Dr. Vicente Ernesto, natural de Inhambane, deixou a província aos 13 anos de idade. Estudou na diáspora, onde concluiu o nível médio em Biologia Marinha, seguido de uma licenciatura e um mestrado em Aquacultura. “Aquacultura é a minha profissão. Estou actualmente reformado, embora continue a trabalhar em diferentes projectos”, disse, tendo acrescentado que a Aquacultura foi o único emprego que teve ao longo da vida.
Após a formação em Biologia Marinha, em 1984, ingressou no extinto Instituto de Investigação Pesqueira, actual Instituto Oceanográfico de Moçambique (INOM), no Departamento de Aquacultura, a única instituição voltada para esta área na época.
“Estou envolvido na Aquacultura desde 1984 e atingi a idade de reforma no ano passado, 2024. Ou seja, parei após 40 anos de trabalho. Reformei-me, mas continuo ligado à Aquacultura de alguma forma.”
Apesar de não ser uma actividade recente, Dr. Vicente reconhece que a Aquacultura ainda é pouco disseminada no país: “Quando entrei em 1984, já havia outros colegas, como o Dr. Fernando Loforte, chefe do departamento na altura. Esta actividade tem algum histórico, mas a evolução foi lenta”.
Segundo ele, o principal desafio reside no facto de a Aquacultura não ser uma prática tradicional no país: “Ao contrário de outras actividades rurais, como a Agricultura, a Aquacultura é algo que tivemos de aprender do zero. É uma chama que ainda não pegou bem.”
Outro desafio, segundo o especialista, está na cadeia de valor, ainda pouco desenvolvida. “Fala-se, desde o início, da falta de alevinos, que são como os pintos na criação de frangos: o ponto de partida. Sem alevinos, não há criação de peixe. Depois, falta a ração. Existem poucos centros que produzem esses insumos”.
Apesar disso, Dr. Vicente observa avanços na formação técnica: “Hoje, temos escolas profissionais e universidades que oferecem disciplinas e especializações em Aquacultura. Em 1984, quase ninguém sabia o que era essa profissão.”
Ele acredita que, apesar da longa costa moçambicana e da tradição do consumo de peixe, a produção pesqueira natural não acompanha o crescimento populacional: “Hoje, algumas espécies tornaram-se um luxo. Camarão, vermelhão, garoupa, peixe-pedra... são caros e escassos. Antigamente, o camarão era símbolo de riqueza nacional, mas os estoques diminuíram.”
Dr. Vicente defende que a Aquacultura é essencial para garantir segurança alimentar: “Já não podemos depender apenas da pesca extractiva. A FAO já demonstrou que a produção da Aquacultura superou a pesca em muitos países. Criar peixe devia ser como criar frango”.
Sobre políticas públicas, o especialista é crítico: “Não vou dizer que são políticas erradas, mas claramente não têm surtido os efeitos esperados. Muitas vezes, os fóruns de discussão são distantes da realidade. Deviam ser realizados nos locais onde se cria peixe, nos tanques, nas zonas rurais.”
Apesar de esforços anteriores, como os do extinto Instituto Nacional de Aquacultura, ele acredita que o apoio institucional ainda não é suficiente: “Ouço dizer que já se fez muito, que já chega. Mas é como uma criança que ainda precisa de cuidados para aprender a andar. Não é hora de desmamar a Aquacultura.”
Para Dr. Vicente, a maior prova de que ainda há um longo caminho a percorrer é a realidade do mercado: “Basta perguntar quantos de nós já compraram peixe de Aquacultura. Se quase ninguém comprou, é sinal de que ainda há muito por fazer.”
No encerramento da conversa, o especialista, já reformado, expressa gratidão: “Foi um prazer partilhar um pouco do que sei. A Aquacultura é uma Arte e uma Ciência. Ainda há muito por aprender e desenvolver. Não quero parecer pessimista. Acredito no potencial da actividade, mas é preciso paciência e políticas consistentes até que a chama realmente pegue.”