“O monstro lebre da Ponte Boer: Maputo-KaTembe”

Paulo Vilanculo "

 

A Ponte Maputo-KaTembe, do seu monumentalismo, celebrado como obra de modernidade, tornou-se um símbolo de exclusão social e económica. Fazendo um rescaldo a olho nu, desde da sua inaguração em 2018, a ponte não dinamizou a economia local, nem melhorou a vida dos habitantes históricos da região. O projecto revela-se, assim, um “gato vendido por lebre”, enfeitado com promessas de progresso, mas concretamente excludente e lesivo à dignidade dos nativos. Expulsou-se comunidades, extinguiu modos de vida tradicionais, como mapapaia, a travessia fluvial artesanal, e criou barreiras económicas com a imposição de transportes rodoviários mais caros e a portagem injusta, que restringem o acesso à cidade e aos serviços essenciais. Porque razão o Estado decidiu investir tantos milhões de dólares numa ponte monumental, ao contrario de uma simples reabilitação da estrada colonial nacional do Rovuma ao Maputo talvez poderia ter um impacto económico muito mais directo e abrangente? Porque o Estado Moçambicano optou por um débito alto com retorno duvidoso? Será que a ponte serve à população ou apenas aos interesses de um pequeno grupo de governantes e empresários ligados ao poder?

A anunciada como símbolo da modernidade e progresso, a Ponte Maputo-KaTembe inaugurada em 2018 com promessas de integrar a capital sul, promover o investimento, gerar empregos e dinamizar a vida dos habitantes da zona da KaTembe, passados alguns anos, os nativos desta região enfrentam hoje uma realidade de desalojamentos, especulação imobiliária, exclusão social e falta de acesso aos benefícios que lhes foram prometidos. Ao invés de integrar os nativos, a obra abriu as portas para uma forte especulação imobiliária, onde terrenos tradicionalmente ocupados por famílias camponesas foram alvo de expropriações, muitas vezes sem compensações justas.

Durante a construção, forçou se a extinção de uma economia tradicional e artesanal antes da ponte, centenas de jovens e famílias sobreviviam com pequenas embarcações artesanais, os famosos “mapapaia” que faziam travessias diárias, transportando pessoas, bens e peixe entre a cidade de Maputo e a KaTembe. Na perda de identidade territorial e cultural, o modo de vida ribeirinho, de pesca artesanal, travessia fluvial e feiras locais, com a ponte, esse modo de vida foi desmantelado, sem alternativa, sem integração, foi substituído por uma promessa de modernidade que não dialoga com as realidades sociais locais.

O "monstro lebre" ilustra o padrão de muitos “projetos nacionais” de obras monumentais, financiadas por dívida externa, planejadas sem escuta comunitária e executadas a favor de interesses político-empresariais, neste contexto, para os nativos, a ponte é um “monstro vendido por lebre” que, em vez de integração, sofreram exclusão; em vez de progresso, ficaram com promessas. Os residentes locais não participaram de qualquer processo de decisão da construção da ponte e de instalar portagens, o que viola princípios elementares de justiça social e desenvolvimento inclusivo. O que se assistiu foi a imposição de um modelo de “desenvolvimento vertical”, excludente e desraizado, que sacrificou economias tradicionais e identidades comunitárias em nome de uma obra monumental que favorece, sobretudo, elites político-empresariais e interesses externos, um modelo de governação orientado para interesses ocultos, desconectados das prioridades nacionais num campo de exploração elitista e não como lar de um povo soberano.

A ponte, foi construída através de empréstimos, com financiamento chinês de milhões de dólares, sem opinião pública como o elo para impulsionar o “desenvolvimento endógeno” suscitando uma política de dívida que serve aos credores e não camponeses, cujo pagamento é garantido às custas do povo, isso, corroendo a compromete o orçamento para sectores mais urgentes como saúde, educação e reabilitação de estradas nacionais. Ou seja, o povo vai pagar uma dívida por uma obra que não pediu, da qual não beneficia, e que a exclui. A referência de “Ponte Boer” ou “ponte dos brancos”, reflecte um modelo de desenvolvimento pensado para beneficiar elites e investidores, em detrimento dos camponeses e pescadores nativos da KaTembe. Ao comparar a ponte à lógica colonial boer, o argumento denuncia um neocolonialismo interno, onde o Estado e o capital estrangeiro se aliam para reconfigurar o território com base no lucro, silenciando os legítimos herdeiros da terra, uma ocupação simbólica e física das elites que agem como novos colonos internos, alheios às dinâmicas comunitárias locais no território dos nativos. 

Novamente, a portagens na Ponte, foi implantada sem sensibilidade social o que também representa mais uma exclusão num projecto da ponte já marcado por desigualdade que prejudicam profundamente os nativos economicamente. Os habitantes nativos, expropriados dos seus meios tradicionais de sobrevivência, agora são forçados a pagar para circular no seu próprio território. Isto constitui uma forma de violência económica institucionalizada, onde quem perdeu, continua a perder. Apenas quem tem meios financeiros razoáveis consegue viver na KaTembe e circular com regularidade. A portagem encarece o custo de transporte de bens e pessoas entre camponeses, pescadores ou comerciantes locais e, isto significa: a redução da margem de lucro na venda de produtos agrícolas e pesqueiros; menor acesso aos mercados urbanos e isolamento económico dos pequenos produtores. Além da perda territorial, os nativos continuam sem acesso a infraestruturas básicas como hospitais dignos, escolas secundárias e transportes públicos confiáveis. A maioria dos serviços públicos ainda se concentra em Maputo. Com a ponte e portagens, estudantes, trabalhadores e pacientes que dependem da travessia diária são penalizados financeiramente.

Uma obra colossal, visível, elogiável em conferências internacionais, e altamente explorável em campanhas eleitorais e relatórios de “progresso”. A Ponte representa o símbolo da exclusão monumental, a ponte foi pensada não como solução social, mas como troféu político. Tudo isso demonstra que a ponte não foi construída para o povo, mas sim, com interesse na propaganda internacional e para os contratos do poder e lucros. A ponte e portagem trazem viaturas, turistas e mansões de empresários, mas que não levam o desenvolvimento humano e social para os nativos que ali vivem há gerações, não representam um contributo efectivo nem para a economia nacional, nem para a economia local dos camponeses e pescadores, apenas contribuíram para a elitização do território. A Ponte e portagem são obstáculos injustos num projecto que devia permitir integração e prosperidade, mas que se converteu num instrumento de exclusão, exploração e marginalização dos verdadeiros nativos da terra e é, neste sentido, uma estrutura física de betão e ferro, mas também uma metáfora de um país onde se constrói para mostrar, não para servir.

2025/12/3