
Senhores Professores, Bebam agua e parem de reclamar (Filipe Jacinto Nyussi)
Ser professor em Moçambique é carregar nos ombros o peso de um país inteiro e, paradoxalmente, sentir-se invisível. À medida que o calendário marca mais um Dia do Professor, em muitas escolas do país não há flores nem celebrações; há apenas silêncio, frustração e uma rotina que se repete como um castigo. Entre o giz que se apaga e as carteiras quebradas, sobrevive uma classe que já foi símbolo de prestígio, mas que hoje vive à mercê de promessas vazias, salários que chegam atrasados e sonhos que o tempo parece ter deixado pelo caminho.
Numa sala abafada de uma escola pública da periferia de Maputo, um professor que chamaremos de Professor Pardal, nome fictício para proteger a sua identidade, fala com voz serena, mas carregada de cansaço. “Ser professor, nos últimos anos, não é fácil. A profissão perdeu o valor na sociedade. Já não somos vistos com o mesmo respeito”, desabafa. Pardal lecciona há sete anos. O amor pelas crianças e o desejo de ensinar sustentam-no, mas a esperança de ver melhorias parece cada vez mais distante.
Ele conta que, no início, enfrentou dificuldades metodológicas, aprendeu com o tempo e se formou por conta própria. “Sinto-me mais maduro, mas é frustrante. As condições não melhoram. As salas estão superlotadas, faltam materiais, e o salário… nem sempre vem no tempo certo.” Quando fala em salário, o tom muda. “A gente dá o máximo, mas o retorno é pouco. O professor carrega um país inteiro, mas é tratado como se fosse um fardo.”
A precariedade é generalizada. Em muitas escolas, professores e alunos partilham o mesmo desconforto: carteiras partidas, quadros gastos, livros escassos, e o som do desânimo ecoando nos corredores. “O lugar de aprendizagem, muitas vezes, não oferece condições nem para o aluno nem para o professor”, continua Ramiro. “Às vezes olho para a turma e vejo crianças sentadas no chão. Como é que se pode ensinar assim?”
Essa pergunta é o retrato cruel de um sistema que parece ter esquecido os seus pilares. O salário-base do professor moçambicano é dos mais baixos do funcionalismo público, e o que outrora foi anunciado como uma luz no fim do túnel, o TSU (Tabela Salarial Única), transformou-se num pesadelo colectivo. “O TSU veio como um doce: no início parecia uma bênção, mas depois foi arrancado bruscamente da nossa boca”, diz outro professor, Crisostenes (também nome fictício). “Hoje, estamos num desespero total. Aquilo que devia ser valorização virou motivo de frustração. Recebemos menos do que antes, e com mais descontos.”
Rogério dá aulas há seis anos e partilha a mesma angústia. Fala pausadamente, como quem mede as palavras, mas a sua voz carrega uma verdade incómoda: “Ser professor em Moçambique é complicado. Colocamos o coração na sala de aula, mas o sistema não nos retribui. Trabalhamos horas extras que nunca são pagas. No fim do mês, o salário não cobre nem metade das necessidades básicas.”
Ele conta que, muitas vezes, é obrigado a tirar do próprio bolso para imprimir fichas e comprar material didáctico. “O professor tem de se reinventar todos os dias, mas sem apoio é impossível manter a motivação. Há dias em que penso que a escola é o lugar onde se ensina a desistir.”
Essa falta de motivação é, talvez, o maior inimigo da educação moçambicana. A profissão que devia ser um farol de sabedoria tornou-se um campo de resistência emocional. “Há professores que já não se sentem inspirados. Dão aulas por obrigação, e não por vocação. Quando o salário atrasa, quando as promoções ficam anos por sair, quando o esforço não é reconhecido, o amor pela profissão começa a morrer aos poucos”, confessa Ramiro.
A situação agrava-se com a falta de promoção de carreiras. Muitos professores permanecem no mesmo nível durante anos, sem qualquer progressão. O Estado promete reclassificações e melhorias, mas o tempo passa, e a realidade continua inalterada. “Fazemos formações, cursos, tentamos crescer, mas nada muda. As promoções são lentas, quase inexistentes. E, enquanto esperamos, o custo de vida sobe todos os dias”, lamenta Rogério.
Essa estagnação também se reflecte na formação deficiente. Muitos professores enfrentam dificuldades para continuar a estudar. “Um professor que ganha pouco não tem como pagar uma universidade. E mesmo quem tenta, faz isso para aumentar o salário, não pela ciência”, diz Rogério, com amargura. “Mas devia ser o contrário: o professor devia estudar para aprimorar o ensino, não para fugir da fome.”
A realidade descrita por Ramiro e Rogério é apenas um espelho do que se vive nas províncias, onde o cenário é ainda mais dramático. Escolas sem carteiras, professores a percorrer longas distâncias a pé, e alunos que abandonam as aulas porque não há professores suficientes. A degradação das condições de trabalho tem impactos directos na qualidade do ensino. A desmotivação infiltra-se na sala de aula e contagia o aluno. “Quando o professor chega à escola sem energia, sem alegria, isso reflecte-se na turma. As crianças sentem. E o ensino deixa de ser aprendizagem para ser sobrevivência”, explica Pardal.
Em muitas comunidades, os professores tornaram-se exemplos de resiliência silenciosa. Enfrentam atrasos salariais de meses, promessas políticas que nunca se concretizam e uma sociedade que parece não compreender o seu papel. “Hoje, ser professor é ser um sobrevivente. A gente vai à escola sem saber se o salário vai cair. E quando cai, já está todo penhorado nas dívidas e nos empréstimos. Não há como viver assim”, afirma Crisostenes, com um sorriso triste.
A falta de consideração social é outro golpe duro. No passado, o professor era símbolo de respeito. Hoje, é tratado com indiferença, quase como um funcionário descartável. “Antes, o professor era temido, era uma referência. Hoje, é só mais um. As pessoas já não valorizam o conhecimento”, lamenta Pardal.
O Dia do Professor, que devia ser um momento de homenagem, tornou-se uma data de reflexão amarga. Enquanto se fazem discursos oficiais sobre a importância da educação, milhares de professores enfrentam a dura realidade de uma profissão que já não alimenta sonhos. “As pessoas falam de motivação, mas como é que se motiva um professor que não tem sequer o que comer?”, questiona Rogério.
A desvalorização docente é, na verdade, o espelho de uma crise mais profunda, a crise de sentido nacional. Um país que não valoriza os seus educadores é um país que caminha para o abismo do esquecimento. O professor é o arquitecto do futuro, mas em Moçambique, o futuro parece ter sido hipotecado por um Estado que promete e não cumpre, que incentiva o mérito, mas pune a dedicação.
No fim da conversa, Pardal fica em silêncio por alguns segundos. Olha para o chão, respira fundo e diz: “Ser professor é continuar, mesmo sem forças. É ensinar a sorrir quando tudo o que se quer é chorar.” Essa frase resume o retrato de uma classe que resiste por amor, mas que já não acredita em milagres.
Neste Dia do Professor, o país devia parar para ouvir as vozes cansadas que, apesar de tudo, continuam a escrever o futuro nas paredes descascadas das escolas. São eles os heróis cansados, os soldados sem armas de uma guerra diária contra o esquecimento. E enquanto o giz continuar a riscar o quadro, ainda há esperança, mesmo que seja uma esperança frágil, como o som de uma última campainha no fim do dia.

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