Ministro Mateus Saize, Reddite Caesari quae sunt Caesaris (Dai a César o que é de César)

Se houvesse espaço para honestidade intelectual na política moçambicana, o Ministro da Justiça já teria recebido não um, mas vários cartões amarelos. O mais recente episódio envolvendo o indeferimento da legalização do Partido ANAMALALA, liderado por Venâncio Mondlane, exige uma análise que vá além da formalidade jurídica e exponha a realidade nua e crua: trata-se de uma jogada política encenada num palco velho, com actores que se revezam no poder sob a direção da Frelimo. Desde a abertura democrática em 1992, Moçambique registou oficialmente mais de 60 partidos políticos. Na prática, porém, esses partidos são pouco mais que logotipos em boletins de voto, surgindo apenas em pleitos eleitorais e desaparecendo com a mesma velocidade com que foram criados. Seus líderes na maioria são figuras inofensivas, sem expressão pública real, muitos dos quais têm ligações evidentes com a própria Frelimo. Criaram partidos não para disputar poder, mas para garantir acesso à subvenção . Ora, se o Ministério da Justiça estivesse realmente comprometido com o rigor legal, cerca de 90% desses partidos não teriam sequer direito à existência. Muitos não prestam contas, não realizam congressos, não têm representação regional e nem sequer sedes operacionais. São legendas de aluguer, utilizadas como cortinas de fumaça para dar aparência pluralista a um sistema altamente centralizado. Nesse contexto, por que o zelo extremo justamente com o ANAMALALA? Primeira hipótese: estará o ministro Saize a contemporizar para que Letela ganhe coragem e prenda Mondlane para depois não ter problemas de mandar o ANAMALALA para o espaço por estar o líder em conflitos com a justiça? A resposta está na biografia política de Venâncio Mondlane. Diferente dos líderes partidários inofensivos, ele é hoje um nome que mexe com o status quo. Sua presença nas últimas eleições, primeiro nas eleições autárquicas, onde reclamou a vitoria no município da cidade de Maputo, mas que os tribunais não quiseram que vontade popular se fizesse valer, e depois nas presidenciais que veio desconstruir a ideia de que ele era apenas um fenómeno urbano, mas uma figura cujo carisma já havia invadido o meio rural, e mesmo com recurso ao habitual enchimento de urnas não teve vida fácil, precisando inclusive de accionar o guardião da legalidade para evitar o seu fim como partido hegemónico, e a lógica manteve- se. Mais uma vez Venâncio Mondlane ousou abanar a super - estrutura da Frelimo fazendo soar os alarmes da Frelimo. Não é coincidência que o partido que lidera encontre agora tantos entraves jurídicos. Permitir que o ANAMALALA seja licenciado com essa designação e sob liderança de Mondlane seria o prenúncio da vitória do povo, uma singela homenagem as centenas de pessoas vítimas da repreensão policial, o que seria uma mensagem clara de que a luta não fora em vão. Isso também não conforta a Frelimo, pois os próximos 5 anos seriam mais desafiadores e a motivação da oposição seria crescente nestes moldes. É neste ponto que o papel do Ministro da Justiça se revela frágil, senão cúmplice. Falta-lhe subtileza, sobra-lhe servilismo. Ao invés de agir como estadista, age como peão num tabuleiro controlado pelo partido no poder. Encurralado num expediente político-partidário, prefere desvirtuar o direito do cidadão à livre associação do que correr o risco de desagradar os seus superiores hierárquicos. Este episódio lança uma sombra ainda mais densa sobre a já comprometida imagem do ministro, cuja ascensão ao cargo é vista por muitos como recompensa pela sua participação no colectivo de juízes que validou a fraude eleitoral de 2019. Sua nomeação para a pasta da Justiça não passa de uma gratificação política, um prémio por serviços prestados ao partido não ao povo. A sua actuação revela um padrão de reincidência. O mesmo zelo legalista que hoje barra o ANAMALALA foi convenientemente ignorado quando dezenas de partidos fantasmas foram inscritos e financiados. O mesmo respeito pela Constituição que agora o move foi desprezado quando o Tribunal Constitucional, com sua anuência deixou passar as gritantes irregularidades das últimas eleições. E o mais grave: a tentativa clara de bloquear o protagonismo de uma figura incómoda como Venâncio Mondlane revela que o partido no poder não sente confortável com a democracia. Mais do que um cartão amarelo, este episódio justifica um cartão vermelho ao ministro. Não por um deslize ocasional, mas pela acumulação de gestos que corroem o já frágil edifício democrático. O país precisa de uma Justiça que inspire confiança, não de um ministro cuja biografia está manchada por cumplicidade com a manipulação eleitoral e com a perseguição política disfarçada de legalismo. A maneira desdenhosa com que o próprio Presidente da República se referiu aos encontros com Venâncio Mondlane, dizendo que “o problema é dele” — numa retórica de desprezo — mostra que a tão propagada reconciliação nacional não passa de um embuste. O diálogo era apenas para adormecer o “boi”. Mondlane percebeu isso tarde demais, e agora começa a pagar o preço de ter acreditado em boa-fé política onde só havia cálculo frio. Neste momento, a Procuradoria-Geral da República dá sinais claros de que o próximo passo poderá ser a criminalização de Mondlane. A engrenagem já está em movimento. Os pronunciamentos e movimentações recentes apontam para uma tentativa de implicá-lo em processos judiciais, enfraquecê-lo moralmente e, se possível, impedir sua participação nas próximas eleições. O roteiro está escrito. Falta apenas escolher o momento certo para a encenação. Diante disso, a sociedade civil, a juventude urbana, as forças democráticas e os verdadeiros defensores da justiça precisam erguer a voz. Não se trata de defender apenas o ANAMALALA ou Venâncio Mondlane. Trata-se de defender o direito dos moçambicanos de se organizarem politicamente sem serem reféns de expedientes partidários disfarçados de legalidade. Trata-se de dizer, com todas as letras, que o Ministério da Justiça não pode ser uma extensão da sede da Frelimo. Se o Ministro da Justiça tem algum compromisso com o país e não apenas com o partido, deve repensar sua conduta pois estamos diante de um cenário lamentável para a nossa justiça. Nossa esperança é que o ministro da Justiça se lembre da violência do pós eleitoral e o espectro de vingança que ainda paira no semblante dos moçambicanos. O país está em polvorosa e a ganância destes senhores poderá reacender o ódio latente. NB: Este é um cartão amarelo com tons de vermelho. Pela reincidência. Pela mediocridade. E pela grave ameaça à democracia.

Veja nossas noticas por categoria

Anuncie

aqui

Conversar

Ligue: +258 845 784 731