Paulo Vilanculo"
A versão oficial dos eventos históricos em Moçambique sempre e muitas vezes foi moldada conforme os interesses do partido no poder, a FRELIMO. Conforme argumenta Borges Coelho (2013), "a história oficial moçambicana foi construída de forma a legitimar a hegemonia política do Governo, minimizando aspectos controversos dos acordos". Isso significa que certos conteúdos dos acordos foram omitidos ou reinterpretados para reforçar a autoridade do governo e deslegitimar opositores políticos. No período pós-independência, o Governo moldou a narrativa histórica para consolidar sua legitimidade política (Borges Coelho, 2013). O Governo no poder desde a independência em 1975, tem sido criticada por manter sigilo sobre os termos dos acordos firmados com a dita oposição de então. No período colonial quanto no pós-independência, a divulgação de informações estratégicas sempre esteve sob forte controle estatal. Em 1974, o Acordo de Lusaka foi assinado entre a FRELIMO e Governo Português, pondo fim ao domínio colonial. Contudo, a informação divulgada ao público foi limitada e seletiva. Segundo Geffray (1991), "o monopólio da informação era uma ferramenta essencial para o partido governante consolidar seu poder na transição para a independência".
Olhando para o Acordo de Nkomati (ou Incomati), assinado em 16 de março de 1984 entre Moçambique e a África do Sul do apartheid, foi um tratado de não-agressão que visava cessar o apoio mútuo a movimentos insurgentes: Moçambique comprometia-se a não apoiar o ANC (Congresso Nacional Africano), enquanto a África do Sul prometia cessar o apoio à RENAMO. Embora oficialmente apresentado como um passo rumo à paz, o acordo continha cláusulas secretas que, segundo analistas, favoreciam desproporcionalmente o regime do apartheid, incluindo exigências militares e de vigilância contra ativistas do ANC dentro de Moçambique. A assinatura foi feita sob forte pressão militar e econômica, com Moçambique enfrentando sabotagens e bloqueios sul-africanos. Ora, o acordo não foi amplamente divulgado porque contrariava a solidariedade africana e os princípios anti-apartheid que o governo moçambicano defendia publicamente. Revelar seu conteúdo completo teria exposto a fragilidade do Estado moçambicano frente ao apartheid e poderia ter causado rupturas diplomáticas com aliados estratégicos, como os países do bloco socialista e movimentos de libertação africanos. Além disso, haveria forte reação interna da população e das forças políticas que viam no ANC um aliado ideológico e histórico.
De forma semelhante, o Acordo Geral de Paz (AGP), assinado em 1992 entre a FRELIMO e a RENAMO, foi parcialmente divulgado. Da mesma forma, no caso das dívidas ocultas, a comunicação oficial foi inicialmente manipulada para minimizar o impacto do escândalo, tentando justificar os empréstimos como necessários para a segurança nacional (Hanlon, 2018). Todos os casos, as decisões foram tomadas sem consulta pública e sem um processo democrático transparente. O governo e os signatários tinham interesse em controlar a narrativa sobre os compromissos assumidos para evitar questionamentos públicos ou instabilidade política (Newitt, 1995). Deste modo, a divulgação limitada dos acordos visava consolidar a hegemonia do Governo e minimizar possíveis contestações populares. Por outro lado, a ocultação das dívidas entre 2013 e 2016, seguiu um propósito semelhante.
O governo moçambicano, contraiu empréstimos de mais de 2 bilhões de dólares sem conhecimento do povo governado, ocultando informações cruciais sobre o impacto financeiro para o país (Hanlon, 2018). No caso das dívidas ocultas, os contratos foram assinados secretamente, e a população só teve conhecimento do escândalo quando a informação foi exposta por investigações internacionais (Nuvunga & Mbanze, 2019). No caso dos acordos, os moçambicanos foram apenas informados das decisões após sua assinatura (Cahen, 1993). No entanto, quando os acordos são negociados a portas fechadas, impede-se que os moçambicanos compreendam plenamente as condições sob as quais sua representatividade política está sendo definida de forma que, como argumenta Przeworski (1991), seja essencial para que o povo possa atuar de maneira efetiva dentro de um sistema democrático. A omissão da divulgação dos conteúdos do Acordo de Lusaka (1974), Acordo Geral de Paz (1992) em Moçambique pode ser comparada e fortalecida pela análise da omissão das dívidas ocultas, um dos maiores escândalos financeiros do país. Ambos os casos refletem um padrão histórico de falta de transparência, controle da informação e gestão opaca de decisões políticas e econômicas.
O atual acordo entre o governo de Moçambique e os partidos de oposição em especial ao PODEMOS e outros menores pode ser analisado à luz do contexto da estabilização política, mas também com atenção aos possíveis contornos ocultos e implicações futuras, dos quais, podemos descrever o atual secretismo dos acordos entre o partido no poder em Moçambique e os partidos da oposição como uma manifestação clara de fragilidade democrática, manipulação política e tentativa de silenciamento do conflito pós-eleitoral, sobretudo após as eleições de 09 de outubro de 2024, amplamente denunciadas como fraudulentas e imparciais nos seguintes contornos:
Acordos de bastidores com falta de Transparência - Os acordos pós-eleitorais têm sido caracterizados por negociações à porta fechada, sem consulta pública ou esclarecimento oficial sobre os termos negociados. O governo, sob liderança do partido no poder, tem mantido sigilo absoluto sobre compromissos feitos com a oposição, alimentando especulações sobre trocas de favores políticos, distribuição de cargos.
Silenciamento da contestação eleitoral - Diante das acusações de fraude eleitoral, intimidação de eleitores e manipulação dos resultados, os acordos secretos parecem ter como objetivo neutralizar a oposição, desmobilizando protestos e contestação institucional, em troca de benefícios estratégicos para as lideranças opositoras, enquanto se ignora a vontade popular.
Erosão da legitimidade democrática - Este secretismo mina a legitimidade das instituições democráticas, sobretudo da Comissão Nacional de Eleições (CNE), dos tribunais eleitorais e da Assembleia da República, que são vistas como cúmplices ou impotentes diante das irregularidades. O resultado é o enfraquecimento da participação cidadã, que percebe os processos políticos como um jogo fechado entre elites.
Acesso a recursos financiamento político - Acordos não divulgados podem envolver distribuição de cargos, recursos estatais e concessões econômicas como forma de “acalmia política”. Isso pode criar um sistema de clientelismo velado, no qual a oposição é cooptada para apoiar o governo em troca de benefícios, enfraquecendo a fiscalização efetiva.
Acordos de impunidades tacitas - Há indícios de que os acordos incluam pactos não escritos para proteger membros do governo e da oposição de investigações judiciais, especialmente em casos de corrupção ou responsabilidade por atos de violência política. Isso sustenta um ambiente de impunidade sistêmica.
Possíveis imunidades e compromissos secretos - Assim como no passado, podem existir cláusulas informais ou secretas, como promessas de imunidade judicial a líderes políticos envolvidos em escândalos, ou acordos sobre não-investigação de certos crimes políticos e financeiros.
Tanto a falta de transparência nos acordos quanto a ocultação das dívidas gerara consequências duradouras. A opacidade dos Acordos de Lusaka e de Paz contribuiu para a instabilidade política e a eclosão da guerra civil (Geffray, 1991). Já o caso das dívidas ocultas resultou no colapso financeiro de Moçambique, agravando a crise econômica e social, com impactos diretos no aumento da pobreza e na perda de credibilidade internacional (Nuvunga & Mbanze, 2019). Enquanto no passado a omissão da divulgação dos acordos serviu para centralizar o poder e controlar a narrativa histórica, a ocultação das dívidas serviu para beneficiar elites políticas e redes de corrupção. Ambos os casos mostram que a ausência de transparência não apenas limita o direito da população à informação, mas também tem impactos devastadores a longo prazo. Esses episódios ilustram como a população moçambicana tem sido repetidamente excluída de decisões cruciais, resultando em desconfiança nas instituições e na perpetuação de crises.
Numa analogia entre esses eventos podemos entender um ciclo vicioso de opacidade governamental em Moçambique. Assim como um rio subterrâneo que só é percebido quando suas águas emergem e causam erosão, a falta de transparência em decisões cruciais acaba, mais cedo ou mais tarde, gerando crises políticas, econômicas e sociais. Se o acordo for genuíno, poderá contribuir para a redução de tensões e consolidação democrática. Porém, se for marcado por opacidade, manipulação institucional e cooptamento da oposição, poderá resultar numa pseudo-paz, com aparência de estabilidade, mas sustentada por acordos de bastidores e ausência de justiça real. A ausência de um processo participativo na negociação dos acordos sempre resultou na omissão de informações à população. Como destaca Cahen (1993), "os moçambicanos foram informados das decisões já tomadas, sem espaço para influência ou debate público". Isso ocorreu principalmente porque os acordos eram decisões estratégicas que envolviam interesses geopolíticos e militares, e os líderes temendo que a divulgação ampla pudesse gerar resistência ou oposição interna. A exclusão da população do conhecimento sobre os acordos políticos pode gerar apatia e desconfiança em relação à política. Para O'Donnell (1994), um regime democrático deve garantir que seus cidadãos tenham meios para monitorar e avaliar as decisões governamentais. A ausência de transparência pode fomentar um sentimento de impotência na sociedade, tornando o processo eleitoral um mero ritual sem impacto real.
A transparência governamental é um dos pilares fundamentais de uma democracia funcional, garantindo a participação cidadã e a confiança nas instituições. No caso de Moçambique, a opacidade na divulgação dos acordos entre o governo de Moçambique e os partidos da oposição tem levantado preocupações sobre o futuro do país. Segundo Dahl (1989), a democracia depende de uma competição política aberta e de um ambiente em que a informação seja amplamente acessível aos cidadãos. O segredo em relação aos acordos políticos também tem consequências econômicas. De acordo com Acemoglu e Robinson (2012), instituições inclusivas são essenciais para o desenvolvimento econômico, enquanto aquelas que favorecem elites fechadas perpetuam desigualdades e dificultam o progresso social. A falta de transparência na negociação entre governo e oposição pode reforçar padrões de clientelismo e impedir reformas econômicas necessárias para o bem-estar da população. É sabido que a omissão da divulgação dos conteúdos dos Acordos deve-se a fatores políticos, sociais e estruturais. O controle da informação, a falta de transparência no processo decisório, a instrumentalização da história e as dificuldades comunicacionais contribuíram para manter grande parte da população alheia aos detalhes desses acordos. Diante desse cenário, torna-se imperativo que haja uma demanda crescente por maior transparência nas negociações políticas em Moçambique. A sociedade civil, a imprensa e organizações internacionais têm um papel crucial na pressão por práticas democráticas mais abertas. Somente com acesso pleno às informações e uma participação cidadã ativa será possível garantir um futuro mais justo e equitativo para os moçambicanos.
Contudo, o secretismo atual não apenas afronta os princípios da transparência e da responsabilidade pública, mas também instaura um modelo de “paz podre”, onde os conflitos são abafados temporariamente, mas a desconfiança popular, a exclusão política e o ressentimento social continuam a crescer. Isso representa um risco à estabilidade a longo prazo, pois impede a construção de uma democracia baseada na justiça, no respeito aos direitos e na participação efetiva dos cidadãos, sobretudo, apenas para adiar conflitos latentes e fortalecer uma oligarquia política, deslegitimando o processo democrático.
Referências Bibliográficas
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2025/12/3
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