
É preocupante a forma como o presidente da Republica Daniel Chapo tem se entregado com notável frequência a um discurso perigoso e ideologicamente empobrecido, no qual acusa aquilo que chama de “movimentos de extrema-direita” de tentarem subverter a ordem estabelecida e derrubar os chamados partidos libertadores da região, tendo como pano de fundo a recente crise pós - eleitoral cujos contornos demonstram que o governo da Frelimo foi encontrada desprevenida. Essa retórica tem sido repetida com uma insistência quase ritual, como se através dela pudesse ocultar o vácuo programática, a sua falta de legitimidade e a sua perplexidade face aos reais problemas que afligem os moçambicanos. Esta semana, o cartão amarelo é para o mais alto magistrado da nação que parece ter se perdido antes de se encontrar por inteiro.
Porque, afinal, Chapo procura subterfúgios para a crise de legitimidade do seu partido? Por que razão, em vez de apresentar propostas concretas para enfrentar a crise social e económica que dilacera o país, o Chefe de Estado opta por agitar fantasmas ideológicos que pouco ou nada dizem à esmagadora maioria da população jovem e empobrecida e que vive sem perspectivas pelas cidades e subúrbios deste país?
A resposta, embora triste, é simples: Chapo está deslocado da realidade moçambicana. Sua ascensão ilegítima à presidência, marcada por um processo eleitoral viciado, com a conivência vergonhosa das instituições que deveriam instituir a incerteza e garantir a transparência do sufrágio, não lhe deu o mandato popular necessário para liderar com convicção. Ao contrário, deu-lhe uma presidência frágil, nascida da manipulação e do controlo partidário, e não do voto livre.
Eis então o dilema: como impor-se como Presidente quando se sabe que a maioria dos moçambicanos nunca o escolheu de forma livre e consciente? A estratégia tem sido clara — recorrer ao velho expediente da vitimização, da invocação dos “inimigos da pátria”, dos “desestabilizadores estrangeiros” e agora, mais recentemente, dos “movimentos de extrema-direita”. Um artifício retórico que, ao invés de apaziguar, apenas revela medo e um futuro sombrio para este belo país. Um medo visceral de ser confrontado com a verdade: a verdade de que os partidos libertadores, como a Frelimo, já não se confundem com o povo. Distanciaram-se dos ideais nobres da luta de libertação, perderam o fio à meada, trocaram o povo pela elite, e os princípios por benefícios.
A corrupção, institucionalizada e normalizada ao longo de décadas, é a maior traição que esses partidos cometeram contra o seu próprio legado. As elites políticas formadas à sombra da hegemonia pós-independência transformaram o Estado num instrumento de saque, enquanto a maioria da população permanece mergulhada na pobreza, na precariedade e na desesperança. É esse o pano de fundo do crescente descontentamento que grassa pelas cidades, vilas e distritos de Moçambique. E é isso que os discursos de Chapo não conseguem esconder.
Quando, em tom triunfalista, Chapo declarou que era “a madeira que o carpinteiro iria trabalhar”, revelou de forma simbólica que a sua missão não era servir o povo, mas sim moldar-se aos desígnios de um partido obcecado com a sua sobrevivência política, mesmo que isso signifique a perpetuação do sofrimento de milhões. Ele não se colocou como estadista, mas como aprendiz de carpinteiro político, preparado para servir a estrutura e não a nação. E essa será a sua maior fraqueza: Chapo não tem agenda para o país. Tem agenda para o partido.
A cada comício, a cada declaração, a cada entrevista, fica mais evidente o vazio de ideias sobre educação, saúde, habitação, emprego jovem, industrialização ou transição ecológica. O país parece entregue a um piloto automático, onde o timoneiro só se preocupa com o que ameaça a continuidade da sua embarcação partidária. O que está em jogo, porém, vai muito além disso.
Estamos a viver uma viragem geracional profunda. Moçambique tem uma população maioritariamente jovem, urbana, conectada e inquieta. Uma juventude que já não se comove com os cânticos da libertação, sobretudo quando vê os “libertadores” atolados em escândalos de corrupção, lavagem de capitais, tráfico de influências e apropriação indevida dos recursos públicos. A juventude moçambicana não vê em Chapo um líder, mas sim um gestor da decadência, um funcionário da continuidade, um arauto de um modelo esgotado.
Se os partidos que Chapo teme e acusa de serem de “extrema-direita” encontram eco junto de parte do eleitorado, é precisamente porque os partidos libertadores falharam. Falharam em renovar-se, falharam em respeitar os princípios da transparência, da alternância, da participação popular. E falharam, sobretudo, em criar uma visão de país onde todos se sintam incluídos. A culpa do descontentamento popular não está nos supostos extremistas. Está nos gabinetes onde se tomam decisões sem o povo. Está nos contratos assinados em nome da soberania que, na prática, entregam as riquezas nacionais a meia dúzia de privilegiados.
O maior inimigo do regime não são os “movimentos de direita”, mas sim a memória curta do povo que começa a despertar, a interrogar-se, a exigir contas. E quando esse povo é maioritariamente jovem, com acesso à informação, com consciência cívica a emergir, e com os olhos voltados para os exemplos de mudança noutras latitudes, torna-se claro que nenhum discurso de medo poderá travar esse ímpeto.
A pirâmide etária de Moçambique é, ironicamente, a maior ameaça à Frelimo e a Chapo. Porque essa juventude quer futuro e não passado. Quer justiça e não propaganda. Quer dignidade e não esmolas. Quando vê antigos combatentes da liberdade transformarem-se em símbolos da opulência e do cinismo, percebe que já não há lugar para romantismos históricos. O passado virou peso, e o presente é urgência.
O cartão amarelo desta semana é, portanto, um grito: modere o discurso, Presidente. Pese as palavras. Reconheça que as dificuldades do país são em grande medida resultado de políticas erradas, de prioridades invertidas, de uma governação clientelista e fechada ao escrutínio. Culpar terceiros reais ou imaginários , é um acto de cobardia política. Esconder a falta de visão sob o biombo da ameaça externa é sinal de fraqueza.
O povo moçambicano já percebeu que Chapo é um político inseguro, um líder por acidente, um avatar de uma estrutura que teme a mudança. Esperar que ele seja autónomo é, talvez, pedir demais. Autonomia exige coragem, exige ruptura, exige inteligência estratégica. Nada disso Chapo tem demonstrado possuir. Por ora, resta-lhe tentar sobreviver politicamente, agitando espantalhos ideológicos e repetindo frases feitas.
Mas cada comício vazio de propostas, cada acusação infundada, cada tentativa de desviar o debate para o plano da emoção e da nostalgia, só acelera o desgaste. O tempo político não perdoa. E o povo moçambicano começa a preparar o seu veredicto. E ele será severo.

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