Assinados em Roma a 4 de Outubro de 1992, os Acordos Gerais de Paz marcaram oficialmente o fim de uma das mais longas e sangrentas guerras civis em África. O cessar-fogo entre a FRELIMO e a RENAMO foi celebrado como o início de uma nova era para Moçambique, uma era de paz, reconciliação e abertura democrática. Mas a paz que se desenhou nas páginas dos acordos nem sempre encontrou raízes firmes nas instituições que deveriam sustentá-la. O país avançou para a democracia, mas muitas vezes confundiu-a com o simples calar das armas. E nesse mal-entendido, reside uma parte fundamental da crise que vivemos hoje.
Desde então, convulsões políticas, crises eleitorais e disputas de poder continuaram a ser resolvidas, não pela força do diálogo institucional, mas pela ameaça velada (ou explícita) do retorno às armas. Moçambique viveu por décadas num frágil equilíbrio entre democracia formal e cultura de imposição, onde as instituições – ao invés de árbitros neutros – funcionaram como extensões do partido no poder. Num cenário onde a separação de poderes é ilusória e as instituições do Estado servem antes à manutenção do regime do que ao serviço do povo, é difícil esperar que a democracia floresça.
Neste contexto deformado, a RENAMO, como maior força de oposição desde os anos 90, desempenhou um papel fundamental, ainda que controverso. Sob a liderança carismática e beligerante de Afonso Dhlakama, o partido encarnava uma dualidade peculiar: ao mesmo tempo em que participava nas eleições e nos processos políticos, mantinha uma postura de constante vigilância armada. Dhlakama era, para muitos, o símbolo de uma resistência teimosa, mas necessária, frente à arrogância da FRELIMO, que transformou a governação num exercício de apropriação do Estado.
Por isso, a morte de Dhlakama em 2018 representou mais do que a perda de um líder, representou uma era de grandes desafios, pois não foi fácil apagar a imagem de uma Renamo como um grupo de assassinos sanguinários, facto que Dhlakama conseguiu com mestria, sair de um movimento belicista com base nas matas para uma força política com bases em todos substratos fazendo verdadeira oposição ao regime do dia. Foi a morte de uma era, e a abertura de um vazio estratégico que a actual liderança da Renamo jamais conseguiu preencher. Sob a direcção de Ossufo Momade, a Renamo perdeu não apenas a sua voz, mas a sua alma. Abandonou o povo, calou-se frente às injustiças, e tornou-se refém de uma lógica interna de sobrevivência política que trocou os ideais pela conveniência.
É neste momento que este editorial se ergue como um grito de alerta: a Renamo merece, sem sombra de dúvidas, um cartão amarelo. Um aviso solene, grave e necessário.
O partido, outrora visto como o maior contrapeso à hegemonia política da Frelimo, encontra-se hoje capturado por um grupo de dirigentes cujo principal interesse parece ser a manutenção de espaços de poder e acesso a recursos, mesmo que isso custe a destruição da própria organização. Sob esta liderança, a Renamo transformou-se numa máquina inoperante, alienada da base e incapaz de oferecer qualquer projecto alternativo de país. Um partido que já não se apresenta como esperança, mas como parte do problema.
A escolha de Ladislau Dança Mafuta para a liderança do partido, após a destituição de Ossufo Momade, foi um dos maiores erros da Comissão Política da Renamo. Mafuta revelou-se um líder frágil, sem capacidade discursiva ou estratégica, um péssimo comunicador, e politicamente desorientado. A sua ascensão ao poder é o reflexo mais claro da decadência interna da Renamo: num momento em que o partido precisava de um farol, entregaram-lhe uma vela apagada.
Mais do que incompetente, esta liderança foi cúmplice da Frelimo na destruição do tecido democrático do país. Enquanto a população clamava por justiça, por transparência nas eleições, por voz política e alternativas reais, a Renamo optava por silenciar-se, negociar migalhas e blindar os seus próprios quadros. Quando não estavam ausentes, estavam do lado errado da história.
A agressividade com que combatem figuras como Venâncio Mondlane é reveladora. Mondlane representa tudo aquilo que a actual Renamo teme: carisma, coragem, capacidade de mobilização e, acima de tudo, legitimidade popular. Num país em que o eleitorado jovem e urbano está cada vez mais atento, o surgimento de lideranças como Venâncio Mondlane poderia ter sido a chance de ouro para o partido se reinventar. Mas ao invés disso, os dirigentes preferiram eliminá-lo como ameaça interna. Escolheram preservar os seus privilégios em detrimento do interesse nacional. A curto prazo, evitaram perder o controle do partido. A longo prazo, condenaram-no ao colapso.
As manifestações que eclodem em várias províncias contra a presidência da Renamo são mais do que sinais de desgaste. São o grito sufocado de uma população que um dia acreditou, que se entregou à ideia de que a democracia podia ser construída com pluralismo, com equilíbrio de forças, com alternância de poder. Hoje, o que se vê é um país entregue a um regime que despreza as instituições e uma oposição que desistiu de lutar.
A morte política da Renamo não é uma mera perda eleitoral. É o desaparecimento simbólico de uma peça-chave no xadrez democrático moçambicano. Sem ela, a Frelimo avança livremente, sem freios, sem temores. A democracia, que já andava coxa, corre agora o risco de paralisia total. A arrogância com que a Frelimo se comporta a cada ciclo eleitoral manipulando resultados, reprimindo protestos, instrumentalizando tribunais é reforçada pela ausência de uma oposição robusta, legítima e coerente.
Neste cenário, a democracia moçambicana parece condenada ao fracasso sistemático. Os Acordos de Paz de Roma, que deveriam ter inaugurado uma nova ordem baseada em diálogo, pluralismo e respeito mútuo, foram aos poucos esvaziados pelo desequilíbrio institucional e pela captura partidária do Estado. O uso sistemático da violência como ferramenta de negociação política revelou que a paz firmada não foi suficientemente acompanhada por uma reforma profunda do sistema. Continuamos a viver num país onde as instituições são frágeis e partidarizadas, onde a vontade popular é manipulada e onde o medo substitui o direito.
Por tudo isso, este cartão amarelo é mais do que um gesto simbólico. É uma denúncia. Um chamado à reflexão profunda. Um pedido para que os moçambicanos repensem os rumos do país, para que se busque uma nova oposição e um sistema partidário mais sério e coerente, uma nova forma de organização política, livre da herança da guerra, mas firme nos princípios democráticos. O povo moçambicano merece mais do que uma escolha entre o autoritarismo e a mediocridade.
A Renamo ainda pode evitar o cartão vermelho. Mas para isso, precisa calar os gritos internos especialmente daqueles que deram sua juventude a lutar pela liberalização do país, cuja recompensa tarda a chegar. A Renamo precisa voltar às bases, devolver o poder ao povo e reconstruir-se com coragem, humildade e visão.
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