Cartão amarelo ao presidente Daniel Chapo: a tocha não ilumina a fome

O novo Presidente da República, Daniel Chapo, mal aqueceu a cadeira do poder e já se vê a acenar ao povo com os mesmos símbolos gastos e desconectados da realidade. Desta vez, o golpe de teatro custa cerca de 30 milhões de meticais para fazer circular uma tocha cuja Chama se apregoa simbolizar a Unidade nacional. E como se a tocha ao chegar ao seu destino ou por onde passa as pessoas fossem se unir e esquecer as clivagens sociais, a fome passa a ser problema do passado, os empregos começam a ser criados e a mentira eleitoral bem como as matanças inerentes passassem para tumulo do esquecimento dando lugar a beijos e abraços fraternos simbolizando um novo povo.  Precisamos perceber sobretudo que o que está mesmo em chamas é mais profundo, é a paciência de um povo martirizado pela desgraça, que se recusa a assistir incrédulo, como era de praxe, ao desfile de um símbolo que nada une e apenas simboliza o despesismo e a falta de sentido de prioridade que é uma característica fossilizada deste regime.

O gesto, à primeira vista patriótico, esconde uma profunda crise de legitimidade. Num país onde os salários estão em atraso, a fome alastra como um incêndio e os serviços sociais agonizam, é imoral gastar milhões em pirotecnia simbólica. A tocha, longe de aquecer corações, queima a dignidade de milhões que sobrevivem com menos de 100 meticais por dia.

Como se pode falar de “unidade nacional” sem enfrentar de frente as causas da desunião estrutural? A tocha tenta vender a ideia de um país coeso, mas o povo vive cada vez mais fragmentado entre os poucos que tudo têm e os muitos que nada esperam. É possível unir o que nunca foi verdadeiramente reconciliado?

O Presidente Chapo perde uma oportunidade histórica de inaugurar um novo ciclo político ancorado em medidas concretas. O verdadeiro desiderato da unidade nacional não se acende com fogo simbólico, mas sim com acções práticas, que vão da reforma institucional, sobretudo as ligadas à administração eleitoral, criando um ambiente onde a incerteza política seja aceite e protegida como parte vital do jogo democrático. A unidade não floresce onde a vitória de um partido é cronicamente certa e onde as urnas já nascem violadas.

A paz social e a coesão nacional só são possíveis quando o Estado se distancia do partidarismo arrogante e se aproxima dos cidadãos. A rejeição da verdade eleitoral, como se viu nas últimas autárquicas e eleições gerais, é um combustível tóxico que alimenta a desconfiança e intensifica tensões. E quando a repressão se torna resposta à crítica, surgem os esquadrões da morte, as mortes selectivas, os silêncios forçados. Cada bala disparada contra uma voz crítica corrói não apenas a carne do opositor, mas os próprios alicerces da República.

Aos que defendem a chama como tradição, a resposta é simples a tradição que não se adapta ao presente torna-se farsa. O que o país precisa não é de mais rituais esvaziados, mas de liderança com coragem para enfrentar os problemas estruturais que nos dividem, desde a pobreza, exclusão, impunidade a arrogância do poder.

Chapo ainda pode reescrever o seu início. Mas para isso, precisa largar a tocha e empunhar o bisturi, cortar os excessos do seu próprio governo, curar o Estado da doença da arrogância e dar sinais claros de que o tempo da encenação acabou.

Nisto, o mais vergonhoso que recuar desta ideia vazia e a ver a mesma tocha ser transportada por militares e em viaturas, o que mostra claramente a visão de unidade que jaz nas hostis do regime, o vazio ideológico que sobrou e que caracteriza este governo. De que se teme para que Tocha não circule de mão a mão do Rovuma ao Maputo, como tem sido habito? Haverá um reconhecimento tácito do regime que sua popularidade está severamente desgastada ao ponto dessa tocha ser apagada pela fúria popular? Já agora, na comemoração dos 50 anos de independência, efeméride que esta sendo programada com pompa e circunstancia como nos tem habituado o regime, mesmo no meio a graves problemas sociais, levanta- se um questionamento: quem vai participar das mesmas?

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