Paulo Vilanculo "
Este artigo convida a uma reflexão teológica e sociocultural sobre a Paixão de Cristo à luz das feridas sociais dos pobres moçambicanos, especialmente em contextos de exclusão, pobreza extrema e sofrimento. Este artigo busca analisar a Paixão de Cristo não apenas como um evento histórico-teológico, explora-se a identificação entre as chagas do Cristo crucificado e as chagas sociais do povo moçambicano, como uma experiência viva que se renova na dor e esperança dos moçambicanos, especialmente por ocasião de um Jubileu espiritual de Unção, propondo uma leitura libertadora e esperançosa de fé cristã no contexto moçambicana.
Palavras-chave: Paixão de Cristo; Moçambique; Pobreza; Teologia da Libertação; Jubileu; Unção.
O jubileu na contagem do yovel, ocorre, a cada cinquenta anos, no ano seguinte ao término de sete anos sabáticos, os judeus em Israel, tocavam o shofar, um som que podia ser ouvido em Israel inteira, anunciando: a chegada da hora de libertação de todos os escravos judeus. Os escravos sentavam-se à mesa do seu amo, comiam, bebiam e relaxavam, este cenário de transição ajudava ao escravo readaptar-se à liberdade, cumprindo-se a palavra de Deus que disse: tirei o povo judeu do Egito (…), nenhum judeu poderá servir a outro por toda a vida, somente Eu posso exigir tal submissão. (Êxodo: 23, 10-11), (Levítico: 25, 1-28), (Deuteronômio:15, 1-6).
A Paixão, enquanto momento culminante da entrega de Jesus ao sofrimento redentor, é interpretada, segundo Moltmann (2001), como o ápice da solidariedade de Deus com a humanidade sofredora: "Deus não apenas sofre com, mas sofre em Cristo e assim santifica todo sofrimento humano" (MOLTMANN, 2001, p. 76). Essa identificação de Deus com os escravos é acentuada na Teologia da Libertação. Segundo Gutiérrez (1986): "O Cristo crucificado é o companheiro dos que carregam a cruz da injustiça e da exclusão" (GUTIÉRREZ, 1986, p. 91).
Moçambique, com a independência conquistada em 25 de junho de 1975, os cinquenta anos que celebramos nesta morte e ressurreição de Cristo representam um marco histórico para o povo moçambicano, um jubileu. Na mesma prespectiva do sofrimento e libertação, no decorrer da Paixão de Jesus, Jesus sofreu várias sofrimento, como as da Coroa de Espinhos e as dos flagelos no corpo.
As Chagas, também conhecidas como Chagas Sagradas, têm sido foco de devoções particulares, especialmente no fim da Idade Média, e têm frequentemente sido refletidas. O termo chagas no contexto deste texto foi usado metaforicamente para descrever as lutas de sofrimentos do povo moçambicano numa peregrinação a paz e um futuro melhor. Em Moçambique, país marcado por conflitos históricos, desigualdades profundas e desafios estruturais, a imagem do Cristo crucificado encontra eco nas feridas abertas do seu povo.
As “chagas” sociais do povo moçambicano, podem ser entendidas como sendo, a fome, desemprego, violência, corrupção e exclusão, podem ser interpretadas teologicamente como as chagas do Cristo pobre que caminha com os marginalizados. Mesmo com avanços econômicos em algumas regiões, a pobreza continua sendo um problema crônico em Moçambique. Os últimos cinquenta anos foram marcados por uma sucessão de desafios socioeconômicos, conflitos e crises políticas que impactaram e continuam a impactar profundamente a população moçambicana.
A corrupção é um fator que tem aprofundado o sofrimento da população moçambicana. O escândalo das "dívidas ocultas" em 2016 revelou um esquema de empréstimos ilegais contraídos pelo governo, totalizando mais de US$ 2 bilhões. Esse caso resultou na suspensão de ajuda financeira internacional e agravou a crise econômica do país (Mosca, 2017). A vulnerabilidade climática é outro fator de sofrimento para os moçambicanos. O ciclone Idai, em 2019, foi um dos mais devastadores da história do país, deixando centenas de mortos e milhares de desabrigados. As novas ondas de violência política e crises institucionais, conflitos esporádicos actualmente emergente no momento pós-eleitoral continuam a gerar insegurança quase em todo pais (Morier-Genoud, 2019).
De acordo com o Banco Mundial (2022), mais da metade da população vive abaixo da linha da pobreza. "As desigualdades regionais e a falta de acesso a serviços essenciais, como saúde e educação, perpetuam um ciclo de exclusão social" (Castel-Branco, 2014, p. 54). Sem progressos, sem crescimento econômico nem melhorias em setores como educação e saúde, a corrupção, a pobreza e os desastres naturais continuam a tomar avanços do país. Superar esses problemas exige reformas estruturais profundas e um compromisso efetivo com a transparência e a justiça social.
A Paixão de Cristo sempre foi uma fonte de consolo espiritual e resistência para os pobres e marginalizados. A Paixão de Cristo, celebrada à luz das chagas dos moçambicanos, não como um mero rito religioso, mas um chamado à solidariedade, justiça e transformação social. O Jubileu é um tempo de Cura e Esperança, na tradição bíblica, o Jubileu (cf. Lv 25) é um tempo de restauração, perdão de dívidas e libertação dos oprimidos. Um "Jubileu de Unção das Chagas" é, simbolicamente, chamar a atenção para a necessidade de curar as feridas sociais com justiça e compaixão. A Conferência Episcopal de Moçambique já destacou a urgência de "uma evangelização que não seja alienada a dor do povo, mas que a ilumine" (CEM, 2015, p. 13).
A unção é, em muitas tradições, um gesto de cuidado, cura e reconhecimento. Ao ungir simbolicamente as "chagas dos pobres", a Igreja se compromete profeticamente com o alívio do sofrimento e a promoção da dignidade humana. É uma liturgia encarnada, viva, atuante. Como ensina Tavares (2020): "A unção dos corpos feridos é sacramento da presença de um Deus que não abandona o seu povo" (TAVARES, 2020, p. 104). Como afirma Leonardo Boff: "A unção é o sinal da presença de Deus que reverte maldições em bênçãos" (BOFF, 2003, p. 58). Assim, o Jubileu de Unção propõe um horizonte de cura e esperança, uma espiritualidade encarnada na luta diária dos marginalizados.
2025/12/3
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