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Nesta semana, o cartão amarelo vai para a democracia concretamente ao modelo moçambicano construído com alicerces autoritários e como esforço de pacificar o país que se encontrava mergulhado numa guerra sangrenta diante da incapacidade do governo de conter a resistência armada. Mais precisamente, o cartão amarelo desta semana incide directamente na encenação democrática em Moçambique, onde o sistema multipartidário que emergiu com a terceira vaga de democratização nos anos 1990 parece ter perdido a capacidade de se reinventar, regular e sustentar a paz. Passadas mais de três décadas, a democracia moçambicana é hoje um sistema funcionalmente disfarçado de pluralista, mas visceralmente controlado por um partido dominante que, através de uma teia de captura institucional, garantiu para si um poder quase absoluto. Este facto evidenciado a cada dia, a cada pleito e a cada procedimento, afigura- se como perigoso a curto e médio prazo, porque as pessoas estão cada vez menos compelidas a viver em sistemas autoritários ou democracias de fachada e a violência pos- eleitoral recente pode ser a antecâmara do que o futuro nos reserva se nada for feito no sentido de libertar as instituições para materializar a vontade dos eleitores expressa nas urnas.
Desde os Acordos de Paz de Roma, em 1992, Moçambique deu os seus primeiros passos no caminho da democratização. Houve um tempo em que o mundo aplaudia o "milagre moçambicano". As primeiras eleições multipartidárias de 1994 foram saudadas como um marco histórico. No entanto, os sinais de que algo estava estruturalmente errado já estavam lá: um partido-Estado que nunca abdicou do controle do aparelho estatal, uma oposição desarmada em condições de competição desigual e uma sociedade civil fraca diante da maquinaria estatal.
Com o passar do tempo, a tendência foi de agravamento. Em cada ciclo eleitoral, os mesmos problemas voltaram: registos eleitorais viciados, comissões eleitorais dependentes, processos de contagem opacos, recusas sistemáticas de recontagem e relatos recorrentes de enchimento de urnas e manipulação de resultados. Em 1999, a disputa entre Joaquim Chissano e Afonso Dhlakama terminou com um resultado contestado e tensões latentes. Em 2004, com Armando Guebuza, a Frelimo voltou a vencer em um processo marcado por acusações de fraudes. Em 2009, a exclusão da Renamo em algumas províncias criou um ambiente de monopartidarismo travestido.
Mas foi em 2014 e, sobretudo, em 2019 que se consolidou a ideia de uma democracia irreversivelmente capturada. Com Filipe Nyusi, o país assistiu à legitimação de um governo cujos resultados eleitorais foram amplamente questionados. Denúncias de fraude, boletins fantasmas, centros de apuramento sem acesso da oposição e a indiferença de um Conselho Constitucional domesticado tornaram-se parte do processo. A democrácia, nesse contexto, não foi um meio de resolver conflitos, mas um ritual para os oficializar.
A situação agravou-se ainda mais em 2023 com as eleições autárquicas, marcadas por uma rejeição massiva da população aos resultados oficiais. A anulação de resultados em algumas autarquias, a repressão violenta contra manifestantes e a crescente sensação de ilegitimidade do governo criaram um ambiente de tensão insustentável. A democracia, incapaz de garantir alternância, tornou-se fonte de instabilidade.
As instituições moçambicanas, em vez de funcionarem como pilares do Estado de Direito, tornaram-se verdadeiras extensões do partido Frelimo. O Conselho Constitucional actua como instância de confirmação dos interesses partidários. A Comissão Nacional de Eleições está capturada. Os tribunais são silenciosos frente a violações gritantes dos direitos fundamentais. A Assembleia da República tornou-se num palco de legitimação e não de fiscalização. As instituições democráticas moçambicanas são de uma nulidade profunda.
Num sistema assim, o partido no poder não encontra barreiras. Governa com impunidade, altera leis eleitorais, manipula orçamentos, coage adversários e instrumentaliza a justiça para proteger aliados e perseguir opositores. Tudo isto diante de uma população cada vez mais frustrada, sobretudo a juventude, que representa a maioria demográfica e que não vê na democracia um caminho para melhorar a vida.
Adicionalmente, o país mergulha em uma crescente polarização política e social. A oposição é retratada como inimiga da paz, os críticos são tratados como desestabilizadores e os jornalistas independentes como conspiradores. O próprio conceito de adversário político foi substituído pela ideia de inimigo a ser eliminado. E tudo isso é promovido por um discurso oficial que associa estabilidade à continuidade do poder.
Este processo de degradação institucional tem um custo alto. A estabilidade que foi conquistada com sangue está a ser minada por uma democracia sem substância. A paz está em risco porque não há mais confiança nos mecanismos institucionais. Em várias regiões, surgem focos de revolta, desobediência civil, discursos radicais. O Estado perde legitimidade enquanto aumenta a repressão.
Mais grave ainda: a juventude moçambicana, que deveria ser a guardiã dos valores democráticos, assiste ao descrédito das instituições. Esta geração, que cresce com acesso à informação global, não se revê num modelo político que celebra eleições sem resultado. A exigência é clara: progresso real, justiça verdadeira, alternância possível e representação efectiva. Não basta votar. É preciso que o voto valha alguma coisa.
Não há democracia possível onde o partido é mais forte que as instituições. Não há desenvolvimento possível onde o Estado serve a um grupo e não à nação. Não há paz duradoura onde o direito à dissidência é confundido com crime. Moçambique, neste ponto, está num cruzamento perigoso. A democracia precisa ser mais que uma formalidade. Precisa funcionar.
O cartão amarelo à democracia moçambicana é um aviso, não um epitáfio. Ainda é possível reformar. Mas não com os mesmos métodos, nem com os mesmos protagonistas. É preciso coragem para refundar as instituições, despartidarizar o Estado, garantir órgãos eleitorais independentes, proteger a liberdade de imprensa e permitir que a alternância deixe de ser um tabu.
A democracia, para sobreviver, exige muito mais. Exige que a cidadania seja respeitada, que a governação seja responsável, e que as instituições sejam maiores que os partidos. Caso contrário, o que teremos é uma paz podre, um Estado disfuncional e uma geração condenada à frustração.
Moçambique precisa de mais do que democracia formal. Precisa de democracia real. E essa não se constrói com propaganda, mas com instituições fortes, justiça imparcial e respeito pelos direitos fundamentais. A hora de agir é agora.

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