Nova Lei de Comunicação Social: Um Atentado a Liberdade de Imprensa?

Em Moçambique, a proposta de uma nova Lei de Comunicação Social se tornou um tema de grande preocupação para jornalistas, activistas e a sociedade civil. A mudança ocorre após mais de 30 anos de vigência da Lei de Imprensa de 1991, já ultrapassada pelas novas dinâmicas políticas e sociais do país. A actualização da legislação é, sem dúvida, necessária, mas o cerne da questão gira em torno do que está sendo proposto pelo governo e como isso impacta a liberdade de expressão e a independência da mídia.

A nova lei surge em um momento em que as vozes críticas à governança têm se intensificado, criando uma atmosfera de crescente oposição às instituições políticas do país. Nesse contexto, a proposta de alteração da Lei de Comunicação Social é vista por muitos como uma tentativa do Estado de restringir ainda mais a liberdade de imprensa e controlar o conteúdo veiculado pela mídia.

A Proposta de Lei: Um Risco para a mídia Independente?

Entre os aspectos mais controversos da proposta de lei está a inclusão de cláusulas que permitem ao Estado adquirir participação em forma de acções em meios de comunicação privados, o que, para muitos jornalistas e especialistas, comprometeria gravemente a independência dos órgãos de imprensa. Além disso, outras modificações sugerem uma fiscalização mais rígida e a imposição de um controle editorial que poderia minar a liberdade de expressão.

Como parte desse debate crucial, entrevistamos Salomão Moiane, decano da mídia moçambicana, uma figura de renome e comprovado mérito para analisar a situação actual do sector de comunicação em Moçambique. Moiane tem uma longa trajectória no jornalismo e é amplamente respeitado por seu trabalho na defesa da liberdade de imprensa e na luta pela transparência na mídia.

Entrevista com Salomão Moiane: Reflexões sobre a Nova Lei de Comunicação Social

JP&B: Salomão, você tem sido uma voz de destaque quando se trata da mídia moçambicana e da liberdade de expressão. A proposta de uma nova lei de comunicação social está causando bastante debate. Como você vê essa proposta, principalmente no que diz respeito à possível participação do Estado em meios privados?

Salomão Moiane: Eu vejo isso com grande preocupação. A proposta de permitir que o Estado tenha participação em órgãos privados de comunicação social é uma tentativa clara de controlo da mídia. O Estado já tem controlo sobre os órgãos públicos de comunicação, como a Radio Moçambique e a TVM, mas agora a intenção é estender esse controle para a mídia privada. Isso é extremamente problemático, porque a independência da imprensa é essencial para uma democracia funcional. Não podemos permitir que o governo tenha influência sobre meios de comunicação privados, porque isso enfraquece a capacidade da imprensa de ser uma vigilante do poder.

JP&B: Você mencionou a independência da imprensa, que é um valor fundamental. A proposta de lei inclui vários pontos que muitos consideram um "estrangulamento" da liberdade de expressão. Há alguns artigos específicos que você considera particularmente preocupantes?

Salomão Moiane: Sim, há três artigos que considero particularmente graves. O primeiro é o Artigo 10, que fala sobre o licenciamento e fiscalização dos meios de comunicação. Ele dá ao governo o poder de regular de forma muito abrangente quem pode ou não operar como órgão de comunicação. Isso é perigoso porque abre a porta para uma censura velada, onde o governo pode simplesmente fechar ou dificultar a operação de qualquer meio de comunicação que se oponha às suas políticas.

O segundo ponto é o Artigo 15, que trata da regulação do conteúdo editorial. Esse artigo fala sobre a imposição de "normas éticas e de comportamento" para os jornalistas e os meios de comunicação. Não há uma definição clara sobre o que seria considerado ético ou correto. Isso poderia ser utilizado para moldar a mídia à vontade do governo, forçando os jornalistas a se autocensurarem para evitar sanções.

O terceiro ponto é o Artigo 18, que cria um Conselho Nacional de Regulação da Comunicação Social, com membros nomeados pelo governo. Isso levanta sérias questões sobre a independência desse órgão, pois se ele for composto por pessoas alinhadas com o governo, certamente não será imparcial. Em qualquer democracia saudável, a regulação da mídia deve ser feita de maneira independente, sem a interferência do poder executivo.

JP&B: Esses artigos realmente levantam questões cruciais. Agora, em relação ao controle do conteúdo editorial, você mencionou a imposição de normas de comportamento. Como isso afecta o trabalho dos jornalistas no dia a dia?

Salomão Moiane: O controle do conteúdo editorial é uma das formas mais eficazes de restringir a liberdade de imprensa. Os jornalistas precisam de liberdade para investigar, questionar e expor as falhas do governo e das instituições. Quando a legislação começa a definir o que é "ético" ou "correcto" em termos de cobertura, isso coloca uma pressão tremenda sobre os jornalistas. Eles começam a se autocensurar, temendo represálias, como perda de empregos ou processos judiciais. A prática jornalística deve ser orientada pela verdade e pela responsabilidade, não pela pressão de um governo ou de qualquer outra autoridade.

JP&B: Você falou sobre a falta de independência do Conselho Nacional de Regulação da Comunicação Social. Você acredita que a criação de um órgão como esse, controlado pelo governo, pode enfraquecer ainda mais a mídia em Moçambique?

Salomão Moiane: Sem dúvida. O Conselho seria uma entidade crucial para garantir que as normas da mídia sejam seguidas de maneira justa, mas se ele for composto por pessoas com ligações políticas ao governo, sua capacidade de garantir um ambiente de mídia independente seria altamente comprometida. O governo não pode ser o árbitro da liberdade de imprensa. Isso é um risco muito grande para a democracia. Em vez de ajudar a regular a mídia, o que provavelmente aconteceria é que ele passaria a usar o poder para calar as vozes críticas e promover uma narrativa única que favorecesse o governo.

JP&B: A sua visão sobre a criação desse Conselho é bastante clara. Mas, em termos de mobilização, a classe jornalística em Moçambique tem mostrado resistência a essas propostas? Qual tem sido o papel das organizações de jornalistas no debate sobre essa nova lei?

Salomão Moiane: Infelizmente, a classe jornalística em Moçambique está muito dividida. O que nós temos é um sindicato que não representa de fato os interesses dos jornalistas. Há muitos jornalistas que têm medo de se posicionar contra o governo ou de questionar abertamente as propostas de lei porque temem represálias. Além disso, existe uma falta de união dentro do sector. As tentativas de criar uma organização sólida para os jornalistas, como a Associação Moçambicana de Empresas Jornalísticas, falharam em grande parte porque os jornalistas estão muito fragmentados. E, mesmo entre os donos de jornais, muitos estão mais preocupados com interesses pessoais ou políticos do que com o fortalecimento da liberdade de imprensa.

JP&B: Isso é um ponto muito importante. Sem unidade, fica difícil para a classe jornalística fazer frente a um governo que tem uma agenda muito clara. Então, como você enxerga o futuro da mídia em Moçambique se essas mudanças passarem?

Salomão Moiane: Se essas mudanças forem implementadas, o futuro da mídia em Moçambique será muito sombrio. A independência da imprensa seria fortemente comprometida. A liberdade de expressão se tornaria uma ilusão, e os jornalistas, em vez de exercerem seu papel de fiscalização e crítica, seriam forçados a se alinhar com o governo. Isso não só enfraquece a democracia, mas também limita o direito dos cidadãos à informação livre e imparcial. Para que isso seja evitado, é fundamental que os jornalistas e a sociedade civil se mobilizem para pressionar por uma legislação que proteja a independência dos meios de comunicação e que assegure a liberdade de imprensa.

JP&B: Salomão, sua perspectiva é fundamental para entendermos o impacto que essa lei pode ter. Há alguma mensagem final que você gostaria de deixar para os jornalistas e a sociedade moçambicana?

Salomão Moiane: Sim, eu diria que, em tempos como este, em que a liberdade de imprensa está sob ameaça, é mais importante do que nunca que jornalistas e cidadãos se unam para defender seus direitos. A mídia é um pilar essencial para a democracia, e não podemos deixar que ela seja enfraquecida ou controlada. A luta pela liberdade de expressão é uma luta que deve ser constante, e todos devemos estar prontos para defender a verdade e a independência da imprensa, não importa o que aconteça.

A Nova Lei e a Luta Pela Liberdade de Imprensa

A nova proposta de lei de comunicação social em Moçambique se apresenta como um ponto crítico para o futuro da mídia no país. As mudanças propostas, especialmente aquelas que envolvem o controlo estatal sobre a mídia privada, são vistas por muitos como um retrocesso na conquista da liberdade de expressão e da independência jornalística.

Com a análise de figuras como Salomão Moiane, fica claro que o caminho a ser seguido é o da defesa da mídia livre e independente, essencial para garantir a transparência, a crítica construtiva e o fortalecimento da democracia. Para que isso aconteça, é necessário que jornalistas, sociedade civil e organizações de direitos humanos se mobilizem para garantir que as futuras regulamentações sobre a mídia em Moçambique protejam a liberdade de imprensa e não permitam o controlo do Estado sobre os meios de comunicação.

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