Cartão Amarelo à Federação Moçambicana de Futebol: Amadorismo, Promessas Vazias e a Vergonha Nacional

Há momentos na vida de um país em que o silêncio deixa de ser prudência ou diplomacia e passa a ser cumplicidade com a decadência. O que se tem passado na Federação Moçambicana de Futebol exige que se fale com toda a frontalidade, sem rodeios e sem medo de ferir susceptibilidades. O futebol moçambicano está a ser conduzido por um caminho perigoso, onde o amadorismo se tornou norma, a falta de planeamento ganhou estatuto de cultura institucional e a própria dignidade nacional tem sido arrastada pelas decisões erráticas de uma direcção que parece mais preocupada com a sua própria imagem do que com o desenvolvimento efectivo da modalidade. E quando menciono direcção, é impossível não dirigir a crítica ao rosto mais visível deste colapso: o senhor Feizal Sidat, presidente da FMF.

A federação, que deveria ser o centro nevrálgico de todo o pensamento estratégico do futebol no país, transformou-se num organismo vacilante, incapaz de garantir o básico, como a participação digna da selecção em competições continentais. As recentes declarações públicas, afirmando que “não há dinheiro” para custear a presença no CAN a poucas semanas do início da prova, não são apenas lamentáveis — são uma confissão explícita de desorganização crónica. Não estamos a falar de um imprevisto ou de uma emergência; estamos a falar de uma competição cuja data é conhecida com anos de antecedência, para a qual qualquer federação minimamente funcional se prepararia com rigor, profissionalismo e antevisão. O que se viu foi o contrário: uma direcção apanhada de surpresa por um calendário que ela própria deveria dominar.

Não é a primeira vez. Quando Moçambique ficou de fora do último CHAN, o argumento usado foi o mesmo. A mesma falta de dinheiro, a mesma incapacidade de planificação, a mesma normalização da incompetência. Parece que a FMF vive eternamente em estado de improvisação, como se o futebol nacional fosse um exercício de última hora. E isto levanta perguntas inevitáveis: onde está a estratégia? Onde está o trabalho de antecipação? Onde está, sobretudo, a responsabilidade de quem dirige uma instituição que, ao contrário do que parece, tem deveres formais perante a nação?

O que se percebe, com cada vez mais clareza, é que a gestão da FMF se transformou numa espécie de palco pessoal para o seu presidente. As selecções, em vez de projectos nacionais sólidos, passaram a ser usadas como instrumentos de propaganda, como vitrines mediáticas que servem mais para valorizar a figura de Sidat junto de organismos internacionais do que para elevar o nível do futebol moçambicano. Os cargos e convites que ele tem recebido na CAF — e que, de forma vergonhosa, chegaram a envolver familiares — demonstram que a federação não está a ser dirigida em função das necessidades do país, mas sim dos interesses de quem a dirige.

Não é coincidência que o mesmo presidente tenha forçado alterações nos estatutos da FMF apenas para lhe permitir concorrer a mais um mandato. Esta obsessão pela perpetuação no poder, num cenário de visível decadência institucional, só reforça a suspeita de que a federação se transformou num instrumento pessoal, e não num organismo dedicado ao fortalecimento das competições internas, à formação de base ou à profissionalização dos clubes. A realidade é clara: os campeonatos continuam fracos, as infra-estruturas degradadas, os clubes sem apoio, a formação abandonada, e a FMF insiste em operar como se estivesse tudo bem, como se a crítica fosse um capricho e não um grito de socorro.

O episódio vivido recentemente em Marrocos é um dos maiores símbolos da humilhação nacional. Jogadores da selecção principal, representando o país além-fronteiras, viram-se obrigados a ameaçar boicotar um jogo porque a FMF não cumpriu com o pagamento dos subsídios que lhes foram prometidos. O que deveria ser uma questão administrativa simples tornou-se num escândalo internacional. E o mais grave é a informação, amplamente comentada, de que a Federação Marroquina teria disponibilizado fundos à FMF para cobrir exactamente estas despesas. A pergunta impõe-se, nua e crua: para onde foi esse dinheiro? Como é possível transformar atletas profissionais em pedintes? Como é que uma instituição responsável pela honra desportiva do país permite que a selecção nacional viva um constrangimento desta natureza?

A resposta é dura, mas necessária: isto só acontece porque a FMF perdeu completamente o sentido de responsabilidade e de decência. O país parece ter perdido o pudor, ao aceitar que dirigentes tratem a selecção como uma ferramenta descartável, pagando quando querem, prometendo quando precisam e abandonando quando convém. A selecção, que deveria ser o maior símbolo de união e orgulho nacional, está reduzida a um grupo de profissionais que têm de cobrar “a ferro e fogo” o que lhes pertence.

E se há algum lugar que ilustra melhor a profundidade deste colapso, esse lugar é o Estádio Nacional do Zimpeto. O principal palco do desporto moçambicano transformou-se numa lixeira, um espaço sem vedação, entregue ao vandalismo, à delinquência e a actos imorais que envergonham qualquer cidadão minimamente consciente. Como pode um país que se quer respeitado permitir que o seu estádio nacional esteja neste estado? E como pode a FMF continuar a operar como se nada estivesse errado, enquanto este símbolo nacional se degrada ao ponto do absurdo?

O Zimpeto não é apenas um estádio abandonado; é uma metáfora viva do futebol moçambicano: deteriorado, desorganizado, sem manutenção, sem direcção e sem dignidade. E ainda assim, o presidente da FMF mantém-se confortável, agradecendo convites internacionais, posando para fotografias, e falando como se liderasse uma instituição saudável e funcional.

O cartão amarelo que aqui se levanta não é um gesto simbólico; é um aviso urgente. A paciência dos moçambicanos está a chegar ao fim. A credibilidade da FMF está comprometida. Os atletas já não confiam. Os adeptos estão desiludidos. Os clubes sobrevivem como podem. E o país é repetidamente envergonhado por causa de uma gestão que já não demonstra capacidade, seriedade, nem sequer vontade de mudar.

É tempo de perguntar, com toda a firmeza: até quando? Até quando Moçambique aceitará que a federação que dirige o seu desporto mais popular seja governada por amadores? Até quando permitiremos que os interesses privados se sobreponham aos interesses do país? Até quando o futebol será tratado como um brinquedo político, e não como um património nacional?

Este cartão amarelo é claro. É forte. E é merecido. Mas se a FMF continuar a ignorar os factos, a fugir das responsabilidades e a destruir aquilo que resta da dignidade futebolística nacional, então o próximo passo será inevitável: cartão vermelho.

Porque Moçambique já não tem margem para mais vergonhas. Já não tem espaço para improvisos. Já não tem tempo para amadorismo. E acima de tudo, já não tem paciência para dirigentes que usam a federação como extensão da sua própria vaidade. O país exige mudança, seriedade e respeito. E exige-os agora.

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