
Cartão Amarelo ao Ministério da Defesa, não aos militares bravos que lutam sem conhecer o inimigo, porque por vezes ambos parecem obedecer a mesma voz de comando.
Há instantes na vida de uma nação em que o povo se vê obrigado a erguer a voz para não sucumbir à mentira, ao abuso e à ganância. O silêncio, nestes momentos, deixa de ser prudência e passa a ser cumplicidade. Assim se encontra hoje o povo moçambicano diante da forma vergonhosa, quase subalterna, como o Governo da FRELIMO tem se comportado perante a Total Energies no contexto da exploração do gás natural em Cabo Delgado. Este é um cartão amarelo sem rodeios, porque o Estado transformou-se, na prática, num actor secundário no seu próprio território, abrindo espaço para que interesses externos definam prioridades nacionais, enquanto os pobres morrem, fogem e se perdem entre o pó e a lama das deslocações intermináveis.
A submissão do governo diante da Total não é fruto de ingenuidade; é fruto de conveniência. É o resultado directo de uma elite que se habituou a tratar o país como propriedade pessoal, negociando recursos naturais como se fossem parte de um património privado herdado, e não riqueza colectiva de um povo que nunca recebeu os frutos desse tesouro. Esta relação promíscua entre o Governo e a petrolífera tornou-se tão evidente que até a justiça francesa conseguiu relacionar a Total à instabilidade em Cabo Delgado, enquanto, dentro de Moçambique, a mesma empresa é tratada como salvadora e intocável, acima de qualquer crítica, acima da dor das populações, acima da soberania nacional.
Para compreender o absurdo actual, é preciso recuar brevemente à génese da insurgência. Muitas tentativas foram feitas para construir narrativas que absolvem o Estado: terrorismo internacional, radicalização religiosa, influências externas. Todas essas explicações contêm fragmentos de verdade, mas omitem o essencial. A insurgência germinou em terreno fértil criado pelo próprio Estado moçambicano: décadas de abandono, pobreza estrutural, desigualdade histórica, destruição de expectativas e marginalização económica dos jovens de Cabo Delgado. Quando começaram os projectos do gás, desde Palma a Mocímboa, passando por Macomia e Nangade, as populações locais foram enganadas com promessas de emprego, tranquilidade e desenvolvimento. Em vez disso, foram desalojadas, perderam terras, perderam meios de subsistência, perderam dignidade. Viram as elites políticas ficarem mais ricas, enquanto a juventude local continuava presa ao desemprego, à frustração e à revolta silenciosa. O Estado nunca quis discutir esta origem porque nela reside a sua própria responsabilidade moral e política.
Foi dentro desta panela de tensão, injustiça e oportunismo que a insurgência encontrou espaço para crescer. Não porque os jovens de Cabo Delgado sejam terroristas por natureza, mas porque foram empurrados para a desesperança por um país que nunca os viu como prioridade. E quando a insurgência explodiu, o governo usou-a não como uma chamada de atenção para corrigir desigualdades, mas como oportunidade económica para reforçar mecanismos de controlo, clientelismo e captura de recursos.
É neste cenário que se insere um dos episódios mais humilhantes da história recente de Moçambique: a contratação das Forças de Defesa do Ruanda. Nunca ficou claro para o povo se o país realmente esgotou todas as alternativas internas. Se o nosso exército foi mobilizado na totalidade, se os recursos internos foram reorganizados, se os veteranos foram chamados, se a logística militar nacional foi reforçada. Nada disso foi explicado. O governo simplesmente decidiu que Moçambique, na sua totalidade, não tinha capacidade autónoma para enfrentar a insurgência. E, como se fosse um Estado falido à procura de um protector, recorreu ao Ruanda, uma força militar cuja presença em conflitos africanos tem sido sistematicamente associada a interesses económicos, sobretudo nos sectores de mineração e energia. A pergunta que ecoa em cada canto do país é directa: porquê Ruanda? Porquê ignorar a África do Sul, vizinho imediato, com maior capacidade militar, presença histórica na região, e com quem Moçambique mantém acordos antigos de cooperação? Porquê recorrer especificamente a um país que, coincidentemente, mantém relações estratégicas com a Total Energies e tem histórico de actuação militar onde multinacionais beneficiam da instabilidade?
A resposta é dura: porque a presença ruandesa não foi pensada para proteger Moçambique; foi pensada para proteger o projecto da Total. E para isso, o governo não hesitou em desembolsar mais de vinte milhões de dólares que poderiam ter sido usados para equipar o nosso exército, pagar salários dignos, reforçar logística, revitalizar bases militares e recuperar a dignidade das Forças Armadas. Em vez disso, preferiu pagar a tropas estrangeiras, num claro gesto de fraqueza estratégica e submissão política.
Enquanto estas decisões eram tomadas nas salas fechadas do poder, os camaradas e seus círculos continuavam a enriquecer. O clientelismo dentro da FRELIMO, há muito enraizado, tornou-se um cancro que devora qualquer tentativa de desenvolvimento sócio- económico. A exploração dos recursos naturais transformou-se numa festa restrita, onde entram apenas aqueles que carregam cartões de acesso ao sistema partidário. Contratos de segurança, contratos de logística, contratos de fornecimento, tudo se tornou fonte de enriquecimento acelerado para poucos, enquanto os muitos, aqueles que nada têm, continuam a viver em deslocamentos eternos, entre fome, medo e incerteza. A insurgência, para esta elite, não é tragédia; é oportunidade. É mais um pretexto para esconder negócios obscuros, travar investigações, justificar acordos, prolongar poder e manter o povo ocupado com a sobrevivência enquanto o topo da pirâmide colecciona dividendos.
A ligação da Total à instabilidade de Cabo Delgado, reconhecida até pela justiça francesa, deveria ser suficiente para o Governo de Moçambique rever relações, exigir transparência, impor condições e defender o povo. Mas, pelo contrário, o governo mantém uma postura quase feudal diante da petrolífera. A Total fala, o governo concorda. A Total sugere, o governo executa. A Total exige segurança para Afungi, o governo desloca estratégia militar e abandona aldeias inteiras à sua sorte. É como se o país tivesse sido hipotecado e o governo se contentasse com as migalhas que pingam lentamente para os cofres, migalhas que nunca chegam a melhorar a vida da população, são migalhas mortais, infestadas de sangue e falta e luto, enquanto as verdadeiras fortunas desaparecem para contas privadas, para cofres escondidos, para bolsos de quem aprendeu a transformar a política numa máquina de acumulação.
E, enquanto o povo de Cabo Delgado sofre, o governo dança. Há sempre conferências de imprensa, discursos inflamados sobre soberania, encontros bilaterais com fotografias ensaiadas, e promessas vazias sobre desenvolvimento local. Mas a verdade nua e crua é que o governo não está preocupado com o povo; está preocupado com a Total. Está preocupado com o fluxo do gás. Está preocupado com comissões, negociatas e interesses que correm nos bastidores. O que existe de mais precioso em Cabo Delgado do que as pessoas? Nada. Mas, para o Governo da FRELIMO, o que existe de mais precioso é o saque organizado dos recursos.
Por isso este cartão amarelo é mais do que um aviso: é um grito moral. É a denúncia de que o Estado perdeu o rumo. É o alerta de que a paciência do povo tem limites. Se o governo continuar a agir como guardião dos interesses de uma multinacional estrangeira, sacrificando vidas moçambicanas para proteger lucros alheios, este cartão amarelo transformar-se-á, inevitavelmente, em cartão vermelho , e será levantado não por intelectuais, jornalistas ou críticos, mas pelo próprio povo, farto de ser sacrificado em nome da ganância de poucos.
Nhandayeyo, Cabo Delgado.
Não permitiremos que matem nossos irmãos
O genocídio não fará parte da nossa historia
Mesmo que tenhamos que morrer para viver novamente!
Nhandayeyo cabo delgado!

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