Cartão Amarelo — 16.000 Funcionários Fantasmas e o Governo que os Criou

O Governo de Moçambique anunciou ao país, como quem comenta uma curiosidade, que descobriu 16.000 funcionários fantasmas. Uma revelação feita de forma tão simplória que quase parece piada. Mas não é. São 16.000 nomes que, durante anos, estiveram a sugar os cofres do Estado, recebendo salários, benefícios e regalias sem nunca aparecerem num gabinete, numa sala de aula ou num posto de saúde. São fantasmas de luxo, com conta bancária activa, com folha salarial limpa e, em alguns casos, com familiares ou cúmplices...

O anúncio oficial foi feito sem detalhes, sem transparência, sem um único nome revelado. Não se sabe em que ministérios estavam alocados, que níveis salariais recebiam, quem processava os seus pagamentos ou quem assinava as folhas de ponto. Sobre este escândalo tudo o que sabemos é o número mágico: 16.000. Essa falta de informação não é inocente. É uma cortina de fumo, um truque ensaiado para minimizar o escândalo, como se fosse suficiente atirar o número à opinião pública e seguir em frente.

Estamos a falar de uma fraude gigantesca que, podemos assumir hipoteticamente que teria sido engendrada meticulosamente ao longo dos últimos 35 anos, tendo custado ao Estado milhares de milhões de meticais. Não estamos apenas diante de uma falha administrativa; estamos diante de um projecto continuado de delapidação, onde os fantasmas foram alimentados e protegidos porque serviam a máquina política. A ironia é que, em vez de assumir o escândalo, o Governo preferiu apresentar como solução a contratação de mais de 10.000 novos funcionários. Ou seja: descobrimos que o barco está a meter.

O que salta à vista é a completa desconexão entre a realidade do povo e a narrativa do Governo. Enquanto fantasmas recebiam salários com regularidade, os professores reais foram obrigados a dar aulas sem giz, sem cadeiras, sem salário em dia. Médicos tiveram de improvisar cirurgias com material obsoleto. Polícias continuaram a fazer segurança com botas rotas e sem munições. A tragédia de Moçambique é esta: os vivos sofrem sem recursos, enquanto os mortos ou inexistentes, recebem salários certos e ainda pagam impostos e tem subsídios de férias.

Os danos económicos são incontornáveis. Se apenas parte desse dinheiro tivesse sido usada de forma séria, Moçambique teria centenas de hospitais adicionais, milhares de escolas e uma rede de serviços públicos muito mais sólida. A diferença entre o país que temos e o país que poderíamos ter é, em grande medida, explicada por estas práticas de saque silencioso. Quantas crianças morreram porque não havia medicamentos básicos nos hospitais? Quantas famílias ficaram órfãs por falta de atendimento médico?

O Governo tenta apresentar a descoberta como uma vitória administrativa, mas a verdade é que se trata de uma confissão pública de incompetência e cumplicidade. Não se descobre de repente 16.000 fantasmas. Este esquema durou anos, talvez décadas, e só foi revelado agora porque se tornou impossível esconder. E se foram encontrados 16.000, quantos mais ainda estarão escondidos nas dobras do sistema? A pergunta é inevitável: será que os fantasmas também não aparecem nos cadernos eleitorais para justificar vota.

Este caso mostra algo ainda mais grave: Moçambique não sabe quantos somos, quem somos e onde estamos. Se não há controlo sobre a folha salarial do Estado, como confiar nos números eleitorais ou nos dados demográficos? Vale lembrar o episódio em que Rosário Fernandes, então responsável pelo INE, contestou os números mágicos da CNE sobre o recenseamento. Foi desmentido com violência política e acabou por se demitir. Hoje, a revelação dos fantasmas dá razão à sua contestação: vivemos num país de números que se inventam dados demográficos e se manipulam os indicadores a bel-prazer de um grupo, o que sugere profundamente uma falta de ética na gestão pública.

O impacto humano deve ser sempre lembrado. Não se trata apenas de dinheiro desviado, mas de vidas sacrificadas. Cada hospital que não foi construído representa centenas de mortes que poderiam ter sido evitadas. Cada escola não construída representa milhares de crianças que não aprenderam a ler em tempo útil. Cada salário fantasma pago representa um salário real que deixou de chegar a quem trabalha, a quem ensina, a quem salva vidas. O drama é trágico, mas também cómico, porque o país inteiro é tratado como propriedade privada de uma elite predadora ao extremo.

A promessa de contratar 10.000 novos funcionários após desmantelar 16.000 fantasmas soa como piada de mau gosto. É como dizer a um doente terminal que, já que a cirurgia falhou, vamos oferecer-lhe aspirinas. O problema não é o número de funcionários, mas o sistema podre que permite a existência de fantasmas. Substituir mortos por vivos sem mudar o sistema é apenas renovar o ciclo de corrupção. E é isso que a Frelimo sabe fazer como ninguém: transformar escândalos em oportunidade de reforçar o clientelismo.

É por isso que este cartão amarelo não vai para os fantasmas. Eles já cumpriram o seu papel de não existir. O cartão amarelo vai para o Governo da Frelimo, que insiste em zombar da inteligência do povo moçambicano. Vai para os ministros que assinam comunicados sem vergonha, para os dirigentes que transformaram o Estado em balcão de saque, e para um partido que há 50 anos governa não para servir o povo, mas para se servir dele.

O caso dos 16.000 fantasmas é apenas a ponta do iceberg. Desenvolveu mais rápido a corrupção ao invés da nação.

Não restam dúvidas para os mais atentos pelo menos, que esta situação revela a falência ética e moral de quem governa, uma corrosão moral que tem mais de 3 décadas de construção e que se revela um cancro incurável enquanto os que a criaram continuarem a ser os mesmos que se julgam detentores do antídoto. O povo merece respostas claras: quem são os 16.000? Quem os colocou na folha salarial? Quem se beneficiou? Quem vai devolver o dinheiro? Até lá, continuaremos a viver num país onde os vivos passam fome e os mortos recebem salários.

Cartão Amarelo, portanto, para um Governo que não tem vergonha de transformar Moçambique num teatro de absurdos. Um Governo que mata os seus cidadãos de fome, negligência e miséria, enquanto alimenta fantasmas vivos e que vagueiam em gabinetes e mansões pelo mundo fora. Mas uma vez veremos a culpa morrer solteira quando todos viram com quem fornicou.

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