Moçambique: o paradoxo do 13.º salário do pobre povo e as mordomias dos governantes e seus políticos

Paulo Vilanculo"

Em Moçambique, o discurso sobre justiça social e equidade económica tem sido uma constante promessa não cumprida. A distância entre a mesa do cidadão comum e o gabinete do político é, hoje, o retrato fiel de um país em que o povo sobrevive com salários de miséria, enquanto os governantes nadam em privilégios que desafiam a razão. Entre a austeridade do cidadão e o luxo dos governantes, a justiça social continua a ser apenas uma promessa adiada e Moçambique, espelha se assim num retrato cruel de como a desigualdade se institucionaliza sob o disfarce da legalidade.

 Nos últimos meses, o Sindicato Nacional da Função Pública acusou o Governo de pretender eliminar o pagamento do 13.º salário aos funcionários do Estado, um direito consagrado há décadas. Embora o Executivo tenha negado oficialmente tal intenção, a verdade é que o novo Regulamento do Subsistema de Carreiras e Remuneração dos Funcionários e Agentes do Estado, aprovado pelo Conselho de Ministros, contém uma cláusula ambígua. O artigo 32 reconhece o direito ao pagamento, mas condiciona-o à “disponibilidade orçamental e financeira”, ou seja, se não houver dinheiro, o Estado fica isento da obrigação. O paradoxo ganha contornos mais nítidos quando se recorda que, em 2024, o Governo comprometeu-se com o Fundo Monetário Internacional (FMI) a reduzir o 13.º salário para apenas um terço, mantendo a promessa de que em 2025 este pagamento não ultrapassaria metade. Que governo é este que, prefere arrisca querer retirar sacrificando o seu povo do pouco que resta para a sobrevivência do povo?

 Os reajustes salariais por sector, em vigor desde abril de 2025, mostram o quão desproporcionais são as políticas salariais no país. Nas salinas e microempresas, o salário mínimo foi fixado em 6.500 meticais; na agricultura e pesca, em 6.700; e na construção civil, em 8.400 meticais. O sector mineiro, tido como o mais rentável, garante 15.200 meticais mensais. Valores que, convertidos em dólares, variam entre 102 e 237, quantias que mal cobrem as necessidades básicas de uma família. Mas o contraste salta aos olhos quando se observa o rendimento dos detentores do poder. Um deputado da Assembleia da República aufere um salário-base mensal de 174.249 meticais, acrescido de subsídios de representação e renda que elevam o total para cerca de 250.239 meticais, o equivalente a quase 4.000 dólares por mês e num ano, cada deputado acumula mais de 3 milhões de meticais, o que representa o rendimento de vinte anos de trabalho de um operário das salinas.

 A narrativa oficial insiste em “cortes orçamentais”, “racionalização de despesas” e “equilíbrio fiscal”, conceitos que, na prática, parecem aplicáveis apenas à classe trabalhadora. O Estado exige sacrifícios ao povo, mas não abdica das suas próprias mordomias. Em contrapartida os deputados acumulam milhões em subsídios e mordomias, o povo trabalhador vive com salários que mal garantem o pão de cada dia. A distância entre governantes e governados tornou-se um abismo ético. Enquanto os cidadãos enfrentam o desemprego, a pobreza e o aumento do custo de vida, a classe política continua a beneficiar-se de regalias, viagens, subsídios e privilégios injustificáveis. Nesse cenário, muitos governantes parecem ter-se distanciado completamente da realidade social do povo que dizem representar. Este quadro de desigualdade não é apenas económico, mas sim, é moral e estrutural.

 Apesar dos discursos oficiais invocarem democracia e participação popular, o voto perdeu o seu valor simbólico e prático, a realidade das fraudes eleitorais cíclicas e da manipulação do voto tem transformado o processo democrático em mero ritual. O voto deixou de ser o instrumento de escolha do cidadão e tornou-se um mecanismo de legitimação do poder, de manutenção das elites políticas. A ausência de empatia manifesta-se em decisões políticas que ignoram as dificuldades cotidianas das famílias moçambicanas. Um Estado que pune quem trabalha e recompensa quem governa mal não pode reclamar legitimidade moral. Esta inversão de valores tornou-se a essência da crise moçambicana, um país onde a austeridade tem rosto e nome: o do cidadão comum.

 O discurso sobre o “crescimento inclusivo” soa cada vez mais hipócrita num país em que a maioria vive com menos de dois dólares por dia, enquanto a elite política multiplica rendimentos em subsídios, viaturas de luxo e viagens protocolares. Quando o governo reduz o 13.º salário dos funcionários, congela o investimento em serviços públicos essenciais e, ao mesmo tempo, mantém os altos salários dos deputados, demonstra claramente um divórcio moral entre governantes e governados. O drama dos funcionários moçambicanos é o de um povo que continua a servir os mesmos de sempre, num ciclo onde o poder protege os seus e a pobreza é tratada como destino. Assim, o direito existe apenas no papel, e o trabalhador moçambicano continuará refém de uma economia de sacrifícios e promessas vazias.

2025/12/3