Paulo Vilanculo "
Num contexto de crise económica, exclusão social e 50 anos de independência ainda marcados por desigualdades estruturais, o governo moçambicano surpreende ao implementar tratores e carroças como alternativas de transporte humano em zonas rurais e periféricas. Tratores para transportar pessoas? Carroças puxadas por bois ou motociclos com reboques improvisados para levar famílias inteiras?Onde estão os investimentos na mobilidade urbana e rural? Onde estão os autocarros, os comboios, os sistemas partilhados e ecológicos que poderiam resgatar a dignidade de um povo já tantas vezes violentado pela corrupção, má gestão e promessas adiadas? A “trela da pobreza” revela-se não apenas como uma metáfora da humilhação social, mas como um sintoma de um Estado que insiste em avançar olhando para trás.
No ano em que Moçambique celebra 50 anos de independência, o governo opta por inaugurar não uma nova era de dignidade e mobilidade humana, mas um regresso grotesco ao passado, reintroduzindo tratores agrícolas e carroças como alternativas de transporte público em zonas rurais e periféricas. A alegada inovação, mascarada de pragmatismo económico e desenvolvimento sustentável, reencena um capítulo da história que muitos preferiam sepultar: os tempos da sacarina e da trela colonial, onde o povo era tratado como bicho de carga. Em pleno século XXI, enquanto o mundo discute mobilidade sustentável, inclusão tecnológica e transporte público com energias limpas, Moçambique caminha para trás, reciclando meios de transporte típicos do tempo da escravatura e da opressão colonial. Substituir chapas e autocarros por tratores para transportar pessoas não é inovação — é regressão. Os Tratores não têm estrutura nem segurança para transportar pessoas. Não oferecem bancos adequados, abrigo contra sol ou chuva, nem proteção contra acidentes. Transportar pessoas como carga agrícola é um ato de desumanização profunda, reduzindo o cidadão à condição de objeto rural descartável.
A introdução de tratores agrícolas de “sacarina” para transporte humano, como política pública ou solução improvisada em Moçambique, levanta preocupações sérias e revela contradições gritantes sobre a visão do Estado em relação à dignidade do povo. Tal medida, longe de representar uma inovação ou solução eficaz, reaviva memórias amargas da era colonial e expõe um modelo de governação que falha em garantir mobilidade digna à população. O termo “sacarina” remete, simbolicamente, a um passado de exploração, colonialismo e pobreza disfarçada de progresso e usá-lo neste contexto implica numa crítica direta ao caráter ilusório, amargo e degradante da medida. Não é apenas uma questão de ridículo logístico. Trata-se de uma agressão à dignidade do povo moçambicano. Enquanto outros países em desenvolvimento apostam em sistemas de transporte modernos, eléctricos e acessíveis, o governo moçambicano volta-se para soluções que mais parecem castigos sociais do que estratégias de desenvolvimento. Este não é um plano de mobilidade. É um retrato do fracasso institucional, uma amostra viva da pobreza planeada.
Em vez de combater a pobreza com políticas públicas estruturadas, o governo normaliza a precariedade. A introdução de tratores disfarça o fracasso na construção de estradas, no fornecimento de autocarros, na criação de sistemas de transportes públicos regionais. Aceita-se a pobreza como destino e não como desafio a ser superado. É impossível não traçar paralelos com os tempos coloniais, quando o indígena era reduzido à força de trabalho, carregado em carroças, ou marchando quilómetros para servir as plantações. Hoje, a mesma paisagem se repete, mas agora com o selo oficial de políticas públicas “inovadoras”. A introdução de tratores como meio de transporte humano não é solução – é um grito de desespero de um governo incapaz de prover um mínimo de infraestrutura funcional.
Este cenário obriga-nos a questionar se estamos, de facto, a celebrar 50 anos de independência ou apenas a contabilizar 50 anos de contínuo empobrecimento ideológico. O povo moçambicano não precisa de tratores a fazer de chapa, precisa de políticas públicas sérias, com visão estratégica e inclusão social verdadeira. Precisa de um Estado que planeie cidades, estradas, escolas e hospitais – não de governos que oferecem como solução para o subdesenvolvimento a carroça reciclada da humilhação. Chegámos, tristemente, a um ponto onde a pobreza virou política de Estado, não no discurso, mas na prática. Tratores e carroças não são pontes para o desenvolvimento; são amarras que nos prendem à miséria. O povo merece andar sobre rodas, sim, mas sobre rodas de progresso, não arrastado na poeira de projetos falidos com nomes reciclados e intenções duvidosas.
Olhando o que realmente se pode esperar dessa medida da introdução de tractores na prática de transporte humano remete nos a desumanização e violação da dignidade humana ao colocar seres humanos em reboques puxados por tratores, muitas vezes sem segurança, proteção contra o clima ou qualquer conforto mínimo, não é transporte é humilhação institucionalizada. Reduz o povo a carga, como no tempo colonial, quando os “indígenas” eram transportados como gado para plantações ou minas. Por um lado configura a normalização da precariedade como política de Estado já que o uso de tratores como transporte revela que o Estado abdica de sua obrigação de garantir mobilidade humana decente, optando por soluções de improviso e baixo custo, naturalizando a pobreza em vez de combatê-la. Isso torna-se perigoso: a exceção torna-se regra. Esses tratores não são feitos para transportar pessoas. Alias, transformar tratores em chapas é uma forma simbólica de dizer que certas zonas do país não merecem progresso. As comunidades que já sofrem com pobreza e exclusão agora são forçadas a aceitar meios de transporte que aumentam a sua marginalização perante outras regiões que têm acesso a autocarros modernos ou sistemas rodoviários funcionais.
Ao em vez de avançar com soluções de transporte modernas, sustentáveis e inclusivas, o Estado retrocede para mecanismos primitivos de mobilidade, muitos dos quais lembram as práticas da época colonial ou de regimes autoritários que usavam carroças e tratores como ferramentas de controle e submissão populacional. Tal como o Sustenta acabou sendo um projeto mais político do que agrícola – usado para projeção eleitoral, promoção de elites locais e manutenção de clientelas partidárias, enquanto os pequenos agricultores, que eram o seu público-alvo declarado, permaneceram nas mesmas condições de pobreza e vulnerabilidade. Assim, o Sustenta trouxe pouco ou nada de estruturalmente novo para os moçambicanos mais pobres, e muitos hoje o encaram como mais uma oportunidade perdida de tornar a agricultura um verdadeiro motor de desenvolvimento.
O que se pode realmente esperar da introdução de tratores agrícolas para transporte humano não é progresso, mas sim a teatralização da miséria institucionalizada, um teatro de mobilidade que esconde a imobilidade estrutural do Estado. Não se trata de “resposta criativa à escassez”, mas de evidência do fracasso de décadas de má gestão, corrupção e ausência de políticas públicas sérias para a mobilidade rural. A introdução de tratores agrícolas como meio de transporte humano, na prática, representa um retrocesso do desenvolvimento e uma profunda desgraça para os moçambicanos, sobretudo para as populações rurais que vivem à margem da infraestrutura e da atenção governamental. As zonas onde esses tratores são introduzidos são automaticamente marcadas como “territórios de exclusão” — espaços sem valor de investimento, onde tudo pode ser improvisado e malfeito, porque a população é pobre e desorganizada. É uma forma de apartheid económico e logístico.
Os tratores agrícolas, usados para transporte humano, não são progresso. São a encenação trágica de um Estado sem rumo, que escolhe soluções ridículas para problemas sérios. Trazem consigo o cheiro da humilhação, o sabor da miséria institucionalizada e a visão de um povo condenado à trela da pobreza, não por falta de recursos, mas por ausência de vontade política, ética e visão de futuro. Moçambique comemora 50 anos de independência, mas com soluções que remetem aos 500 anos de colonialismo e exploração. É um insulto à história do país, aos ideais da luta de libertação e à esperança de desenvolvimento prometida pelas sucessivas lideranças. O povo não lutou para andar em carroças motorizadas. Moçambique não precisa de tratores a puxar gente. Precisa de líderes que saibam onde querem levar o país e o povo. Porque um Estado que trata os seus cidadãos como carga agrícola não merece chamá-los de povo, mas de rebanho.
2025/12/3
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