
Paulo Vilanculo"
O Fundo Soberano de Moçambique foi criado com o propósito de gerir de forma estratégica as receitas provenientes da exploração do gás natural, principalmente da Bacia do Rovuma. A sua finalidade principal é garantir estabilidade económica a longo prazo e assegurar que os recursos naturais de hoje beneficiem também as gerações futuras, transformando o gás em investimento produtivo e desenvolvimento sustentável. Em teoria, o fundo deveria funcionar como uma poupança nacional, acumulando reservas, financiando projetos estruturais e protegendo o país das oscilações do mercado internacional.
O recente caso do desvio de 33,6 milhões de dólares, justificado pela Primeira-Ministra Benvida Levy afirmando que o montante “foi aplicado em gastos normais do Estado”, revela mais do que uma defesa política, mas sim, mostra como a finalidade do fundo soberano tem sido distorcida. Ao justificar o gasto de milhões como “normal”, a Primeira-Ministra não apenas normaliza a opacidade, mas legitima a desresponsabilização. É a transformação da má gestão em prática administrativa, um vício político que mina qualquer credibilidade do Estado. Falar de “rotina” num país onde a fome cresce, a juventude está desempregada e a saúde pública agoniza é um insulto à inteligência coletiva, isso, expõe o abismo entre o discurso de governação e a realidade vivida pelas populações moçambicanas
A sociedade moçambicana tem, portanto, o direito e o dever de perguntar: que “gastos normais” são esses que consomem milhões de dólares sem deixar vestígios visíveis de desenvolvimento? Para quem o Estado gasta? Para o povo ou para si próprio? Que normalidade o governo fala, enquanto o povo enfrenta escolas sem carteiras, hospitais sem medicamentos, estradas esburacadas e salários que mal chegam ao fim do mês?
Milhões do gás desaparecem em nome de “gastos normais”, o país continua refém da pobreza, da dependência e da ilusão de progresso. O problema não está apenas no destino do dinheiro, mas na lógica de poder que o sustenta. O Estado, em vez de servir como instrumento do desenvolvimento, tornou-se uma máquina de consumo político onde o “normal” é o privilégio, e o “anormal” é a transparência e transformações. E quando a população questiona, o poder responde com tecnicismos, transformando o desvio em “gestão corrente”. Quando a Primeira-Ministra, Benvida Levy, afirma que o valor foi gasto em “despesas normais do Estado”, reconhece implicitamente que o fundo está a ser tratado como um cofre suplementar do governo, e não como uma reserva soberana intocável. Em vez de garantir o futuro, o fundo corre o risco de alimentar o presente político, um presente que, em vez de investir na população, investe na manutenção do poder.
Ao utilizar recursos do fundo para despesas correntes, o Governo está a transformar uma reserva de soberania num caixa político de conveniência, comprometendo a transparência e a confiança pública e o impacto disso é grave, uma vez que o fundo, que deveria ser um instrumento de independência económica e justiça social, acaba por reforçar a dependência política e a má gestão estatal. Internamente, o país perde capacidade de investir em áreas essenciais como educação, saúde e infraestruturas; externamente, perde credibilidade e confiança junto dos investidores.
O recente episódio em torno do desvio de 33,6 milhões de dólares do Fundo Soberano expôs uma contradição desconfortável dentro do Governo moçambicano. Este desencontro discursivo entre duas figuras centrais do Executivo não é apenas uma diferença de versão técnica, é um reflexo de fissuras internas na governação e de uma crise de transparência na gestão dos recursos públicos. Primeiro, esta contradição revela falta de coordenação e coerência governativa. Um Governo que fala em uníssono apenas quando é para anunciar “êxitos” e que se contradiz quando precisa de explicar irregularidades, demonstra fragilidade institucional e ausência de liderança clara. Segundo, o episódio mostra que o Fundo Soberano está a ser gerido com opacidade. Em termos mais amplos, este embaraço institucional reforça a perceção pública de que o Fundo Soberano está a ser manipulado conforme conveniências políticas, e não de acordo com critérios de boa governação. Terceiro, o contraditório sugere também disputa de legitimidade interna: enquanto o Ministério das Finanças tenta preservar a sua imagem técnica e credibilidade perante organismos internacionais e parceiros económicos, a Primeira-Ministra procura evitar danos políticos, protegendo a imagem do Executivo.
A divergência entre as duas dirigentes simboliza o mesmo dilema que marca o Estado moçambicano: um país que fala de transparência, mas age no escuro; que fala de soberania, mas governa por improviso. Enquanto a Ministra das Finanças admitiu, de forma cautelosa, que o valor não foi aplicado conforme o regulamento previsto, sugerindo irregularidades e falta de clareza na gestão do fundo, tentando resguardar a sua responsabilidade institucional e técnica, reconhecendo implicitamente que houve uso indevido, a a chefe do Governo procura politizar o tema, normalizando o desvio sob a retórica da gestão corrente. Se duas vozes centrais do Governo não conseguem dar uma explicação uniforme sobre a utilização do dinheiro, isso significa que não há transparência suficiente nem controlo eficaz sobre os fluxos financeiros do fundo.
Ora, o Fundo Soberano, nasceu com o objetivo de proteger a economia moçambicana de choques externos, a sua arquitetura prevê que uma parte das receitas do gás seja canalizada para o orçamento do Estado, para despesas públicas, sim, mas a outra parte deve ser reservada, investida e capitalizada, com regras claras de transparência, relatórios regulares e fiscalização independente, isto é, devia funcionar como uma poupança nacional de longo prazo, semelhante ao que fazem países do mundo como a Noruega, Botswana, etc. A finalidade essencial de um fundo soberano é dupla, a de garantir a estabilidade económica e orçamental a longo prazo, evitando que o país se torne dependente das flutuações dos preços internacionais do gás e por outro lado, assegurar que os recursos naturais de hoje beneficiem também as gerações futuras, transformando a riqueza do subsolo em desenvolvimento sustentável e investimento produtivo.
O Fundo Soberano de Moçambique devia ser um símbolo de independência financeira e de justiça intergeracional, portanto, acumular reservas, gerar rendimentos financeiros e financiar investimentos públicos estruturais, devia representar a esperança de uma nova era, um mecanismo capaz de transformar os recursos do gás natural em progresso tangível, sustentabilidade económica e justiça social, como educação, saúde, energia, agricultura e infraestruturas. Mas, ao ser usado para “gastos normais do Estado”, transforma-se numa metáfora daquilo que Moçambique vem enfrentando há décadas, um país rico em potencial, mas pobre em gestão e transparência. Essa prática destrói a confiança pública e anula o propósito original: o fundo deixa de ser garantia de soberania económica para se tornar instrumento de sobrevivência política. E, se isso continuar, o Fundo Soberano deixará de ser o “fundo do povo” para se tornar o fundo da sobrevivência governativa. Assim, em vez de representar segurança para o futuro, o Fundo Soberano corre o risco de se tornar mais um símbolo da fragilidade da governação moçambicana, onde a riqueza nacional serve para sustentar o poder, e não o povo. Conclui-se que o impacto real do Fundo ainda está distante das suas intenções originais, o que se vê é um padrão repetido em que os fundos entram, o discurso muda, os milhões desaparecem.
2025/12/3
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