
Este cartão amarelo vai para o sistema de educação dos últimos 15 anos em particular e ao governo, que tem estado de várias formas a desencorajar a educação e a permitir uma instabilidade no sistema.
O país assiste, atónito e cansado, ao colapso progressivo de um dos seus pilares mais sagrados: a Educação. O que deveria ser o alicerce para o futuro transformou-se num edifício velho, cheio de fissuras, infiltrações, paredes a ruir e portas que já não fecham. E o mais grave é que em pleno século 21, ainda assistimos impávidos como sociedade, alunos estudando por baixo das árvores sentados no chão, expostos as intempéries. Entretanto, este colapso não é uma surpresa, não é um acidente, não é fruto do destino, mas sim, resultado directo da gestão pouco profissional, negligente e descomprometida e predadora que o Ministério da Educação tem demonstrado ao longo dos últimos quinze anos. O sistema entrou em crise profunda, mas não há coragem institucional para reconhecer o óbvio: a Educação moçambicana está doente, e a doença é grave.
Comecemos pelos fundamentos. Os currículos parecem projectados não para formar cidadãos capazes, mas para preencher papel e cumprir agendas externas dos doadores. A estrutura do sistema está sobrecarregada, deficiente em quase tudo o que lhe é essencial: faltam salas de aula, faltam carteiras, faltam materiais básicos e falta, sobretudo, um ambiente que permita ensinar dignamente. As escolas transformaram-se em campos improvisados onde alunos disputam espaço físico e professores disputam as migalhas de motivação que ainda restam. É uma desordem institucionalizada. Uma turma normal chega a ter 80 alunos, todos afunilados em paredes minúsculas e ou por baixo de uma frondosa arvore, e isso muitas vezes ocorre nos grandes centros urbanos, junto dos círculos de poder.
O caso dos professores é particularmente revelador. Esta classe, que deveria ser tratada com a dignidade de quem carrega o futuro do país nas mãos, é hoje a face mais intrigante e trágica deste sistema em decadência. A motivação está tão baixa que já não conseguem esconder o cansaço, o desgaste, a frustração. Muitos acumulam meses sem pagamento correcto de horas extras. O tão propagandeado TSU, que reacendeu esperanças legítimas de melhoria salarial, foi aplicado de forma abrupta, ambígua e, quando finalmente começou a dar algum alívio, foi suspenso com a mesma rapidez com que tinha sido anunciado. A classe docente ficou no vazio, mais uma vez enganada por promessas que nunca amadurecem.
A crise material encontra terreno fértil na crise ideológica. Parece existir um plano oculto para descredibilizar o sector ou pelo menos para que este não se estabilize e para que as famílias pobres não se interessem em mandar suas crianças para a escola. Alias, e esta a realidade do meio rural, onde a maioria das famílias não se importam em levar as crianças ou a mantê- las na escola, porque a pratica mostra que não há interesse em que elas aprendam por parte de quem as ensina. A quantidade de erros ortográficos e gramaticais presentes nos manuais e livros escolares já não pode ser explicada por descuido: é um sintoma de desmoronamento ético. Como pode um livro escolar chegar às mãos de uma criança com erros de palmatória? Como pode o Ministério permitir que manuais cheguem às escolas sem o mínimo de revisão? Que mensagem está a ser transmitida às novas gerações?
É impossível esconder os efeitos desta educacidio, ou seja, o suicídio da educação. Estudantes atingem níveis superiores sem dominarem a qualidade mínima exigida. Muitos não conseguem escrever frases coerentes. A grafia é preocupante, a estrutura do pensamento é frágil e o entendimento gramatical é rudimentar. Formam-se jovens que passam de classe em classe, mas não evoluem em conhecimento. Saem diplomados, mas não formados. E um país que transforma diplomas em certificados de sobrevivência académica está a fabricar um futuro de limitações.
O episódio mais escandaloso, porém, é a mega fraude dos Exames Nacionais, onde versões dos exames circularam antes da sua realização. Este acto vergonhoso não é apenas um crime contra a integridade do sistema educativo; é um insulto ao esforço de milhares de alunos honestos. Revela que a própria prova, que deveria ser o símbolo máximo da transparência e equidade, foi capturada pela incompetência, pela corrupção ou pela combinação das duas. Quando nem os exames escapam à degradação, está confirmado: o sistema entrou em estado de decomposição.
Pior ainda é observar que esta degradação contrasta com os primeiros anos da independência. Mesmo com escassez de professores e de infra-estruturas, aqueles anos foram marcados por um compromisso genuíno com a construção de uma Educação libertadora, que rompia com a lógica colonial. A qualidade pedagógica não era posta em causa. O produto educativo, embora formado num contexto difícil, era respeitável, sólido, preparado para pensar criticamente. Hoje, apesar de mais recursos, mais instituições e mais discursos públicos sobre “melhorias”, a qualidade desapareceu. O retrocesso é evidente, doloroso e institucionalmente ignorado.
A falta de vontade política para estabelecer uma Educação transformadora é gritante. Enquanto o sistema público agoniza, cresce silenciosamente um sistema paralelo de educação privada, construído como refúgio para os filhos da classe média e alta. É um enclave educativo, quase um sindicato da elite, garantido por mensalidades inacessíveis para a maioria dos moçambicanos. Paralelamente, multiplicam-se bolsas de estudo distribuídas dentro da classe dominante, enviando os seus filhos para universidades no estrangeiro. Os filhos dos pobres, entretanto, estudam em salas superlotadas, com carteiras quebradas, sem água, sem saneamento e, por vezes, sem professor. É um cenário desumano, indigno, e o Ministério parece não ver ou não querer ver.
Somente um governo eticamente esgotado pode permitir tamanha negligência. Um governo que compreende o valor da Educação nunca aceitaria escolas decadentes, professores humilhados, currículos vazios e exames fraudados. A Educação não é um sector qualquer; é a espinha dorsal do desenvolvimento. E quando a espinha dorsal quebra, o país inteiro fica sem equilíbrio.
Chegou o momento de dizer, de forma clara e firme: o Ministério da Educação precisa de assumir responsabilidade. Precisa de ouvir o país real, não os relatórios envernizados que circulam nos gabinetes. É preciso reerguer a dignidade da escola pública, investir na formação rigorosa de professores, reconstruir a autoridade ética dos manuais, e sobretudo, devolver às crianças moçambicanas o direito básico a aprender com qualidade.
Este cartão amarelo é um aviso severo. Não é apenas uma crítica; é um apelo. É um grito de urgência. Se nada for feito com coragem e honestidade, o próximo cartão não será amarelo, será o reconhecimento público de que deixaram a Educação cair num abismo sem retorno. E isso, simplesmente, o país não pode aceitar.

Politica
2025-12-18

Politica
2025-12-18

Economia
2025-12-16

Politica
2025-12-16
Sociedade
2025-12-16
Copyright Jornal Preto e Branco Todos Direitos Resevados . 2025
Website Feito Por Déleo Cambula