Problemática do simbolismo da tocha para unidade moçambicana

Paulo Vilanculo "

                                   

Nos significados universais de uma tocha, a tocha iluminação o caminho da liberdade guiando simbolicamente os povos do mundo em direção à liberdade e à emancipação, dá esperança e acolhimento a uma terra de oportunidades, estimula a resistência contra a opressão, opondo-se às trevas da tirania, da censura e da injustiça, por fim, propõe uma Universalidade dos direitos humanos, os valores universais como a liberdade de expressão, de religião e a igualdade. A tocha da Estátua da Liberdade por exemplo, é símbolo da luta contínua pela liberdade, justiça e luz num mundo que frequentemente mergulha nas sombras da opressão. Representa a iluminação do mundo pela liberdade, sendo um farol de esperança para os imigrantes e oprimidos que chegam aos Estados Unidos em busca de melhores condições de vida. A tocha na Estátua da Liberdade simboliza a luz da liberdade que ilumina o caminho para todos aqueles que buscam justiça, dignidade e uma nova vida.

A tocha da “chama da unidade” de Moçambique pretendeu simbolizar liberdade, paz, coesão nacional e desenvolvimento, mas, acabou representando exatamente o oposto para grande parte da população. Parece ser uma profanação da memória histórica, ao invocar a chama da liberdade enquanto o Estado profanamente contradiz os ideais fundadores da liberdade quando restringe a liberdade de expressão, persegue opositores e pratica repressão policial. O cidadão comum não se sente livre para exigir transparência, criticar os líderes ou protestar contra injustiças sem sofrer represálias. A tranquilidade propagada é privilégio de poucos e para o povo, resta o medo e a sobrevivência diária muitas vezes marcada pela intolerância política e governativa.  Para a liberdade, tão duramente conquistada, para moçambicanos, transformou-se num conceito decorativo. Isso naturaliza a ideia de que símbolos são mais importantes do que políticas públicas eficazes, e que aparência importa mais do que resultado.

A tocha da “chama da unidade”, símbolo escolhido para marcar as comemorações dos 50 anos da independência nacional, percorreu as províncias como um ritual patriótico carregado de solenidade de milhões de moçambicanos mergulhados na miséria, num brilho que ofusca mais do que ilumina. A tocha carregou consigo um simbolismo irónico, pois contrasta com a realidade de um povo, cujos direitos mais básicos são feridos. Não se trata de negar os marcos históricos da independência, mas de exigir que os ideais da luta não sejam enterrados sob discursos vazios e monumentos simbólicos. A memória de um povo não se honra com tochas, mas com justiça social, igualdade de oportunidades, dignidade e políticas que coloquem o ser humano no centro da governação. O gesto profano moçambicano da tocha revela um país que perdeu o fio da sua promessa histórica que é uma celebração de sombras em nome da luz. Nesta encenação Moçambique, torna-se uma metáfora que em vez de iluminar o futuro, lança sombras sobre o fracasso em concretizar as promessas de 1975.

A tocha moçambicana desfilou em estradas esburacadas, entre bairros sem eletricidade, hospitais sem medicamentos, escolas que funcionam debaixo de árvores, atravessou vilas e bairros onde falta eletricidade, água potável e serviços básicos. Expos se a insensibilidade e a surdez governativa face ao sofrimento coletivo, num tom discursivo embalado em tons de euforia, que ignorava o desespero de uma juventude desempregada e sem perspetivas, o abandono das zonas rurais, a precariedade dos serviços públicos, e o abismo entre ricos e pobres. O Estado gastou recursos com desfiles e cerimónias simbólicas. Enquanto milhões enfrentam pobreza extrema. Esta desconexão entre Estado e povo, revela uma política alienada, que vive numa realidade paralela. Em vez de unir, a tocha acende inquietações e expõe feridas abertas de uma independência sequestrada pelo agravamento do sofrimento popular.

Que ilações se colhe da encenação de luz num país mergulhado na escuridão da pobreza e do esquecimento? Podemos falar de paz quando em Cabo Delgado a violência insurgente continua a semear o terror, forçando famílias a viverem em deslocamento permanente e num medo constante? Podemos imaginar por uma segurança da ordem pública quando as forças policiais, em vez de proteger, muitas vezes perpetram abusos, espancamentos e assassinatos sumários contra cidadãos desarmados? Que unidade que não reconhece a dor da maioria? E como invocar liberdade se opositores são perseguidos, jornalistas silenciados e a crítica política tratada como traição nacional?

A celebração de uma unidade nacional simbólica torna-se uma rotula hipócrita, onde se aplaudem feitos imaginários e se ignoram crises reais. A tocha da unidade que se celebrada parece ser mais uma construção artificial, esvaziada de sentido no quotidiano das populações. A chama, que deveria inspirar união, esperança e justiça, é usada como cortina de fumo para encobrir falhas estruturais. O fogo da tocha não representa os ideais que diz defender, mas sim torna-se metáfora do fogo que consome a credibilidade das instituições que perderam legitimidade moral perante o povo. É um fogo de uma esperança traída, empunhado por quem governa, mas ignorado a quem sofre. A encenação da tocha serviu para tentar adormecer consciências, um protagonismo cego de promover uma ideia de nação em paz e progresso, uma pedagogia do silêncio, em que o patriotismo é confundido com submissão inibindo assim o espírito crítico da população. Em vez de iluminar, acende o debate sobre a falência ética e política do projeto nacional.

Foi uma encenação que exige que a sociedade acorde e reponha o verdadeiro significado da palavra unidade nacional, enquanto símbolo que, representa uma unidade abstrata e idealizada que não acolhe a escuta ativa e o confronto com as diferenças. Em vez de incentivar um ambiente onde os moçambicanos possam discutir abertamente seus problemas, expectativas e feridas históricas, o governo opta por cerimônias simbólicas que não dialogam com a realidade vivida pela população, a escolha do governo moçambicano de um símbolo como a "tocha da unidade nacional", em detrimento da organização de fóruns de debate, revela uma tendência à superficialidade política.

É tempo de reconhecer que o sofrimento do povo não é um ruído de fundo, mas um grito abafado pela retórica de um Estado cada vez mais fechado em si mesmo. Se a chama da unidade quiser, de facto, ser símbolo de esperança, precisa iluminar a verdade. O simbolismo irónico da chama da unidade deve, por isso, servir de alerta que a unidade nacional só será plena quando a paz for sentida no corpo, a liberdade exercida na palavra, a tranquilidade vivida na rua e a pobreza erradicada com justiça.

2025/12/3