(Sobre)viver de lixo

No âmbito da nova rubrica Salubridade e Educação o Jornal Preto e Branco saiu a rua para dois dedos de conversas com catadores de lixo na cidade do Maputo. Desta vez conversamos com dois jovens Catadores de lixo com características de origem similares. Aparentemente ambos são órfãos de pais, não foram a escola e abraçaram a vida de rua para ganhar a vida. Um está nas ruas há vinte e cinco (25) anos o outro a oito anos, um oriundo de Maputo Província e outro da Província de Gaza.

Acompanha ambas versões na integra:

Entre utentes e beneficiários das latas de lixo

Eu chamo-me Moisés Andrade, nome feitiço. Nasci na província de Gaza e pela circunstancias da vida, vim parar em Maputo. Inicialmente vendia pão não rua, mas um dia perdi aquela oportunidade foi dai que decidi sair a rua e sem outra escolha fiquei um catador de lixo por excelência de preferência a recolha das garrafas.

Tudo iniciou com a morte do meu pai, fiquei apenas com a minha mãe e mais tarde ela teve um parceiro, o qual meu padrasto.  Tivemos que viver com ele, o que constitui um desafio para mim, basicamente não fui a Escola para merecer qualquer emprego equilibrado pelo que quando dei em mim que devia fazer algum trabalho como garante do meu sustento, decidi ser catador de lixo.

Trata-se de uma profissão quase nova, onde a comercialização de lixo tem sido considerada para iletrados, gente de ninguém que devem e/ou podem aceitar tudo que o mercado oferece, com politicas menos claras, são apenas oito (8) Meticais que ganho por um (1) Kg de plástico, tenho corrido sérios riscos de vida por exemplo, em contrapartida ganho pouco embora tenho conseguido o básico para garantir a minha continuidade. 

Como pode degustar, faço reciclagem de garrafas. Por ser verdade lá no contentor, por exemplo, todo o lixo está junto ali, precisamos vasculhar. Alguns tem depositado garrafas partidas, material de injeções usadas, resto de comida com cabelo e/ou envenenada. Até então Deus tem cuidado de nós o pior ainda não aconteceu.

Há uma outra situação, por exemplo, algumas pessoas depositam comida outrora misturada    com veneno para combater ratos e outros insectos, cabelo e depositam no contentor. Por enquanto “Deus” tem monitorado a situação. Pelo que saiba ninguém de nós teria perdido a vida em detrimento deste desleixo dos inquilinos da urbe.

Quero aproveitar esta oportunidade para elogiar esta iniciativa do jornal, por dar voz a gente da rua, não tem sido tudo que anda mal, certas pessoas que tem separado o lixo em diferentes plásticos o que tem facilitado a vida do Catador e, sem querer impor todos deviam agir da mesma maneira para melhor contribuir na continuidade da vida de certas pessoas que dependem do lixo.

O mesmo desafio estende-se para as autoridades municipais que deviam criar condições de diferentes contentores para acomodar diferente tipos de resíduos sólidos, espero que com a publicação desta entrevista poderá contribuir para uma postura urbana exemplar e inclusiva entre utentes e beneficiários das latas de lixo.

Afinal somos muitos a procura do Plástico

Chame-me Ali Moiana, nome feitiço, 41 anos de idade, sou catador de lixo desde o ano 2000. Antes viva na Marinha, na baixa da cidade do Maputo, na casa dos meus pais, mas com a morte dos dois perdi a casa, por algum momento vive com as irmãs na zona do Ponto Final mas findo a missão delas voltaram e fiquei sozinho a deriva sem outra escolha se não ser Catador de lixo.

Temporariamente alugava dependência em zonas periféricas da cidade de Maputo, em bairros tais como Maxaquene, Polana Caniço e Hulene. Foi numa altura em que a reciclagem era valorizada pelo empresariado local.

Naquela altura, o vidro era a matéria prima principal, apanhávamos garrafas. Vendíamos para um senhor, só que aquele senhor também perdeu a vida. Já não havia mais outro lugar para comercializar as garrafas.

Neste momento o material reciclável em grande escala tem sido o plástico, saco usados e garrafas plásticas. São apenas oito ou dez meticais por kg, nota que para acumular quantidade significativa tem sido um trabalho sinuoso, afinal somos muitos a procura deste material.

Então, posso dedicar-me das 8 as 15:00 para apanhar plástico em diferentes lugares, são longas caminhadas associadas a duras vasculhas em diferentes destinos de lixo para ganhar apenas cinquenta meticais.

Às vezes encontrarmos boas coisas, que conseguimos até vendermos para ganhar algum valor, um dinheiro um pouco razoável. O meu desejo, gostava que o mercado aumentasse o preço do Kg do plástico, porque nós estamos a sofrer mesmo, porque eu também gostaria muito de sair desta vida. Porque esta vida é pesada, muito pesada mesmo…

… Não consigo encontrar outra forma para ganhar a vida, não tenho como. É por isso que até agora estou aqui, ainda a sofrer com essa vida. Naquele momento, não posso mentir, não estudei, porque estive a ver com padrasto, mas o padrasto não me tratava bem…

Grato pela oportunidade para deixar esta visibilidade do catador de lixo em Maputo, para o caso em particular preciso de muita ajuda psicossocial . Estou aqui mesmo a passar mal, não gostaria de ter esta vida.

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