O Judicial ainda não esta preparado para largar a mama do Executivo
O cartão amarelo da semana vai, com toda a pertinência e sentido de urgência, para a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Moçambique e todo sistema judicial que apesar de ser uma constelação do que há de melhor na área, deixa muito a desejar no que concerne ao seu papel de guardião da justiça e legalidade. Não se justifica que volvidos 50 anos de independência a justiça continue atrelada a determinada força partidária mesmo que se imagine um estado de direito e suas instituições. É do entendimento geral que esta instituição deve ser o bastião da legalidade, da imparcialidade e da defesa dos princípios do Estado de Direito, mas que pelo contrário, a mesma tem se furtado redondamente de sua principal função com especial enfoque na gestão de conflitos sociais delicados como os cíclicos conflitos pós-eleitorais. Os acontecimentos que marcam o período subsequente às eleições expõem de forma cristalina a parcialidade institucionalizada da PGR, ou se quisermos o seu silêncio cúmplice em alguns casos de crimes graves cometidos pelas Forças de Defesa e Segurança (FDS) bem como dos órgãos que gerem as eleições que são muitas vezes protegidos por agirem numa lógica também partidária. Entretanto, o amarelo vai para a PGR pois existe na sociedade a percepção de que esta actua selectivamente, mirando de certa forma opositores e poupando aliados do poder mesmo que se apresentem na oposição ou com agendas confortáveis para o regime.
Não se trata aqui de advogar pela impunidade. Pelo contrário, é nosso dever reforçar a necessidade de uma justiça firme, imparcial e equitativa. O problema, todavia, é que a Procuradoria não tem conseguido provar à sociedade moçambicana que é de facto neutra. Pelo contrário, a sua postura actual é de manifesta parcialidade, alimentando a percepção de que é uma instituição capturada, cujo funcionamento está subordinado aos interesses do Executivo e do partido no poder.
Nas semanas que se seguiram às eleições, o país assistiu a manifestações populares lideradas por cidadãos revoltados contra o que consideram ser um processo fraudulento. As manifestações, na sua maioria pacíficas, foram violentamente reprimidas pelas FDS. As imagens e relatos divulgados por organizações da sociedade civil, meios de comunicação independentes e redes sociais mostram claramente o uso desproporcional da força, incluindo disparos com munição real, prisões arbitrárias, espancamentos e até assassinatos de manifestantes indefesos.
Adicionalmente, ocorreu um massacre na Cadeia de Máxima Segurança, onde dezenas de detidos perderam a vida em circunstâncias não esclarecidas, sob custódia do Estado. Em qualquer Estado comprometido com a legalidade, tais factos seriam imediatamente objecto de investigação exaustiva, com abertura de processos-crime, suspensão dos envolvidos e prestação de contas à sociedade. Mas em Moçambique, a PGR optou pelo silêncio e pelo esquecimento, actuando como se nada tivesse acontecido.
Enquanto isso, a mesma Procuradoria mostrou-se célere em implicar figuras da oposição, em particular o deputado Venâncio Mondlane, numa manobra que mais parece orientada por agendas partidárias do que por fundamentos jurídicos. O contraste entre a inércia perante os crimes cometidos por agentes do Estado e a velocidade com que se busca responsabilizar opositores levanta sérias dúvidas sobre a credibilidade e a autonomia desta instituição.
Estamos perante uma situação em que a Procuradoria se posiciona como parte activa da repressão política. Quando o aparelho judicial se transforma numa ferramenta para silenciar dissidências, a justiça deixa de cumprir a sua função primordial e passa a ser uma arma de domínio, opressão e perpetuação da hegemonia política. A neutralidade é uma obrigação constitucional, não uma concessão que se faz quando é conveniente. A sua ausência mina as bases do Estado de Direito, alimenta o ressentimento social e institucionaliza a injustiça como norma.
O sistema judicial, de forma geral, também não escapa ao escrutínio. A sua actuação no contexto pós-eleitoral tem sido, no mínimo, decepcionante. Aparentemente, tem concentrado os seus esforços em julgar os elementos ligados à oposição, enquanto ignora a origem dos problemas: as várias evidências de fraudes eleitorais, ilícitos administrativos, e conluios entre os órgãos de administração eleitoral e o partido no poder. Mesmo com provas de vídeos, áudios, actas manipuladas e outros elementos fáceis de verificar, não houve nenhuma implicância. Nenhuma investigação foi aberta para responsabilizar os verdadeiros promotores da crise política.
O Judicial em Moçambique, por mais que apele retoricamente à separação de poderes, parece preferir dançar ao compasso do Executivo. Seus discursos de abertura do ano judicial, com palavras como "independência", "fortalecimento do Estado de Direito" e "compromisso com a justiça", acabam por ser meros rituais simbólicos. Faltam acções concretas, atitudes de ruptura, manifestações institucionais de autonomia real. Nunca vimos o Judicial, através do Conselho Superior da Magistratura Judicial ou da PGR, pressionar efectivamente o Executivo, denunciar a interferência, recusar orientações ou proteger magistrados ameaçados.
Ao manter essa postura subserviente, o sistema judicial torna-se uma caixa de ressonância das vontades do partido no poder. Pior de tudo, legitima actos inconstitucionais, tolera violações de direitos humanos e, ao fim, compromete a existência de uma república plural e justa. O povo começa a ver a justiça como um teatro, onde os inocentes são sacrificados e os culpados condecorados. O sentimento de injustiça cresce, e a desesperança institucional alastra-se e quando o povo perde a fé na justiça, resta-lhe apenas a rua, a revolta e a violência como formas de expressão.
Sem um Executivo forte e fiscalizado, o país continuará refém da corrupção e da pobreza. Sem um judicial independente, a democracia será sempre uma encenação. A separação de poderes é a espinha dorsal de qualquer regime democrático. E quando ela é violada sistematicamente, o Estado transforma-se num mecanismo de dominação e não de protecção dos cidadãos.
Portanto, ao entregar este cartão amarelo à Procuradoria-Geral da República, estendemos também o alerta a todo o sistema judicial. É tempo de romper com a lógica da servidão institucional, de reafirmar a autonomia funcional e de devolver ao povo a esperança de que ainda é possível viver num país onde todos são iguais perante a lei.
Precisamos reprogramar a nossa justiça sob risco de perdermos de vez o que nos resta de respeito pela instituição ou de vontade de consolidar o projecto de construção da nação e seu principal desiderato que e a unidade nacional.
A história julgará os silêncios e as omissões de hoje. Mas ainda há tempo de mudar.
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