se temer a presença de Mondlane no diálogo, deveria-se reconhecer nela uma oportunidade para reconciliar o país consigo mesmo. Um diálogo sem ele será sempre visto como incompleto, defeituoso e manipulado. A pergunta que não quer calar é simples: como curar as feridas sem ouvir os principais visados? É como tentar tratar uma ferida profunda com um penso rápido – parece cuidado, mas não resolve a infecção.

Portanto, este cartão amarelo serve para lembrar aos promotores do diálogo que o tempo das exclusões já não tem espaço num país sedento de verdade, de justiça e de reconciliação. É preciso coragem para enfrentar os fantasmas da fraude eleitoral, da violência pós-eleitoral e da exclusão sistemática. Sem isso, Moçambique continuará a girar em falso, alimentando uma espiral de crises que só fragilizam a nação.

Um verdadeiro diálogo inclusivo é aquele que abre as portas, não aquele que as fecha seletivamente. É aquele que escuta, não aquele que silencia. É aquele que reconhece a legitimidade onde ela realmente reside: no povo que vota, que protesta, que resiste. E esse povo já escolheu os seus representantes, mesmo que as instituições tentem negar-lhes esse direito. Ignorar isso é continuar a ferir a alma do país.

Em suma, o diálogo que se anuncia precisa urgentemente de mudar de rumo. Precisa de deixar de ser inclusivamente excludente e de se tornar realmente inclusivo, sob pena de falhar no seu propósito maior: reconciliar Moçambique consigo próprio. Este cartão amarelo é apenas um aviso, mas se nada mudar, não tardará o momento em que o povo mostrará o cartão vermelho – e esse não será apenas simbólico, será histórico.

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