Moçambique: concessão de fronteiras ou privatização do país em nome do (sub) desenvolvimento?

Paulo Vilanculo"

Em nome do desenvolvimento, sob o argumento da eficiência e da integração regional, a concessão das fronteiras de Machipanda e Cassacatiza é apresentada como uma solução para dinamizar os corredores logísticos e atrair investimento. No entanto, esta medida também pode representar a transferência da autoridade do Estado para mãos privadas estrangeiras. No papel, o projeto parece promissor. Enquanto o Governo fala em progresso, mas, na prática, a concessão de fronteiras, abre debate no dilema entre o desenvolvimento e delegação de soberania e a sociedade precisa compreender: Será desenvolvimento ou delegação de soberania? Até que ponto Moçambique pode continuar a conceder espaços estratégicos em nome do progresso sem comprometer a sua autonomia? Pode o Estado delegar a terceiros o comando das suas próprias fronteiras sem comprometer a soberania? pode um Estado manter-se soberano enquanto entrega se a terceiros a administração das fronteiras? Até que ponto a concessão de fronteiras não representa, paradoxalmente, a terceirização da própria soberania? Como se pode fortalecer o Estado ao mesmo tempo em que se entrega o controlo das suas portas de entrada e saída? Como acreditar na retórica da modernização quando a soberania é tratada como trocado em gabinete? Estará o Estado a concessionar para privatizar ou, de forma mais grave, a vender partes do país?

 

O Executivo anunciou o lançamento de concursos públicos internacionais para a concessão das fronteiras de Machipanda, na província de Manica, e de Cassacatiza, em Tete, em regime de parceria público-privada, abre um novo capítulo na história da gestão do território moçambicano. Segundo o Ministério dos Transportes e Logística, as parcerias público-privadas permitirão melhorar o fluxo de mercadorias, aumentar as receitas e reduzir a dependência de infraestruturas estrangeiras. O discurso oficial fala, em atrair investimento, modernização, estimular a integração e o desenvolvimento regional, bem como melhorar a eficiência de arrecadação fiscal.

Sob o discurso de modernização, fluidez comercial e integração regional, o Estado parece caminhar para uma nova forma de administração, a terceirização da soberania, um projeto que transforma em negócio o que é, na verdade, símbolo da independência e da autoridade nacional. Não se discute a necessidade de modernizar. Modernizar as fronteiras é urgente, disso ninguém duvida e ninguém nega a importância de novas infraestruturas, mas o que preocupa é o modelo de modernização que se pretende adotar. O perigo não está na ideia de modernização, mas na natureza das concessões. O problema está em como e com quem se moderniza. Modernizar as fronteiras é um imperativo, mas privatizá-las é um ato de renúncia. Moçambique precisa de modernizar, sim, mas não à custa da sua soberania, não pode significar vender o país por partes. Portanto, o que está em causa não é apenas a eficiência operacional, mas sim a soberania sobre o próprio território.

As Alfândegas em Moçambique já passaram num processo de reforma de Bretton Woods (Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional) nos meados da década de 80. Em seguida em 1996, pela firma britânica Crown Agents com objectivo de uma melhoria na colecta de receitas para o Governo “comércio legítimo” e teve o suporte financeiro do Departmento para o Desenvolvimento Internacional do Reino Unido International (DFID), do Banco Mundial, do Fundo Monetário International. Em 2001, a gestão das Alfândegas começou a ser gradualmente devolvida para mãos moçambicanas na altura da transição da gestão, a então Ministra das Finanças, Luisa Diogo. No dia 5 de Julho de 2006, Moçambique ficou com as Alfândegas, na ocasião, o Ministro das Finanças, Manuel Chang, disse que “hoje tempos um serviço de Alfândegas moderno”.

Experiências em Moçambique mostram que muitos projetos realizados “em nome do desenvolvimento” acabam por se converter em portas giratórias de corrupção, clientelismo e dependência externa. Portos, portagens e estradas tem mostrado lições amargas sobre o preço de “atrair o desenvolvimento” sem garantir o controlo nacional e em muitos desses casos, o país sai mais dependente do que desenvolvido em contratos pouco transparentes, lucros desiguais e um controlo cada vez mais reduzido sobre os próprios recursos. Quem garante que, daqui a alguns anos, os moçambicanos não terão de “pagar” para atravessar a própria fronteira, como já acontece nas portagens e outros serviços públicos concessionados?

Quando o país começa a vender os seus portões, é sinal de que a casa já está à venda. Uma fronteira não é uma simples instalação logística, ela é um símbolo vivo da independência, um espaço onde o Estado se afirma como Estado e pulso da soberania nacional. Ao privatizar o controlo das fronteiras, o Estado não apenas terceiriza a gestão de infraestruturas é terceirizar parte da sua autoridade política. Ao colocá-las sob concessão privada, o Estado assume o risco de transformar a soberania em simples cláusula contratual, sujeita às lógicas de rentabilidade e aos interesses de investidores, na prática, o Estado está a transferir o controlo de espaços de decisão soberana para operadores privados, em troca do fluxo de entrada e saída do país

O desenvolvimento não pode ser confundido com entrega de funções soberanas. O desenvolvimento não significa sacrificar as fronteiras, nenhum país é realmente moderno se não possui autoridade sobre o seu próprio território. Uma nação pode ter portos modernos, estradas asfaltadas e fronteiras digitalizadas, mas, se o comando estiver nas mãos de terceiros, o brilho do progresso pode esconder o preço da dependência, ou por outra, quem controla as portas do território, controla também o fluxo da economia e a segurança do país.

O modelo de parcerias público-privadas, tantas vezes apresentado como solução para a falta de recursos, tem se mostrado em Moçambique um campo fértil para contratos opacos, dependência económica e perda de autonomia institucional. Entende se que o desafio não é apenas técnico, mas profundamente político, mas a história politica moçambicana ensina que a perda de soberania raramente acontece de forma abrupta; ela vem em nome do progresso, justificada por palavras bonitas como “parceria”, “eficiência” e “integração”. Porém, a verdadeira integração regional não se constrói com portões terceirizados, mas com instituições fortes, políticas transparentes e soberania consciente. O verdadeiro desafio de Moçambique é modernizar sim, mas sem se submeter, crescer sem depender, integrar-se sem se dissolver. Modernizar é legítimo; ceder o controlo é perigoso. Caso contrário, a modernização prometida pode tornar-se na forma mais elegante de dependência, onde a bandeira continuará hasteada e o Estado tornar-se-á mero gestor de contratos, e não guardião do território e soberania nacional.

 

2025/12/3