O mito da sustentabilidade em Moçambique: onde está o governo?

Por: Nunes Daniel Manhonha

Em Moçambique, a palavra sustentabilidade tornou-se quase um mantra oficial. É mencionada em discursos políticos, brilha em conferências internacionais, agrada doadores estrangeiros e garante manchetes nos jornais. Porém, para o cidadão comum, esta palavra soa cada vez mais como um slogan vazio. Basta caminhar pelas ruas de Maputo, Beira, Nampula ou qualquer outra cidade do país para perceber a distância entre o discurso e a realidade: lixo acumulado nas ruas, rios transformados em esgotos a céu aberto, florestas derrubadas e comunidades inteiras abandonadas pelo Estado.

Todos os anos, o governo anuncia novos planos, programas e estratégias ambientais. Os documentos são carregados de termos sofisticados como “resiliência climática”, “governança ambiental” e “crescimento verde”. No papel, tudo parece perfeito. Mas a realidade quotidiana mostra outra face. Os bairros continuam a inundar-se por falta de drenagem adequada, as comunidades perdem suas terras para mega projectos privados e o lixo segue acumulando-se, sem qualquer sistema de recolha eficiente. Há, de fato, dois Moçambiques: o Moçambique oficial, pintado nos discursos e relatórios, e o Moçambique real, onde a população enfrenta diariamente a degradação ambiental, a falta de infraestrutura e o abandono institucional.

A legislação ambiental moçambicana, ainda que moderna e inspirada em modelos internacionais, é aplicada de forma frágil e selectiva. Pequenos vendedores ambulantes ou cidadãos comuns são multados por irregularidades mínimas, enquanto grandes empresas poluem rios, exploram madeira ilegalmente e lançam fumo tóxico no ar sem qualquer punição efectiva. Onde há dinheiro e interesses poderosos envolvidos, a lei transforma-se apenas em um carimbo decorativo. Surge então uma pergunta essencial: sustentabilidade para quem?

Quando as comunidades tentam defender os seus recursos naturais, a resposta do Estado não é mediação, mas intimidação. Há relatos de líderes comunitários que sofreram pressões, ameaças e tentativas de silenciamento. O Estado, que deveria ser escudo do povo, muitas vezes torna-se escudo dos investidores e dos interesses privados. É um paradoxo cruel: enquanto se fala em políticas verdes e protecção ambiental, a realidade demonstra que as prioridades do governo estão deslocadas.

As cidades moçambicanas crescem de maneira caótica, sem qualquer planeamento urbano que considere o meio ambiente. Bairros inteiros surgem sem água potável, rede de esgotos, drenagem eficiente ou transporte público adequado. O improviso é a regra: ruas são abertas sem planeamento, casas erguidas sem acesso confiável a energia eléctrica, e as soluções para saneamento básico ficam a cargo da própria população. No lugar de políticas estruturadas, surgem chapas improvisadas, transporte lotado e poluição crescente. Os custos desta negligência recaem sempre sobre os mais pobres, enquanto as elites protegem-se em condomínios fechados, com segurança privada, água canalizada, geradores e recolha regular de lixo. Em Moçambique, a sustentabilidade deixou de ser um direito para tornar-se privilégio de quem pode pagar.

Nos bairros periféricos e em expansão, como Zimpeto, Hulene, Laulane, Magoanine, Matola-Gare ou Inhagoia, a ausência do Estado é gritante. As famílias procuram terrenos acessíveis e constroem casas com esforço próprio, muitas vezes sem qualquer suporte ou planificação urbana. As ruas são abertas ao improviso, sem espaço para drenagem adequada ou circulação de serviços de emergência, como ambulâncias e bombeiros. A maioria das casas não tem ligação confiável a redes de água, esgoto ou energia eléctrica. O resultado é vulnerabilidade: enchentes, erosão do solo, doenças e insegurança constante.

O Estado aparece apenas em períodos de catástrofes, para apagar incêndios ou em campanhas eleitorais, prometendo soluções recicladas. No dia-a-dia, a população organiza-se sozinha: cava poços, abre fossas, paga recolha de lixo a privados e tenta sobreviver da improvisação. Estes bairros não são falhas isoladas: são o retrato de um país onde o crescimento urbano ocorre sem o Estado, e onde os custos da negligência ambiental recaem sempre sobre os mais vulneráveis.

Enquanto isso, as elites vivem à parte da realidade do país. Condomínios fechados, segurança privada, água canalizada, energia confiável e recolha regular de lixo formam uma bolha de protecção. Já a maioria da população enfrenta esgotos a céu aberto, rios transformados em lixeiras e transportes indignos. A sustentabilidade em Moçambique deixou de ser direito colectivo: tornou-se privilégio individual.

De que serve, então, falar de sustentabilidade se não há mudança concreta? O governo precisa abandonar a política de discursos e assumir uma política de resultados. É preciso coragem para enfrentar interesses poderosos, punir quem destrói o ambiente e investir em políticas públicas que beneficiem o povo comum. Transparência, participação comunitária e fiscalização independente não podem permanecer como palavras vazias: têm de se tornar prática diária.

Mas também não basta cobrar apenas ao Estado. A sociedade civil precisa levantar-se, denunciar, organizar-se em associações, pressionar e exigir soluções efectivas. Sem pressão cidadã, qualquer plano de sustentabilidade continuará sendo letra morta. O futuro de Moçambique não pode ser hipotecado à ganância de uns poucos. A pergunta que ecoa em cada bairro, em cada comunidade e em cada conferência é simples e urgente: onde está, afinal, o governo?

 



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