Moçambique necessita de um Plano de reabilitação social acima da Estratégia Nacional de Desenvolvimento 2025–2044

Paulo Vilanculo "

Este artigo busca explorar as contradições entre a retórica oficial de desenvolvimento e os impactos reais de projetos energéticos e políticas agrárias em Moçambique, destacando as lições aprendidas e propondo caminhos alternativos para um desenvolvimento verdadeiramente inclusivo, num olhar a Estratégia Nacional de Desenvolvimento 2025–2044 (ENDE), recentemente aprovada pelo Parlamento moçambicano, propõe um caminho ambicioso rumo à industrialização, diversificação económica e transição energética. A ENDE 2025–2044 estabelece diretrizes para o desenvolvimento de Moçambique nas próximas duas décadas, com foco na industrialização, diversificação económica e transição energética. A Primeira-Ministra, Benvinda Levi, destacou que a ENDE é um instrumento de todos os moçambicanos, não apenas do governo, e que deve ser encarada como uma bússola para orientar o processo de desenvolvimento inclusivo e sustentável do país, com metas como alcançar 100% de acesso à energia elétrica até 2030 e tornar-se uma economia de baixo carbono até 2050, o documento é apresentado como um guia para um desenvolvimento inclusivo e sustentável (MEF, 2024). O documento enfatiza a necessidade de uma economia diversificada e eficiente, impulsionada por um setor privado fortalecido e comprometido com a melhoria da qualidade de vida da população. Apesar das metas ambiciosas, como alcançar 100% de acesso à energia elétrica até 2030, há preocupações sobre a implementação efetiva dessas estratégias, especialmente considerando os desafios históricos enfrentados por políticas anteriores, sobretudo, ao analisarmos projetos emblemáticos como a futura barragem hidroelétrica de Mphanda Nkuwa no rio Zambeze, muitas vezes apresentados como motores do desenvolvimento, frequentemente levantam dúvidas sobre os reais beneficiários dessas iniciativas. Paralelamente, o fracasso do Plano de Ação para a Redução da Pobreza Absoluta (PARPA), na promoção de um desenvolvimento equitativo e sustentável que prometia transformar o setor agrário moçambicano, serve como alerta para os riscos de políticas descoladas das realidades sociais e econômicas do país. A descontinuidade institucional, pode ser uma possibilidade de instrumentalização política da ENDE para fins de manipulação do poder que poderia até ser usado como uma justificativa simbólica (ou até estratégica) para estender o tempo no poder e não um plano de desenvolvimento real propriamente desenhado para um bem social. O colapso do ambicioso programa do Sustenta iniciativa do governo de Moçambique lançado oficialmente pelo governo, com o objetivo de transformar a agricultura familiar em uma atividade mais comercial, produtiva e sustentável, com vista a apoiar pequenos agricultores com acesso a insumos, assistência técnica, financiamento e mercados, dentro de uma lógica de inclusão produtiva e combate à pobreza rural. No entanto, apesar das ambições iniciais, o programa enfrentou sérios desafios e acabou colapsando em vários aspectos, como: Desvios e má gestão de fundos; Implementação top-down com exclusão dos agricultores; Modelo de financiamento insustentável; Infraestrutura e logística precárias; Instrumentalização política e, falta de alinhamento com realidades locais. O fracasso evidencia a dificuldade de implementar políticas públicas de forma participativa, transparente e adaptada ao contexto local e também dialoga com o legado de outras políticas agrárias em Moçambique, como o PARPA, e reforça a necessidade de repensar estratégias de desenvolvimento com base na autonomia camponesa, justiça social e sustentabilidade ecológica. Assim, a ENDE, pensada como um instrumento de desenvolvimento, pode também ser lida como um projeto de manutenção governativa, ou mesmo como possível pretexto para uma tentativa de revisão constitucional que viabilize quatro mandatos consecutivos do executivo. Em tempos de tensão entre legalidade constitucional e ambições dos governantes, não deixa de ser curioso, e talvez irônico, que a aprovação de uma estratégia com metas até 2044 possa servir, ainda que simbolicamente, como argumento para sustentar a continuidade de uma mesma liderança governativa. Essa tensão entre continuidade institucional, ambições dos governantes e a retórica do desenvolvimento "de longo prazo" exige uma leitura crítica do lugar da ENDE dentro do projeto político moçambicano atual. Moçambique não poderá desenvolver-se de forma sustentável sem uma reabilitação econômica e social abrangente. O Desenvolvimento não é apenas crescimento econômico. O Desenvolver implica melhorar a qualidade de vida da população: saúde, educação, acesso à terra, segurança alimentar, não apenas aumentar números macroeconômicos. Muitos dos indicadores que apontam para "crescimento" (como o PIB) escondem desigualdades profundas. Em Moçambique, apesar de anos de crescimento impulsionado por megaprojetos (gás, carvão, hidroeletricidade), a pobreza multidimensional permanece alta, especialmente nas zonas rurais. Moçambique carrega o peso de desigualdade estrutural, colapso de serviços públicos e fragilidade institucional. A exclusão social contínua alimenta tensões e enfraquece o tecido social necessário para qualquer transformação econômica. A Reabilitação social significa: • Investimento em educação de qualidade, • Promoção da equidade de gênero, • Justiça territorial (zonas rurais vs urbanas), • Reconciliação em regiões afetadas por conflitos. Por outro lado, a Economia sem justiça social é instável. A falta de oportunidades reais para a maioria da população torna o crescimento insustentável. A economia moçambicana tem sido altamente extrativista (baseada na exploração de recursos naturais por empresas estrangeiras), sem gerar cadeias de valor locais, empregos decentes ou inclusão produtiva. A reabilitação econômica devia implicar: • Apoiar pequenas e médias empresas, • Investir em agricultura familiar, • Fortalecer mercados internos, • Democratizar o acesso ao crédito e à terra. Ademais, sem justiça, não há paz e sem paz, não há desenvolvimento. Numa sociedade com conflitos armados em Cabo Delgado, tensões políticas e crises de confiança entre o Estado e a população são reflexos de um projeto nacional que precisa de reconfiguração. Neste contexto, a reabilitação social é também reabilitação do contrato social, da confiança nas instituições e da legitimidade do Estado. Concluímos reafirmando que Moçambique está diante de um dilema histórico ao continuar a apostar em modelos de crescimento excludentes e dependentes, em vez de reconfigurar o país com base na reabilitação econômica e social. A segunda via exige coragem política, descentralização real, justiça equitativa, distributiva e valorização das comunidades locais como protagonistas.

2025/12/3