Paulo Vilanculo"
A Universidade Púnguè anunciou a intenção de atribuir o título de Honoris Causa a Chiquinho Conde, atual treinador dos Mambas e símbolo de moçambicano na lusofonia. Entre a inspiração individual e o esquecimento do coletivo, a homenagem a Conde é tão simbólica quanto polémica, revelando a tensão entre autoestima nacional, memória seletiva e diplomacia cultural. A iniciativa não escapa a interrogações. A distinção levanta ainda perguntas incômodas: será ele o único herói digno da academia, quando a memória coletiva guarda nomes como Tico-Tico, Dominguez, o eterno Coluna, entre outros? Num olhar comparativo, não seria Lurdes Mutola a campeã olímpica e referência mundial incontestável, a figura mais natural para um reconhecimento académico desse calibre? Em que medida a atribuição de títulos honoríficos a figuras públicas se traduz em ganho efetivo para o desenvolvimento científico e académico do país? Até que ponto tais distinções não correm o risco de se transformar em rituais de prestígio momentâneo, em vez de constituírem plataformas sólidas de inspiração e transformação social?
Palavras-chave: Universidade Púngue, Chiquinho Conde, Honoris Causa, patriotismo, memória coletiva.
A escolha do titulo não deixa de ser curiosa e ousada. Ao escalar a “vila do Conde”, como a metáfora sugere, a instituição procura também afirmar-se no mapa nacional como universidade que valoriza não apenas os saberes formais e científicos, mas igualmente os feitos culturais e desportivos que inspiram a juventude. Trata-se de uma ponte entre a academia e o desporto, entre o pensamento e a prática, num país onde muitas vezes os universos caminham paralelos sem se tocar.
A Universidade Púngue, através da sua Reitora, Emília Nhalevilo, anunciou no programa Café da Manhã da Rádio Moçambique a intenção de atribuir o título de “Honoris Causa” ao treinador da Seleção Nacional de Futebol, Chiquinho Conde. O gesto, ainda em fase preparatória, nutre opiniões divergentes no reconhecimento ao contributo de Conde para a promoção da imagem de Moçambique no cenário desportivo internacional, mas também abre espaço para o debate sobre os critérios, os méritos e a função simbólica destes títulos no contexto académico moçambicano.
Chiquinho Conde, que brotou das lamas do Chiveve e formado em Portugal, construiu a sua carreira como futebolista e treinador entre dois mundos Moçambique e a diáspora afro-lusa. Em Moçambique, a sua carreira de jogador foi curta e pouco expressiva, uma vez que cedo saiu para a Europa. Chiquinho Conde teve mais empenho no futebol português. Fez carreira principalmente em clubes de Portugal, como Belenenses, Vitória de Setúbal e Sporting da Covilhã. Jogou vários anos no campeonato português, sendo uma figura respeitada pela consistência. Como treinador/selecionador, o seu maior empenho foi com o futebol moçambicano. Liderou os “Mambas” em diferentes momentos, enfrentando dificuldades financeiras, falta de estruturas e crises internas do futebol nacional. Apesar das condições adversas, foi com ele que Moçambique conseguiu regressar à fase final do CAN - Campeonato Africano das Nações, reacendendo a esperança dos adeptos e o seu trabalho vai além de resultados: é visto como alguém que procura criar uma identidade competitiva para a seleção nacional.
Será Chiquinho Conde o único ícone dos mambas digno de ocupar o altar académico da Universidade Púngue ou apenas o mais oportuno para os tempos atuais? Será que ao exaltar apenas Chiquinho Conde, a universidade não incorre no risco de apagar a memória coletiva de outros heróis do futebol moçambicano, que também projetaram o nome de Moçambique?
Chiquinho Conde não é o único ícone. Embora Chiquinho Conde seja um dos nomes mais fortes e contemporaneamente visíveis, mas antes e ao lado dele temos outros que deixaram marcas profundas: Nuro marcou épocas diferentes e foram referências em tempos mais difíceis do futebol nacional; Tico-Tico, ainda hoje considerado por muitos como a maior lenda do futebol moçambicano, com recordes de golos e liderança em campo; “Coluna”, continua como símbolo máximo do futebol moçambicano na diáspora, capitão do Benfica e da seleção portuguesa, que deu prestígio ao nome Moçambique no mundo do futebol. No futebol recente recentemente, Dominguez, também se tornou sinónimo de dedicação e técnica. E tantos outros. Para tanto, Chiquinho Conde expõe as diferenças entre carreiras construídas dentro e fora de Moçambique, e a forma como a memória nacional onde é escolhido de modo seletivo não completamente equilibrado.
Portanto, a escolha de Conde como destinatário de um título “Honoris Causa” pode ser vista sob duas luzes, um reconhecimento do presente, dado que é ele quem conduz hoje os Mambas numa fase de ressurgimento competitivo, carregando consigo o peso simbólico de unir uma nação em crise através do futebol. Mas por outro lado, visto que, a escolha parece ser um gesto de oportunismo simbólico, centrado na figura que, no momento, representa vitórias e esperança, mas que pode transformar-se em esquecimento quando a bola já não rolar a favor, ao proporcionar o esquecimento seletivo do passado que soa como uma negligência histórica em relação a outros nomes que, sem títulos honoríficos, moldaram a identidade futebolística moçambicano, imagens ambíguas e críticas de exclusividade e estrelismo que pode passar a ideia de que só um nome tem valor, apagando outros que deram muito ao futebol nacional, em moralização do patriotismo onde a distinção pode soar como censura implícita aos jovens que sonham em jogar no estrangeiro, podendo ser lida como mensagem “se deixares Moçambique, não serás lembrado”.
Mas será que a academia deve celebrar símbolos contextuais como Chiquinho Conde deixando de lado os heróis universais como Mutola ou terá uma forma de encontrar espaço para ambos?
Temos figuras que, com disciplina e compromisso, podem ser referência. Equiparando se as duas personalidades da Mutola e Conde, Chiquinho Conde: tem o seu mérito: liderança atual dos Mambas, símbolo de resiliência, ícone afro-luso que voltou para servir o país no comando técnico, mas tem a sua limitação como jogador, a sua carreira desenrolou-se quase toda em Portugal; só agora, como treinador, ganha maior peso patriótico e o seu reconhecimento “honrous” seria uma homenagem mais ligada à inspiração contemporânea, um reconhecimento “do momento”, porque simboliza o renascimento do futebol nacional. Conde, no entanto, representa um legado em construção, mais simbólico do que consagrado. Se o critério for contextual e simbólico, então Chiquinho Conde pode talvez justificar o reconhecimento pelo seu papel atual de tentar galvanizar a autoestima nacional, em qualidades raras e controvérsias de cidadania num contexto em que jovens talentos optam por outras nacionalidades ou se aproximam do futebol moçambicano, para seu prestigio e rendimento.
Lurdes Mutola tem mérito de campeã mundial e olímpica dos 800 metros, única atleta moçambicana a conquistar uma medalha de ouro olímpica (Sydney 2000); Grangeia de um impacto global: projetou Moçambique no cenário mundial do atletismo, levando a bandeira nacional ao pódio mais alto e o seu legado duradouro: permanece até hoje como a maior referência desportiva do país e inspiração direta para gerações inteiras, dentro e fora do atletismo. Se o critério fosse histórico e universal, Lurdes Mutola representa um legado consolidado, universal, histórico, é a figura que mais naturalmente se identifica e se enquadra de forma retumbante e esmagadora para receber um Doutoramento Honoris Causa. E o seu reconhecimento honóris causa: seria uma homenagem de mérito histórico, ligada à glória e ao legado internacional incontestável.
Por outro lado, há motivos para desconfiança que levantam diversas questões: até que ponto cabe à academia entrar no campo do desporto como legitimadora de ícones?
Tornar possível o gesto da Universidade Púnguè da escolha do Chiquinho pode ser lida em duas chaves complementares de ambiguidade, por um lado, o reconhecimento apenas da trajetória de Chiquinho Conde moçambicano-luso como símbolo nacional, moldado tanto por Moçambique quanto por Portugal em que outorga inscreve-se num espaço híbrido, onde a academia moçambicana reconhece também a trajetória construída na diáspora, um gesto funcional de aproximação cultural e política, reforçando a narrativa de uma lusofonia que sobrevive nas relações desportivas, culturais e até académicas, para a pátria amada pode sublinhar o seu contributo direto para a valorização de Moçambique no panorama desportivo africano que dá à juventude moçambicana uma figura de referência que mostra que o talento, mesmo em condições adversas, pode alcançar visibilidade internacional.
Ao centrar-se em Chiquinho Conde, a Universidade Pungue, envia um recado indireto de que o verdadeiro herói não é apenas quem tem talento, mas quem mantém o compromisso com a bandeira natal e dar a entender que Moçambique não precisa apenas de importar modelos ou aplaudir conquistas de fora (?) mas transbordar orgulho, compromisso e inspiração para mostrar que ser moçambicano no desporto é motivo de honra, reforçando que a diáspora pode ser uma ponte, não uma fuga, inspirando a juventude a ver no futebol (e noutras áreas?) não apenas uma carreira individual, mas um contributo coletivo para a Moçambique. Tudo isso remete a Universidade para o palco da política simbólica que corre o risco de transformar uma homenagem académica em ritual de propaganda nacionalista. Tomara que a possibilidade da distinção não passe de uma jogada de prestígio momentâneo, mais próxima da emoção do que da razão crítica que se exige à universidade.
2025/12/3
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