Reflexão de lucros de luxo da Reversão energética para RSA e cobranças de lixo pela EDM em Moçambique

Paulo Vilanculo "

No dia 21 de Maio, a Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB) realiza uma conferência internacional em Maputo para assinalar o seu cinquentenário de existência. Sob o lema “HCB: Ontem, Hoje e o Futuro”, o evento promete reflexões sobre o percurso, os desafios e as aspirações de uma das maiores infraestruturas de produção de energia da África Austral. Cinco décadas depois da sua construção, e mais de 15 anos desde que Moçambique adquiriu a maioria do seu capital à gestão portuguesa, o silêncio em torno da real contribuição da HCB para o desenvolvimento do país é ensurdecedor. Contudo, entre os discursos celebratórios e os flashes de prestígio institucional, permanece uma lacuna fundamental: a ausência de um balanço público, honesto e rigoroso sobre o contributo da HCB no Orçamento do Estado moçambicano, bem como na melhoria da qualidade de vida dos seus cidadãos. Por que razão, num evento de tal magnitude, não se aproveita a ocasião para divulgar, com transparência, os números reais da sua produção energética, das receitas geradas e da fatia que reverte efetivamente para os cofres públicos? Por que não se apresenta, em linguagem acessível, o impacto direto da HCB no financiamento de setores sociais como educação, saúde, abastecimento de água ou infraestrutura rural? Qual tem sido o retorno direto da HCB para o desenvolvimento local em Tete, província que acolhe a barragem e cujas populações continuam a enfrentar elevados índices de pobreza, desemprego e fraca inclusão nos benefícios do megaprojeto? A HCB é frequentemente tratada como símbolo de soberania nacional e de superação colonial. Com o acordo de enetendimento rubricado entre o presidente moçambicano, Armando Guebuza, e o primeiro ministro português, José Sócrates, Moçambique colocou-se na posição maioritária na estrutura acionista da barragem, passando a deter 85% do capital da hidroeléctrica, ficando Portugal com os restantes 15%, na altura, falando após a cerimónia de assinatura, o presidente moçambicano, Armando Guebuza, disse que o acordo tinha "estabelecido linhas para que dentro em breve Cahora Bassa passe a ser gerida por Moçambique." Por seu turno, o primeiro ministro português, José Sócrates, manifestou a sua satisafção considerando o "acordo histórico para portugal e Moçambique, por ter sido possível conncluir uma negociação que se arrastava desde 1975." Em Mpauto, a primeira ministra moçambicana, Luisa Diogo disse à BBC que acordo de reversão da Barragem Hidroeléctrica de Cahora Bassa irá permitir que o país assumir o controlo da sua agenda de desenvolvimento. Após a reversão do controlo para o Estado moçambicano em 2007, grande parte da energia gerada passou a ser canalizada para a estatal sul-africana Eskom, a preços fixos e altamente favoráveis à RSA. A longo dos anos, esta reversão passou a ser um trunfo geoestratégico para a África do Sul, à custa do desenvolvimento interno moçambicano. A energia gerada em Cahora Bassa é transportada por uma linha de transporte de alta tensão (HVDC) até a RSA, com perdas mínimas e com prioridade técnica, num contraste, a infraestrutura de distribuição de energia dentro de Moçambique, especialmente nas zonas rurais, consideravelmente precária. Há relatos a longo dos anos referindo que Moçambique vende eletricidade à RSA a preços inferiores aos praticados no mercado internacional, prejudicando a maximização dos lucros da HCB. A disparidade entre o valor real da energia e o valor pago pela Eskom constitui um ganho económico substancial para a África do Sul e uma perda estratégica para Moçambique. Os contratos com a Eskom mantiveram-se firmes, com cláusulas muitas vezes desfavoráveis a Moçambique em termos de preço por megawatt/hora e rigidez contratual. Assim, até aqui a HCB continua a garantir energia barata e estável para a África do Sul, mesmo quando Moçambique enfrenta déficits de fornecimento interno. O modelo energético moçambicano, centrado na exportação de energia bruta (sem valor acrescentado), perpetua um modelo de dependência econômica e mina a possibilidade de industrialização interna. Enquanto a RSA transforma energia em desenvolvimento industrial e social, Moçambique continua a atuar como fornecedor de matérias-primas com a eletricidade, sem uma revisão profunda do modelo de venda da energia, das prioridades de distribuição e dos contratos internacionais, Moçambique continuará a ser um exportador de riqueza e um importador de pobreza. É imperativo que o Governo moçambicano e a gestão da HCB promovam uma renegociação transparente e patriótica dos acordos energéticos, coloquem o interesse nacional em primeiro lugar e garantam que a energia de Cahora Bassa sirva, antes de mais, para iluminar e desenvolver Moçambique. No desenvolvimento Industrial da RSA e subdesenvolvimento de Moçambique, a energia da HCB tem alimentado por décadas a indústria pesada sul-africana, sobretudo a de mineração e transformação, impulsionando empregos, produção e crescimento económico sustentável no país vizinho. Segundo dados dos últimos anos, menos de 40% da população moçambicana tem acesso regular à eletricidade, enquanto na África do Sul essa taxa supera os 90%, uma ironia cruel: o país produtor da energia permanece às escuras, enquanto os vizinhos iluminam fábricas, escolas, hospitais e centros comerciais com a energia exportada de Cahora Bassa. Enquanto isso, as regiões moçambicanas mais próximas da barragem, como Tete e Zambeze, continuam com elevados índices de pobreza e desemprego, sem aproveitamento direto dos benefícios da energia ali gerada. É fundamental recordar que energia não é apenas megawatts, barragens e linhas de alta tensão. Energia é desenvolvimento humano, é justiça social, é soberania compartilhada com o povo. Neste sentido, a celebração dos 50 anos da HCB sem uma comunicação clara, acessível e honesta ao povo moçambicano sobre o seu verdadeiro contributo para o país soa a espetáculo institucional vazio, desprovido de gestão aberta de sensibilidade cívica. Por outro lado, em Moçambique onde menos de 40% da população tem acesso regular à eletricidade, a imposição da cobrança de taxas de lixo nas faturas da EDM constitui uma das mais flagrantes manifestações de injustiça fiscal e má governação administrativa. Ao incluir as taxas de lixo na fatura de eletricidade, o Estado através da EDM encontrou uma forma fácil de garantir cobrança automática e compulsiva. Trata-se de um expediente oportunista que transfere o peso da ineficiência do Estado para os ombros de uma minoria de cidadãos que já paga e paga caro por um serviço essencial. A verdade nua e crua é que, em muitas cidades e vilas, o lixo continua a acumular-se nas esquinas, nos mercados, nas praias e até à porta das casas. A recolha é irregular, a deposição final é insalubre, e a política de gestão ambiental é praticamente inexistente. A cobrança é indiferenciada, ou seja, não considera se o cidadão realmente recebe o serviço de recolha de lixo ou se está a gerir os resíduos por meios próprios, como é o caso de muitos moradores em bairros periféricos e zonas sem cobertura municipal. No entanto, quem está a pagar por esse serviço são apenas os moçambicanos que têm acesso formal à eletricidade e que possuem capacidade de pagamento regular. Ou seja, os mesmos que já estão sobrecarregados com outras taxas e impostos muitas vezes sem qualquer retorno visível em serviços públicos. Entretanto, o luxo dos administradores não executivos da HCB é mais do que um detalhe administrativo como um sintoma de um sistema profundamente desigual, onde os recursos públicos são capturados por uma minoria para manter um estilo de vida desconectado da realidade nacional. É uma perversão da função pública, que transforma o Estado num provedor de privilégios para uma elite político-empresarial. A comemoração dos 50 anos da HCB deveria ser, antes de mais, um momento de prestação de contas, um exercício de transparência em que o governo e os gestores da empresa abrissem os livros, explicassem os investimentos realizados, os lucros acumulados, as dívidas eventualmente herdadas e, acima de tudo, o destino das receitas. Se a HCB quer realmente projetar um futuro sustentável, tem de começar por reconhecer o passado com humildade, mostrar o presente com transparência e construir o futuro com responsabilidade social, não apenas em conferência internacional, maratonas desportivas, premiação de concursos literários e apetrechamento dos seus administradores aos olhos da pobreza dos moçambicanos. E isso só terá seu fim quando o próprio povo moçambicano deixar de ser mero espectador e passar a ser o verdadeiro fiscalizador beneficiário do que lhe pertence por direito.

2025/12/3