Custas Judiciais em Moçambique: Quando o Direito Constitucionalmente consagrado ao Acesso à Justiça Choca a Realidade Económica dos Cidadãos

Zeferino Chaúque"

A lei n.º 01/2018 de 12 de Junho no seu artigo 62 consagra, de forma clara, o direito fundamental de acesso à justiça para todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica ou social. Importa frisar que, este princípio é um pilar essencial de um Estado de Direito democrático, pois falar de Estado democrático não pode abster-se de fazer menção do nó que concerne o artigo 1 da lei supracitada. Entretanto, o princípio em apreço determina que o Estado garante o acesso dos cidadãos aos tribunais e garante aos cidadãos o direito de defesa e o direito à assistência jurídica e patrocínio judiciário.

 No entanto, a realidade económica da maioria dos moçambicanos colide com esse ideal constitucional. Pois as custas judiciais elevadas, à falta de informação nas certas zonas e burocracia para cidadãos que gozam da isenção das mesmas, transformam o acesso à justiça num privilégio e não num direito efectivo constitucionalmente previsto.

Nos termos do artigo 1CJJ (código das custas judiciais) no que concerne o conceito das custas judiciais determina que “os processos civis estão sujeitos a custas, que compreendem o imposto de justiça, os selos e os encargos”. Portanto, para uma grande parte da população, principalmente nas zonas rurais, esses custos são incompatíveis com a renda mensal dos cidadãos.

Não obstante o Código das Custas Judiciais no seu artigo 2 prever expressamente mecanismos de isenção para pessoas economicamente carenciadas, na prática, muitos cidadãos moçambicanos não têm conhecimento da existência desse direito que também está constitucionalmente consagrado no seu artigo 62 número 2. Ora, a falta de informação, associada à ausência de canais eficazes de divulgação e apoio, faz com que grande parte da população não beneficie da isenção e, consequentemente, a maior parte dos cidadãos acabam desistindo de prosseguir com acções judiciais e consequentemente o Estado acaba violando o direito ao acesso aos tribunais plasmado no artigo 62 CRM.

Na realidade moçambicana, esses encargos financeiros representam um obstáculo significativo para o cidadão comum, sobretudo para aqueles que vivem em zonas rurais ou recônditas, onde os níveis de rendimento são geralmente baixos e as oportunidades económicas são limitadas. Para muitas famílias, o valor das custas judiciais equivale ou até ultrapassa a sua renda mensal, tornando impraticável a abertura ou o seguimento de um processo judicial.

Essa situação é ainda mais agravada pelo facto de, em diversas localidades, o acesso a advogados ou serviços do Instituto de patrocínio e Assistência jurídica (IPAJ) ser escasso ou inexistente, obrigando o cidadão a suportar sozinho custos que, na prática, ultrapassam as suas possibilidades económicas.

Como consequência, forma-se um ciclo de exclusão e desigualdade jurídica: pessoas vulneráveis abdicam do exercício do seu direito constitucional de acesso à justiça, mesmo quando são vítimas de violação direita fundamental. Além disso, a distância geográfica entre as comunidades rurais e os centros urbanos onde se encontram os tribunais aumenta substancialmente os custos indirectos, como transporte, alimentação e alojamento, reforçando as barreiras ao acesso efectivo à justiça.

Assim, fica evidente que, sem mecanismos práticos, acessíveis e eficazes de isenção de custas judiciais e de apoio judiciário, o direito constitucional de acesso à justiça torna-se meramente formal, beneficiando apenas aqueles que têm recursos financeiros, excluindo grande parte da população mais carenciada tendo como fundamento a falta de informação no que concerne a isenção das custas judiciais dos cidadãos economicamente carenciados.

Em suma, um dos principais desafios está na falta de informação. Muitas pessoas não conhecem os seus direitos nem os procedimentos necessários para requerer a isenção. Além disso, existe uma burocracia excessiva e, em alguns casos, exigências documentais que dificultam a vida dos mais pobres exactamente aqueles que mais precisam dessa protecção.

Outro problema está na efectivação do benefício: mesmo quando a isenção é concedida, o processo muitas vezes é lento ou encontra obstáculos administrativos, comprometendo o andamento célere das acções judiciais. Isso acaba por reforçar desigualdades e afastar ainda mais os cidadãos carenciados do sistema de justiça.

É urgente reforçar campanhas de informação pública, simplificar procedimentos e tornar os serviços judiciais mais acessíveis e humanizados. O direito à justiça não deve depender do tamanho do bolso de cada um, mas sim da garantia constitucional de igualdade de todos perante a lei.

Se queremos um sistema de justiça verdadeiramente democrático, é essencial transformar as normas em práticas efectivas, assegurando que a justiça seja um bem público e não um privilégio de poucos.

2025/12/3