Estátuas Vivas: Quando a Arte Vira Sobrevivência nas Ruas de Maputo

Nas avenidas agitadas de Maputo, entre buzinas, pressa e poeira, erguem-se figuras imóveis, cobertas por tinta prateada ou dourada. São corpos humanos transformados em esculturas vivas. À primeira vista, parecem obras de um artista de rua europeu mas são jovens moçambicanos, desafiando o desemprego com criatividade.

São as chamadas estátuas humanas, uma manifestação artística que ganha espaço e admiração nas ruas da capital. Mas, para quem vive dentro dessa tinta metálica, o brilho esconde uma realidade de esforço, improviso e resistência.

Entre elas está Leila Munisse, uma jovem de 20 anos, estudante e membro do grupo 100 Limites X, formado por oito jovens que, há mais de um ano, vêm chamando atenção do público com actuações em semáforos, praças e eventos culturais.

Não é fácil ficar imóvel durante horas debaixo do sol, mas a paixão pela arte é o que nos mantém firmes”, diz Leila, com a serenidade de quem aprendeu a transformar o corpo em escultura.

Da paixão pela arte ao palco improvisado das ruas

O gosto de Leila pela arte nasceu da curiosidade. “Eu sempre gostei de arte, sempre admirei quem conseguia emocionar o público. No final do ano passado comecei a ver algumas estátuas humanas nas ruas e decidi juntar-me ao Mendes, que já fazia isso há algum tempo”, conta.

A dupla começou a se apresentar em pequenos eventos e, aos poucos, o que era uma experiência isolada virou um projecto colectivo. “Decidimos criar o grupo 100 Limites X, com mais pessoas. Hoje somos oito. Alguns são artistas de rua, outros estudantes. Cada um traz algo diferente para o grupo, mas todos partilham o mesmo amor pela arte”, explica.

Leila começou como assistente, ajudando na pintura, nas roupas e na organização das actuações. Depois, ganhou confiança e passou a actuar também. “No início, tremia muito. É difícil controlar o corpo e a respiração, manter-se imóvel enquanto todos te olham. Mas com o tempo aprendi a dominar a mente e o corpo. A estátua é mais que silêncio, é disciplina e emoção”, afirma.

Entre a arte e o sacrifício

A rotina das estátuas humanas é extenuante. As apresentações acontecem quase sempre ao ar livre, expostas ao calor, ao pó e até à indiferença. “A exposição ao sol é o nosso maior desafio. A tinta aquece, o corpo fica pesado e o suor borra tudo. Às vezes, passamos quatro ou cinco horas sem poder mexer um músculo”, descreve Leila.

Mas os riscos vão além do desconforto físico. “Estamos muito próximos das estradas, entre carros e motos. Qualquer distracção pode ser perigosa. Infelizmente, o órgão de tutela pouco tem feito para nos apoiar ou reconhecer o que fazemos. Somos artistas, mas ainda não temos espaço próprio”, lamenta.

Mesmo assim, ela insiste. “A paixão fala mais alto. Temos consciência do risco, mas se desistirmos, quem vai representar esta arte? É o amor pela cultura que nos mantém aqui.”

A arte que luta por reconhecimento

O grupo 100 Limites X não recebe apoio institucional. Tudo é feito de forma voluntária: o custo das tintas, das roupas e até do transporte é dividido entre os próprios membros. “Queríamos que o Ministério da Cultura nos olhasse com mais atenção. Precisamos de um espaço onde possamos expressar a nossa arte, planear e evoluir. Não pedimos muito apenas um lugar para trabalhar com dignidade”, apela Leila.

Ela também defende uma maior participação do sector privado. “As empresas deviam olhar para nós com alguma responsabilidade social cultural. Uma parceria aqui, uma exposição acolá, já seria um grande incentivo. Isso evitaria que ficássemos sempre expostos nas ruas.”

Para Leila, a ausência de apoio não é apenas falta de política pública é um reflexo da forma como a cultura popular ainda é vista no país. “Muitos pensam que o que fazemos é palhaçada ou mendicidade. Não é. É arte. E a arte merece respeito.”

Estátuas humanas ou espelhos sociais?

A cada actuação, o grupo enfrenta reacções diversas: há quem sorria, há quem fotografe, há quem ignore. Mas, por trás de cada olhar, há também o espelho de uma sociedade que convive com o desemprego juvenil e a exclusão cultural.

“Nem todos concordam com a nossa presença. Há pessoas que acham que estamos a desvirtuar o espaço público. Mas a verdade é que, se houvesse mais oportunidades para os jovens, talvez não precisássemos transformar o corpo em estátua para sobreviver”, diz Leila, com firmeza.

Os ganhos não são altos em dias bons, cada membro pode levar para casa entre 500 e 1000 meticais. “Não é brilhante, mas dá para matar a fome e continuar a lutar pelo amanhã”, reconhece.

Ainda assim, o grupo não pretende parar. “Queremos mostrar que a estátua humana pode ser uma forma de expressão legítima, que comunica sem palavras. Há emoção em cada imobilidade, há mensagem em cada silêncio. É uma arte que fala através do corpo”, explica Leila.

 

Entre o sonho e o futuro

Leila terminou o nível médio em 2023 e, no ano seguinte, tentou ingressar tanto na Universidade Eduardo Mondlane quanto na Universidade Pedagógica, mas sem sucesso. “Agora estou a preparar-me para concorrer novamente. Quero continuar a estudar, quero crescer. A arte é o meu sustento, mas o meu sonho é poder unir o que aprendo na escola com o que vivo nas ruas.”

O brilho metálico que cobre o seu corpo não apaga o brilho nos olhos quando fala de futuro. “O meu desejo é que as pessoas olhem para nós com respeito e compreensão. Apoiar a estátua humana não é só dar dinheiro é dar espaço, é abrir oportunidades.”

Antes de voltar à imobilidade, Leila deixa um recado simples, mas poderoso:
Apoiem a cultura. Apoiem-nos. As estátuas humanas também têm alma, tem voz mesmo que falem em silêncio.”

Uma arte que resiste

Quando o sol se põe e a tinta começa a perder o brilho, as estátuas humanas recolhem-se discretamente. O que para muitos foi um espectáculo de rua, para elas é mais um dia de trabalho, de luta e de fé.

Nas esquinas da capital, elas permanecem como metáforas vivas de uma juventude que se reinventa para existir. Em cada corpo imóvel, há movimento social; em cada rosto pintado, há um grito por reconhecimento.

E assim, enquanto o país discute políticas de emprego e cultura, as estátuas humanas de Maputo seguem firmes imóveis, mas mais vivas do que nunca.

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