
Paulo Vilanculo"
Em Moçambique celebra-se o dia da Legalidade uma efeméride que, no discurso oficial, pretende exaltar o Estado de Direito, a justiça e a transparência. Contudo, numa nação onde a lei escrita raramente reflete a vida real do povo, esta celebração transforma-se num espelho de contradições. O termo "ágrafo" vem do grego, significando "sem escrita", e essas sociedades dependem da transmissão oral para passar informações e tradições de geração em geração. Uma sociedade ágrafa é uma sociedade sem escrita, que não desenvolveu um sistema próprio para registrar sua língua ou conhecimento. Uma sociedade ágrafa, por natureza, é uma sociedade de palavra, onde a verdade se transmite pela oralidade, pelos conselhos dos mais velhos, pelas tradições e pelos consensos comunitários. Que legalidade que se celebra num país onde cidadãos continuam encarcerados por exercer o direito constitucional? O conceito de legalidade é o princípio jurídico que exige que todos os atos e relações, tanto de cidadãos quanto do Estado, estejam em conformidade com a lei. A legalidade, em sentido jurídico, é o princípio que obriga o Estado e os cidadãos a submeterem-se à lei. Sobre a legalidade, a lei é a base para qualquer ação, garantindo que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude da lei, limitando o poder estatal e evitando arbitrariedades. Numa sociedade essencialmente ágráfa, em que grande parte da população não domina a leitura nem compreende os textos legais, a lei transforma-se num instrumento de exclusão do povo que vive sob normas, regras e decretos que não participa na sua criar, não entende e tão pouco sabe interpretar,o que se chama de “legalidade” pode ser entendido, no olhar do povo, como (i)legalidade travestida de autoridade, imposta de cima para baixo. Quando o Estado moderno impõe uma legalidade escrita distante dos que dela deviam se beneficiar, cria-se um abismo cultural, de um lado, o direito formal que existe nos gabinetes; do outro, o direito vivido nas aldeias e nos bairros. No meio desse abismo, o cidadão comum torna-se o órfão da justiça. Será Estado laico e democrático, um Estado que pune a liberdade e absolve a impunidade? É sabido que um provedor de justiça é um órgão independente do Estado que defende os direitos e liberdades dos cidadãos contra abusos da administração pública e diversos poderes do Estado que deve atuar como um mediador informal, recebendo e analisando queixas, sem poderes para tomar decisões vinculativas, embora possa emitir recomendações para corrigir ilegalidades ou injustiças. Observamos num tempo recente o silencio insurdecente do Provedor nas repressões das manifestações pós-eleitorais, os atrasos salariais, a corrupção e a impunidade de rios de sangue de assassinatos que não são meros desvios, mas sim, sintomas de uma (i)legalidade estrutural, institucionalizada e normalizada, visto que num país onde a lei é escrita para uns e aplicada a outros, o verdadeiro crime é acreditar que ainda existe justiça. E enquanto houver presos políticos, protestos criminalizados e instituições subservientes ao poder, celebra se o dia da (i) Legalidade, paradoxalmente, um ato quase teatral com aplausos à norma e silêncio à justiça. O discurso sobre a legalidade torna-se uma encenação, uma liturgia da hipocrisia, celebrada onde a lei é transformada num instrumento do poder. O que significa um provedor da justiça na sociedade ágrafa? Significa, talvez, uma figura que fala uma língua que o povo não entende. Um mediador de papéis num país de palavras. Um defensor da lei escrita num contexto onde a justiça é oral, vivida e comunitária. Na teoria, é um órgão independente, imparcial e ético. Para o povo, a justiça é uma conversa, não um despacho. O cidadão rural ou suburbano não procura o provedor procura o régulo, o ancião, o líder local. O paradoxo é gritante na medida em que, enquanto o provedor discursa na Assembleia da República sobre a importância da legalidade, centenas de moçambicanos vivem injustiças sem voz, presos em processos “kafiriko agráfa”, vítimas de um sistema que protege os fortes e pune os fracos. Nesta formula, o provedor torna-se um símbolo deslocado da democracia popular, uma ponte institucional que existe no mapa, mas que não chega ao outro lado do povo e neste cenário a figura de provedor da justiça, criada para defender o cidadão dos abusos da administração pública. Celebrar o Dia da Legalidade num país onde o poder político captura as instituições, o provedor vê-se frequentemente reduzido a uma voz simbólica, um guardião da legalidade sem poder de corrigir as ilegalidades. Assim, Moçambique continua constitucionalmente definido como um Estado de Direito Democrático que, na prática, vive uma democracia de conveniência, onde a legalidade se aplica conforme o interesse de quem é mandatado.2025/12/3
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