
O Presidente da República de Moçambique, Daniel Chapo, acaba de receber um cartão amarelo, e este não é um gesto simbólico ou trivial. É um alerta moral e político, um apelo à consciência de um homem que, investido na mais alta função do Estado, tem a obrigação de representar os princípios que dignificam a nação. O motivo é simples e, ao mesmo tempo, revelador do abismo ético em que as democracias africanas têm mergulhado: a prontidão com que o Chefe de Estado moçambicano felicitou a Presidente da Tanzânia, Samia Suluhu Hassan, pela sua reeleição, um processo marcado pela repressão, pela ausência de concorrência real e pela brutalidade estatal que a própria DW descreveu como um “retrocesso alarmante da democracia tanzaniana”.
As eleições na Tanzânia foram tudo menos livres e justas. Nas vésperas do sufrágio, candidatos da oposição foram presos, manifestações pacíficas foram violentamente dispersas, jornalistas independentes perseguidos, e observadores eleitorais impedidos de acompanhar o processo. O país assistiu, impotente, a uma coreografia de autoritarismo cuidadosamente disfarçada de normalidade democrática. Mesmo sob a vigilância internacional, o governo tanzaniano orquestrou um pleito sem transparência, num ambiente em que o medo se tornou política de Estado.
A DW, em sua cobertura, destacou que “a oposição foi silenciada antes que pudesse ser ouvida” e que “os resultados, que atribuem à Presidente Samia cerca de 98% dos votos, contrastam com um cenário de repressão e morte”. Relatos de centenas de vítimas civis, mortos ou desaparecidos em confrontos pós-eleitorais, pintam o retrato de uma nação em luto pela própria democracia. Mesmo a SADC, organismo que tantas vezes se mantém complacente diante de eleições duvidosas, recusou-se, desta vez, a considerar o processo tanzaniano como legítimo, sublinhando em relatório preliminar que “os eleitores não puderam expressar livremente a sua vontade”.
E é precisamente neste contexto de colapso democrático que Daniel Chapo, em nome de Moçambique, apressa-se a felicitar a Presidente tanzaniana. Esse gesto, aparentemente diplomático, é politicamente desastroso e moralmente inaceitável. Representa a validação de uma farsa, a normalização da violência e o aval tácito a um regime que reprime, persegue e mata para manter o poder. Não é um acto neutro: é uma declaração política que compromete o nome e a reputação de Moçambique, associando-nos à narrativa da cumplicidade entre líderes africanos que preferem o silêncio à integridade, e o protocolo à verdade.
A diplomacia não pode ser um exercício de cegueira. Ao felicitar Samia Suluhu Hassan, Daniel Chapo não apenas ignora o sofrimento do povo tanzaniano, mas também contribui para perpetuar o ciclo de mediocridade moral que caracteriza grande parte da liderança africana contemporânea. Este é o mal profundo que impede o florescimento da democracia em África: a solidariedade entre elites políticas que se protegem mutuamente, mesmo quando o preço é a destruição dos ideais republicanos.
O cartão amarelo ao Presidente Chapo é, portanto, mais do que uma advertência política; é uma exigência ética. Moçambique, que ainda tenta reconstruir a sua credibilidade democrática, não pode permitir-se o luxo de aplaudir a fraude. A nossa história recente, marcada por eleições contestadas, por um Estado enfraquecido e por um povo descrente das instituições, deveria ensinar-nos que a legitimidade é um bem demasiado precioso para ser desperdiçado em gestos protocolares de bajulação.
O mais grave é que a atitude de Chapo não é isolada: é reflexo de uma mentalidade que ainda domina o continente. África tornou-se, em muitos aspectos, um cemitério de promessas democráticas. A independência trouxe a bandeira e o hino, mas não a emancipação da consciência, sendo que a colonização mental permanece viva, como já advertia Frantz Fanon, e é ela que se manifesta quando um presidente africano prefere felicitar a tirania a questionar o abuso. Fanon, em Os Condenados da Terra, alertava que o maior perigo pós-colonial não era o inimigo externo, mas a reprodução interna das estruturas de dominação. O africano liberto tornou-se, muitas vezes, o administrador da mesma opressão que outrora o escravizou.
O gesto de Chapo ao parabenizar uma líder ilegítima, ele reforça o pacto dos submissos, o acordo tácito entre os que governam a força. Essa dependência é hoje mais psicológica do que política, mais moral do que material. É o medo de romper com o costume, de desafiar o poder, de questionar o que parece estabelecido. E é precisamente esse medo que transforma líderes em cúmplices, e cúmplices em carcereiros do próprio povo.
Moçambique, como a Tanzânia, enfrenta a sua própria crise de legitimidade. A juventude moçambicana já não acredita na política, não confia nas instituições, e vê na religião, na migração ou na informalidade económica as únicas saídas possíveis. Quando o chefe de Estado se alinha com líderes que representam o retrocesso, ele envia uma mensagem devastadora: a de que a democracia é apenas um jogo de aparências, e que os votos servem mais para legitimar o poder do que para escolher o futuro.
É importante compreender que este cartão amarelo não é movido por antagonismo partidário nem por emoção. É um apelo à lucidez. Daniel Chapo deve entender que representar um país é mais do que administrar um governo: é carregar um símbolo, um ideal, uma responsabilidade histórica. Quando se felicita uma eleição manchada de sangue, o que se está a dizer ao mundo é que a democracia africana pode ser negociada, e que a ética pode ser sacrificada em nome da conveniência diplomática.
A presença de Chapo entre os poucos presidentes que assistiram à investidura secreta de Samia Suluhu Hassan é um erro de cálculo político e moral. Num continente onde as fronteiras entre a política e o autoritarismo se esbatem, cada gesto conta e este gesto coloca Moçambique do lado errado da história. O país que um dia inspirou a luta de libertação não pode agora ser cúmplice da repressão.
Há quem tente justificar o gesto de Chapo como um acto de cortesia, parte do jogo diplomático. Mas há limites para a cortesia. Nenhum protocolo justifica o silêncio diante da injustiça. Nenhuma diplomacia merece ser mantida à custa da verdade. O papel de um estadista é, antes de tudo, o de preservar a honra da sua nação. E a honra não se preserva com cumplicidade, mas com coragem.
A SADC, que em muitas ocasiões tem sido acusada de ser mero espectador das fraudes eleitorais na região, surpreendeu o continente ao emitir um parecer crítico sobre a eleição tanzaniana. Reconheceu, pela primeira vez em muito tempo, que os cidadãos não puderam expressar-se livremente. Quando até a SADC ergue a voz, é sinal de que a degradação atingiu níveis intoleráveis. O gesto de Chapo, portanto, é duplamente contraditório: ignora a própria posição oficial do organismo regional ao qual Moçambique pertence e compromete a coerência diplomática do país.
Há momentos em que a neutralidade é imoral. O silêncio, nestes casos, é uma forma de colaboração. E Moçambique não pode ser cúmplice da erosão democrática no continente. Um líder verdadeiramente comprometido com a paz e o desenvolvimento não felicita a tirania — denuncia-a. Porque a tirania, mesmo quando se apresenta com rosto sorridente e discursos sobre progresso, continua a ser inimiga da dignidade humana.
O cartão amarelo ao Presidente Chapo é, por isso, um acto de patriotismo. É um grito que vem da consciência colectiva de um povo que não quer ver o seu nome associado à vergonha diplomática. É um alerta para que o chefe de Estado compreenda que a grandeza de uma nação não se mede pelas alianças que constrói, mas pelos princípios que defende.
Moçambique precisa de um Presidente que honre os que lutaram pela liberdade, não dos que se ajoelham diante do poder. Um Presidente que compreenda que o verdadeiro papel da liderança africana contemporânea é quebrar o ciclo da complacência e inaugurar uma era de responsabilidade.
Enquanto Daniel Chapo se ocupa em felicitar regimes duvidosos, o seu próprio povo enfrenta pobreza extrema, desigualdade crescente e um sistema eleitoral que inspira desconfiança. O país precisa de coerência, não de gestos simbólicos que insultam a inteligência colectiva. Precisa de um Presidente que fale pela verdade, e não pela conveniência.
Este cartão amarelo não é o fim é o começo de uma exigência moral. Porque a democracia africana só florescerá quando os seus líderes deixarem de confundir diplomacia com servilismo, e começarem a compreender que o poder só tem valor quando é exercido com ética, coragem e respeito pela verdade.
Moçambique merece mais do que a diplomacia da cegueira. Merece liderança. E liderança, em tempos de escuridão, começa com a coragem de dizer “não” à mentira mesmo quando ela vem disfarçada de vitória.

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