AFRICA SURGE ET AMBULA ( LEVANTE- SE E CAMINHE)

Estaremos a viver uma nova onda de democratização em África?

Ventos de mudança apontam para uma purificação nas democracias através do combate aos restolhos de autoritarismo.

Nos últimos anos, a África Subsaariana tem testemunhado uma escalada preocupante de instabilidade política, marcada por ondas de protestos pós-eleitorais, golpes de Estado e crises de governança que revelam fragilidades estruturais profundas nas suas democracias. O fenómeno não é isolado: países como Madagáscar, Quénia, Camarões, Tanzânia e Moçambique exibem padrões distintos, mas convergentes, de descontentamento popular, repressão e desafios institucionais, demonstrando que a democracia africana, ainda em sua terceira vaga, está em evidente risco de colapso. A juventude, que representa a maioria da população em grande parte desses países, emerge como protagonista e catalisadora de mudanças, pressionando governos a responder às suas demandas por transparência, justiça social e desenvolvimento económico. No entanto, a realidade é que essas demandas esbarram em sistemas políticos enraizados na corrupção, na opacidade e na captura do poder por elites oligárquicas que controlam os recursos naturais e as instituições do Estado.

Em Madagáscar, os recentes golpes de Estado revelam uma cultura política fragilizada e incapaz de absorver as pressões populares. A população, farta da corrupção generalizada e da ineficiência do governo em prover serviços básicos, tem observado uma série de crises eleitorais sem precedentes, que levaram os militares a intervir sob a justificativa de restaurar a ordem. Entre 2023 e 2025, a insatisfação se intensificou, alimentada por um histórico de gestão precária de recursos agrícolas e infra-estruturas essenciais, além de um sistema eleitoral frequentemente questionado por sua falta de transparência. A juventude malgaxe, que constitui mais de 65% da população, sente-se sistematicamente excluída do processo político e vê nos militares uma alternativa para conter o caos, ainda que temporariamente. Este padrão ilustra um efeito dominó: golpes em um país inspiram movimentos similares em outros, criando um efeito bola de neve que ameaça a estabilidade regional. A situação é exacerbada pela desigualdade extrema e pela ausência de mecanismos de participação efectiva, o que transforma a mobilização juvenil em força de pressão contínua contra regimes percebidos como ilegítimos.

No Quénia, os protestos pós-eleitorais têm se tornado recorrentes, reflectindo a tensão entre processos eleitorais disputados e práticas eleitorais suspeitas. Em 2022, o país experimentou manifestações significativas em Nairobi e nas regiões do Vale do Rift, motivadas por denúncias de fraude eleitoral e marginalização da juventude. Esses protestos, frequentemente reprimidos de forma violenta, demonstram a insatisfação de uma geração que, apesar de conectada e informada, não encontra canais legítimos para expressar suas demandas. O padrão observado no Quénia se repete em Camarões, mas com um contexto ainda mais complexo. No país, a tensão política se mistura à guerra civil latente nas regiões anglófonas, onde a exclusão política, a violência e a pobreza extrema geram um descontentamento contínuo, mas também a recente reeleição do ancião Paul Biya na presidência desde 1982, que mesmo com 92 anos e com um estado de saúde deplorável, sendo que nos últimos anos governa o país a partir da diáspora, onde tem estado a receber cuidados de saúde, despertou a fúria dos jovens que cada vez mais estão cientes de que as eleições em África não tem sido suficientes para a formação de governos consensuais. A juventude camaronesa, pressionada pela falta de perspectivas, manifesta sua frustração através de protestos e mobilizações, frequentemente respondidos com repressão e violência, criando um ciclo de instabilidade difícil de romper.

A Tanzânia oferece um contraste notável. Durante décadas, o país manteve períodos de estabilidade política, alternância de poder e tolerância democrática relativa, o que permitiu o fortalecimento gradual das instituições e a ascensão de líderes políticos através de processos regulares e aceitos. No entanto, a ascensão da actual presidente marcou uma ruptura significativa com essa tradição. A concentração de poder, a manipulação institucional e a limitação da liberdade política mancharam um sistema previamente considerado confiável e previsível. Paralelamente, a exploração crescente de recursos minerais, incluindo ouro, gás e pedras preciosas — tem alimentado oligarquias e redes de negociatas, criando incentivos para a perpetuação no poder e a marginalização de setores da população, especialmente a juventude, que se vê excluída dos benefícios do desenvolvimento econômico. A diferença em relação a Moçambique é evidente. Enquanto a Tanzânia possuía uma cultura democrática consolidada e tolerante, Moçambique sempre operou sob um sistema hegemônico, no qual a FRELIMO se mantém no poder há décadas, muitas vezes à custa de repressão, assassinatos seletivos de opositores e controle sobre as instituições eleitorais. A população moçambicana enfrenta pobreza estrutural, desemprego elevado e uma juventude constantemente marginalizada, criando terreno fértil para a mobilização social e a contestação direta ao poder estabelecido.

Em Moçambique, os protestos pós-eleitorais não são apenas manifestações isoladas de insatisfação; são reflexos de uma crise institucional profunda. O partido hegemônico, mantendo o controle sobre o sistema político e eleitoral, utiliza uma combinação de força, repressão e manipulação de recursos estatais para perpetuar sua autoridade. A juventude, cada vez mais consciente de sua marginalização e das desigualdades estruturais, questiona não apenas os resultados eleitorais, mas a legitimidade de todo o sistema. Este descontentamento cria um dilema histórico: à medida que a democracia formal se mostra incapaz de atender às demandas sociais, cresce a percepção de que apenas a intervenção militar poderia restaurar a ordem constitucional em cenários de caos total. O risco é que essa percepção se transforme em prática, impulsionando um ciclo no qual a instabilidade gera a ascensão de regimes autoritários como resposta emergencial à desordem.

O fenômeno que se observa em toda a região é, portanto, um efeito bola de neve. Cada crise inspira outra, e as ondas de protestos em um país têm repercussões diretas em vizinhos que enfrentam problemas similares. A geração Z africana, conectada, informada e insatisfeita, desempenha um papel central nesse processo. Sua intolerância a sistemas corruptos e ineficazes, combinada com a capacidade de organização proporcionada pelas redes digitais, cria pressões inéditas sobre governos que historicamente ignoraram demandas populares. Este cenário não apenas ameaça a sobrevivência das democracias da terceira vaga, mas também aponta para a necessidade urgente de reformulação do sistema político no continente. A pergunta que emerge é crítica: a juventude africana está disposta a reescrever a história política, ou assistiremos ao retorno de regimes autoritários que sufocam qualquer esperança de democracia funcional?

A realidade da África Subsaariana sugere que o tempo das respostas graduais e moderadas acabou. A combinação de pobreza extrema, desemprego estrutural e falta de acesso a serviços básicos cria um caldo de insatisfação que transforma protestos em explosões periódicas de violência e contestação. A corrupção endêmica e a falta de transparência institucional exacerbam ainda mais o problema, consolidando uma percepção de que os sistemas democráticos estão capturados por elites e incapazes de promover justiça social. A ascensão de oligarquias locais, especialmente em países ricos em recursos minerais como Moçambique e Tanzânia, transforma o poder em instrumento de enriquecimento privado, enquanto a maioria da população permanece à margem do desenvolvimento. Este cenário cria um ciclo vicioso: quanto mais o sistema ignora a juventude e a sociedade civil, mais intensos se tornam os protestos, e mais provável é que os militares ou grupos autoritários vejam uma oportunidade de intervir como “garantidores da ordem”.

Se olharmos para a trajetória da democracia africana nas últimas décadas, fica evidente que estamos diante de um ponto de inflexão. A terceira vaga democrática, iniciada nos anos 1990, permitiu avanços significativos, incluindo eleições multipartidárias, alternância de poder e crescimento de instituições relativamente independentes. No entanto, esses avanços foram frequentemente limitados por práticas autoritárias disfarçadas, corrupção sistêmica e manipulação eleitoral. O resultado é um continente no qual a democracia formal existe, mas carece de profundidade social e legitimidade efetiva. À medida que a geração Z amadurece e se organiza, a tensão entre a expectativa de participação política e a realidade de exclusão se intensifica, criando um risco real de ruptura institucional.

O efeito dominó é visível: a instabilidade em um país rapidamente influencia outros, seja pela inspiração direta de movimentos populares, seja pelo colapso de normas e pela demonstração de que regimes autoritários podem resistir às pressões internacionais. Madagascar exemplifica essa tendência, mas não é caso isolado. No Quênia, Camarões e Moçambique, protestos e crises pós-eleitorais revelam padrões semelhantes: insatisfação juvenil, repressão estatal e fragilidade institucional. A Tanzânia, embora tenha apresentado histórico de estabilidade, mostra que nem sistemas relativamente consolidados estão imunes à concentração de poder e à captura de instituições, especialmente quando a exploração de recursos minerais cria incentivos econômicos para a perpetuação no poder.

Este contexto nos leva a refletir sobre o futuro das democracias africanas. Duas possibilidades se destacam: ou haverá uma reformulação significativa, com ampliação da participação popular, fortalecimento institucional e combate real à corrupção; ou a instabilidade persistirá, abrindo espaço para regimes autoritários, centralização militar e retrocessos ao monopartidarismo. A diferença entre Moçambique e Tanzânia ilustra o dilema de forma clara: enquanto o primeiro permanece refém de hegemonias partidárias e recursos minerais concentrados em poucas mãos, o segundo, apesar de histórico democrático mais sólido, mostrou que a ruptura institucional é possível quando interesses econômicos e políticos convergem para a perpetuação no poder.

A geração Z, como força social dominante, tem diante de si a tarefa histórica de decidir se será capaz de transformar a democracia africana em um instrumento legítimo de participação, justiça e desenvolvimento, ou se a resposta será a violência e a intervenção militar. O desafio é complexo, pois envolve não apenas confrontar regimes autoritários ou corruptos, mas também lidar com estruturas econômicas que incentivam a captura de poder e a exclusão social. Em última análise, a questão central não é apenas política, mas estrutural: como criar sociedades capazes de integrar a juventude, distribuir recursos de forma justa e promover instituições confiáveis que possam resistir às pressões internas e externas?

Enquanto os protestos se multiplicam e golpes de Estado pontuam o continente, fica evidente que a democracia africana está doente. A marginalização da juventude, o desemprego estrutural, a corrupção endêmica e a concentração de riqueza nas mãos de oligarquias criam uma equação perigosa, onde a instabilidade se alimenta de si mesma. A terceira vaga democrática, que trouxe esperança de alternância de poder e participação popular, enfrenta agora uma crise existencial. O efeito bola de neve da instabilidade política ameaça criar um novo padrão: governos cada vez mais autoritários, militarização da política e retrocesso democrático. A pergunta que ecoa em toda a África Subsaariana é urgente: a juventude estará à altura do desafio de reescrever a história, ou assistiremos passivamente ao retorno de regimes autoritários que consolidam a exclusão, perpetuam a corrupção e sufocam a democracia?

O futuro das democracias africanas dependerá, portanto, da capacidade da juventude e da sociedade civil de transformar protestos em mudanças institucionais concretas, de criar mecanismos de transparência e participação e de construir sistemas capazes de resistir à tentação do autoritarismo. Até lá, o continente continuará a oscilar entre estabilidade aparente e crises explosivas, com a sombra do militarismo pairando como alternativa “necessária” diante do caos. A África Subsaariana está, neste momento histórico, diante de um ponto de inflexão: ou surgirá uma nova era de democracia robusta, ou veremos o continente sucumbir a ciclos de instabilidade e autoritarismo que ameaçam comprometer décadas de progresso político e social.

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