Cartão Amarelo ao Ministério do Interior e à Procuradoria-Geral da República

Há momentos na história de uma nação em que o silêncio das instituições pesa mais do que as próprias balas que ceifam vidas. Moçambique vive hoje um desses momentos sombrios. As ruas, os bairros e até as instituições do Estado ressoam o eco de uma barbárie crescente: opositores políticos assassinados sem explicação, corpos decapitados encontrados nas matas, jovens desaparecidos e, agora, uma comandante da Polícia morta de forma brutal. Diante deste cenário, o Ministério do Interior e a Procuradoria-Geral da República não podem continuar a comportar-se como meros espectadores. O cartão amarelo que hoje se levanta é um grito de consciência, um apelo à responsabilidade e à verdade.

O país encontra-se mergulhado num ciclo de medo e desconfiança. As autoridades parecem ter perdido o controlo sobre o que se passa dentro e fora das suas próprias fileiras. A morte de uma comandante policial esta quinta-feira não é apenas mais um crime; é um sinal de colapso institucional, de falência moral e de um Estado que começa a devorar os seus próprios filhos. Quando a violência se volta contra os próprios agentes da lei, algo profundamente errado está a acontecer no coração da segurança pública.

A comandante assassinada, cujo nome circula entre murmúrios e indignação, representa muito mais do que uma vítima. Ela simboliza a erosão da autoridade, a exposição da vulnerabilidade de uma corporação que, em tempos, inspirava respeito e temor, mas que hoje se vê envolta em suspeitas, traições e silêncios cúmplices. A crueldade com que foi morta e as circunstâncias misteriosas do caso levantam interrogações que exigem respostas urgentes. Quem está a matar os polícias? Quem se beneficia com a morte de agentes de alto escalão? E por que razão o Ministério do Interior e a Procuradoria-Geral da República mantêm-se num silêncio que roça a cumplicidade?

Nos últimos meses, o país tem assistido a um aumento preocupante de assassinatos selectivos, desaparecimentos e execuções com contornos macabros. Corpos decapitados aparecem em matas suburbanas, jovens desaparecem sem deixar rasto, e líderes comunitários são mortos por motivos que as autoridades nunca conseguem esclarecer. Cada crime é mais brutal que o anterior, e cada comunicado oficial é mais vazio do que o último. O Estado fala, mas não explica; promete, mas não cumpre; investiga, mas nunca conclui. É um teatro de sombras, onde a tragédia se repete e a justiça é sempre a grande ausente.

O vídeo que circulou recentemente nas redes sociais, onde um cidadão alertava para eventos desta natureza envolvendo a própria comandante assassinada, adiciona uma camada ainda mais sombria a esta história. Não se trata apenas de uma coincidência ou de especulação popular. Trata-se de um indício de que há uma guerra silenciosa dentro das fileiras da polícia uma luta de poder, uma queima de arquivos, talvez até uma purga interna. E se isso for verdade, então Moçambique enfrenta um dos momentos mais perigosos desde o fim da guerra civil: um Estado a fragmentar-se por dentro, com as suas forças de defesa e segurança divididas por interesses ocultos e lealdades duvidosas.

O cartão amarelo que se ergue hoje é, portanto, mais do que um gesto simbólico. É uma exigência cívica. É o lembrete de que as instituições não podem continuar a agir como se não houvesse sangue nas ruas, como se as famílias não estivessem a enterrar os seus entes queridos sem saber por quê, como se a vida em Moçambique não tivesse se tornado um jogo de roleta russa. O Ministério do Interior deve explicações ao país. A Procuradoria-Geral da República deve justiça às vítimas. E ambas devem transparência ao povo que as sustenta.

Quando as instituições de justiça e segurança perdem a capacidade ou a vontade de esclarecer crimes, abrem-se as portas da impunidade. E onde há impunidade, há caos. A história recente da humanidade está repleta de exemplos de países que desabaram não por falta de recursos, mas por falta de justiça. O silêncio institucional é o prelúdio do colapso social. E é isso que este cartão amarelo tenta evitar: o colapso final da confiança entre o Estado e o cidadão.

O perigo dessas matanças vai muito além do número de mortos. Ele corrói os alicerces da convivência social. Cria um clima de medo colectivo, onde ninguém sabe quem será o próximo. Enfraquece a fé nas autoridades e alimenta teorias conspiratórias que, mesmo quando exageradas, florescem no terreno fértil da falta de informação. O Estado moçambicano está a perder a batalha da narrativa e quando o Estado perde o controlo da narrativa, perde também o controlo da nação.

A morte da comandante policial expôs a podridão que há muito vinha sendo mascarada por comunicados de imprensa e discursos ensaiados. Ela mostrou que o inimigo, neste momento, pode estar dentro da própria casa. A luta que se desenrola nas sombras da Polícia da República de Moçambique parece mais uma disputa entre facções do que uma guerra contra o crime. E enquanto os poderosos se digladiam nas penumbras, o cidadão comum continua a pagar o preço em sangue e medo.

A Procuradoria-Geral da República, por sua vez, carrega uma responsabilidade intransferível. O seu silêncio diante destes acontecimentos é ensurdecedor. Quando o órgão máximo de justiça criminal se cala perante mortes sucessivas e bárbaras, envia uma mensagem de cumplicidade ou de impotência, ambas igualmente perigosas. É dever da PGR proteger o princípio da legalidade, garantir que nenhum crime, por mais político ou sensível que seja, fique sem resposta. Mas o que temos visto é uma Procuradoria que age com zelo apenas quando os interesses do poder político são tocados. Para os mortos anónimos, para as famílias em luto, para as comunidades que vivem aterrorizadas, resta apenas o consolo amargo de uma justiça que nunca chega.

Não é exagero dizer que Moçambique está a caminhar sobre um campo minado social. As matanças de opositores políticos, o assassinato de agentes da lei e o reaparecimento de práticas de violência extrema ameaçam o próprio tecido da estabilidade nacional. Quando o medo se torna rotina, o Estado deixa de ser o garante da segurança e passa a ser visto como parte do problema. E é aí que surgem os abismos os abismos da desconfiança, da autodefesa popular, da desordem. Nenhuma sociedade resiste por muito tempo quando o povo perde a fé nas instituições.

Por isso, este cartão amarelo é também um aviso preventivo. É o último apelo antes do vermelho inevitável. É a exigência de que o Ministério do Interior e a Procuradoria-Geral da República rompam o silêncio e enfrentem com coragem o que está a acontecer. O país precisa de saber a verdade, doa a quem doer. Precisa de saber se há, de facto, uma guerra interna nas forças de segurança. Precisa de saber quem está a matar quem, e por quê. Precisa de ver culpados identificados, julgados e condenados, para que o ciclo da impunidade finalmente se quebre.

O perigo maior é o da normalização da violência. Quando um povo se habitua a ver corpos decapitados, a ouvir sobre desaparecimentos e a enterrar comandantes da polícia sem que ninguém preste contas, o mal deixa de chocar. E quando o mal deixa de chocar, a barbárie torna-se parte da paisagem. É isso que o Estado moçambicano precisa evitar a todo custo: a banalização da morte como consequência natural da vida política e institucional.

A sociedade civil, os jornalistas, os académicos e os cidadãos de consciência não podem assistir calados. A defesa da vida e da dignidade humana é um dever coletivo. As vozes que se levantam para questionar o poder não são inimigas da paz; são o seu último escudo. Calar é permitir que a escuridão avance. Falar é um acto de resistência. E este cartão amarelo é, acima de tudo, um acto de resistência moral, contra o medo, contra a indiferença e contra a morte institucional da verdade.

Moçambique precisa urgentemente de um choque ético, de uma refundação moral das suas instituições. O Ministério do Interior deve olhar para dentro e perguntar-se que tipo de força policial quer representar: a que protege ou a que apaga? A Procuradoria-Geral da República deve escolher se quer ser memória ou esquecimento, justiça ou adorno, esperança ou cemitério da verdade. Porque o tempo da ambiguidade acabou. Cada dia de silêncio é um dia de conivência. Cada morte sem explicação é uma ferida aberta na consciência nacional.

Hoje, o cartão amarelo levanta-se em nome de todos os moçambicanos que ainda acreditam que a justiça não é um luxo, mas um direito. Em nome dos que choram os seus desaparecidos. Em nome dos que têm medo de sair à rua. Em nome dos próprios polícias que vestem a farda com honra e assistem, impotentes, à degradação do seu nome. Este cartão amarelo é o grito de um povo que não quer viver sob o domínio do medo, mas sob a luz da verdade.

O país precisa urgentemente de respostas. Precisa que o Ministério do Interior fale com clareza. Precisa que a Procuradoria aja com firmeza. Precisa que o Estado, finalmente, assuma que a violência que o consome vem de dentro e de fora, e que o seu maior inimigo não está nas matas, mas na impunidade que se alimenta no silêncio das instituições.
Porque, quando o silêncio se torna cúmplice, a barbárie ganha voz, e o futuro deixa de ter esperança.

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