
Esta entrevista insere-se no âmbito do projecto *Jornal Preto e Branco*, que procura promover reflexões críticas sobre o meio ambiente, sustentabilidade e sociedade.
Dr. Manecas Francisco Baloi é Biólogo Marinho, Consultor e Docente Universitário. Doutorado em Aquacultura pela Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil, tem-se destacado como professor na Faculdade de Veterinária da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), onde desenvolve actividades de ensino, investigação e orientação académica. A sua experiência abrange aquacultura, sistemas de cultivo e biossegurança, tendo publicado diversos trabalhos científicos na área. Paralelamente, presta consultoria nacional e internacional em produção aquícola, saúde e biossegurança, contribuindo para o desenvolvimento sustentável do sector e para a formação de recursos humanos qualificados. Reconhecido pela sua dedicação à ciência e ao ambiente, o Dr. Baloi é uma das vozes mais relevantes no debate sobre a sustentabilidade dos oceanos em Moçambique.
A crise de peixe na Baía de Maputo tem deixado pescadores artesanais em alerta. As redes, outrora abundantes, regressam cada vez mais vazias, levantando a questão: afinal, o que está a acontecer com os nossos mares? Para compreender melhor este cenário, o Jornal Preto e Branco conversou com o Dr. Manecas Francisco Baloi. Nesta entrevista longa e esclarecedora, o especialista aprofunda os múltiplos factores que estão a colocar os oceanos em risco e faz um alerta: “os nossos mares estão doentes, estão na sala de reanimação”.
Na verdade, esta é uma percepção que corresponde em grande medida à realidade. O mar já não tem o mesmo peixe que tinha há algumas décadas, e isso advém de um conjunto vasto de factores interligados. O primeiro deles é a captura acima da taxa de reposição natural das populações marinhas. Ou seja, estamos a pescar mais do que aquilo que os oceanos conseguem repor. A natureza tem o seu ritmo de regeneração, mas quando a pressão humana é maior do que esse ritmo, cria-se um défice que leva à escassez.
Um segundo aspecto é a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada. Temos registado a presença de barcos estrangeiros que capturam pescado nas nossas águas sem qualquer tipo de licença. Estes barcos, muitas vezes equipados com tecnologias avançadas, acabam levando toneladas de peixe que seriam fundamentais para garantir a segurança alimentar local.
A isso somam-se práticas de pesca extremamente destrutivas, como o arrasto de fundo, o uso de redes de malha fina ou até explosivos. Estas práticas não apenas capturam o peixe de forma indiscriminada, como também destroem habitats críticos como recifes de corais, mangais e estuários. Ora, estas zonas funcionam como berçários naturais: é lá que camarões, moluscos e várias espécies de peixe passam fases essenciais do seu ciclo de vida. Se estes habitats desaparecem, desaparece também a possibilidade de regeneração do pescado.
Além disso, temos a poluição hídrica , esgotos domésticos, descargas industriais e toneladas de plástico que vão parar ao mar. Todos estes factores, aliados à ausência de fiscalização e à pressão do crescimento populacional, concorrem para o quadro de crise que hoje vivemos.
O conflito entre a pesca artesanal e a pesca industrial é cada vez mais evidente. A pesca artesanal tende a ser mais selectiva, usando redes e métodos que capturam espécies específicas e, de certa forma, permitem alguma regeneração. Já a pesca industrial, em particular a de arrasto, é altamente predatória: ao passar no fundo do mar, arrasta praticamente tudo, sem qualquer critério. Isto significa que quando o pescador artesanal lança as suas redes, muitas vezes não encontra peixe, porque o industrial já levou tudo.
Há também o impacto sobre os mangais. Muitas espécies, como o camarão, passam grande parte do seu ciclo de vida nestas zonas, enquanto outras, como peixes juvenis, utilizam os mangais como refúgio contra predadores e fonte de alimento. Se estas áreas são destruídas pela pesca industrial ou convertidas em salinas, toda a cadeia de reprodução é comprometida. No fim, quem mais sofre é o pescador artesanal, porque a sua sobrevivência depende de recursos que já não existem.
A poluição por plásticos é uma das maiores ameaças contemporâneas aos oceanos. O lixo que é jogado no mar acumula-se em quantidades assustadoras, e grande parte dele é plástico. O problema é que os plásticos não são biodegradáveis. Ao longo do tempo, vão fragmentando-se em pedaços cada vez mais pequenos, até se transformarem em microplásticos.
Estes microplásticos entram na cadeia alimentar. O peixe ingere-os, e quando nós consumimos esse peixe, acabamos também por ingerir partículas plásticas. Estudos recentes já confirmaram a presença de microplásticos na corrente sanguínea humana. Isso significa que estamos a carregar dentro de nós materiais que nunca deviam estar presentes no corpo humano, com potenciais efeitos tóxicos e consequências ainda pouco conhecidas, mas seguramente graves.
O oceano tem um papel central nas mudanças climáticas. Ele funciona como regulador natural do clima do planeta. Absorve cerca de um quarto do dióxido de carbono produzido pelo homem, o que ajuda a reduzir a quantidade de gases com efeito de estufa na atmosfera. Contudo, este processo tem um efeito colateral: provoca a acidificação das águas, que por sua vez prejudica corais, moluscos e toda a cadeia alimentar marinha.
Além disso, os oceanos absorvem mais de 90% do excesso de calor gerado pelo efeito estufa. Isso significa que funcionam como um amortecedor, mas também estão a sofrer. O aquecimento das águas altera correntes marítimas, desencadeia ondas de calor marinhas e provoca mortalidade em massa de espécies. Assistimos ao derretimento das calotas polares, ao branqueamento dos corais e ao aumento da frequência e intensidade de tempestades e ciclones. No caso de Moçambique, os ciclones que antes tinham intervalos longos, agora são praticamente cíclicos.
Sim, não há dúvidas. Os oceanos estão numa situação crítica. Eu diria até que estão 'na sala de reanimação'. O Oceano Índico, em particular, encontra-se entre os mais afectados. Temos embarcações estrangeiras a explorar os nossos recursos de forma ilegal, toneladas de lixo que chegam às praias e uma fiscalização claramente insuficiente.
Há espécies que antes eram abundantes e hoje são raras ou consideradas de luxo. A magumba, por exemplo, que era comum na Costa do Sol nos anos 90, hoje quase desapareceu. Se continuarmos neste caminho, corremos o risco de perder não apenas biodiversidade, mas também um dos principais pilares da nossa economia e da segurança alimentar das populações costeiras.
O oceano é a base da vida. Ele fornece alimento, regula o clima, influencia os ciclos de chuva e garante equilíbrio aos ecossistemas. Precisamos encarar o oceano como uma prioridade nacional e global. Isso implica políticas sustentáveis, fiscalização séria, combate à pesca ilegal e educação ambiental para todos.
Se cuidarmos do oceano, estaremos a cuidar de nós mesmos e do nosso futuro. Mas se continuarmos a negligenciá-lo, pagaremos um preço muito alto, talvez irreversível

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