Paulo Vilanculo "
Moçambique chegou aos 50 anos de independência carregando o peso simbólico de uma nação que, apesar dos inúmeros discursos sobre progresso e unidade, continua à deriva como uma bússola que gira em círculos, incapaz de encontrar o norte da prosperidade. Este ensaio analisa as contradições de um Estado que se pretende moderno, mas opera sob lógicas antiquadas, clientelistas e profundamente desiguais, onde a promessa de liberdade e bem-estar ainda não encontrou o seu verdadeiro destino. Propõe uma leitura crítica do percurso de Moçambique após meio século de independência, partindo da analogia da bússola sem norte como símbolo da fragmentação do projeto nacional. Onde estão os hospitais distritais de referência? Onde afundou-se a educação e formação do homem novo? Onde jazem as zonas industriais e agrícolas reabilitadas? A reflexão que se impõe não é apenas sobre o que falhou, mas sobretudo: como reencontrar o norte perdido? O país, que em 1975 ergueu o punho contra o colonialismo com promessas de liberdade, igualdade e progresso, parece hoje navegar num mar revolto, munido de uma bússola que perdeu o seu norte. São cinco décadas depois da conquista da independência, Moçambique continua à procura do seu rumo. O percurso histórico do país marcado por sobressaltos de má governação que se desviou dos trilhos do desenvolvimento num futuro hipotecado pela inércia de cada novo governo reeditando discursos esperançosos e planos ambiciosos, mas na prática redonda a um Estado que insiste em caminhar às cegas, sem diagnóstico profundo dos seus problemas estruturais. As estradas abundantemente esburacadas, as escolas sem professores, os centros de saúde sem medicamentos, contrastam de forma gritante com os edifícios governamentais cada vez mais sofisticados, os carros de luxo do aparelho de Estado e os projetos de vitrine que pouco dialogam com o cotidiano do cidadão comum. No campo da educação e da saúde, os desafios são ainda estruturais. Escolas sem carteiras, professores mal pagos, hospitais sem medicamentos e quadros médicos sobrecarregados. A juventude, que representa mais de 60% da população, encontra-se num limbo entre a escolarização precária e o desemprego crónico. A fuga de cérebros para o exterior ou para o mercado informal torna-se o único escape possível. O terrorismo em Cabo Delgado que aprisionada a zona norte do país num conflito armado e sangrento que já provocou milhares de mortos e deslocados, não parece apenas um fenómeno militar, mas o reflexo de décadas de exclusão e abandono estatal que expõe o fracasso do Estado em garantir segurança e inclusão para todos os seus cidadãos. O país, abundante em recursos naturais, como o gás, carvão, rubis, terras férteis e costa marítima estratégica, continua a figurar entre os mais pobres do mundo, num paradoxo que incomoda e desafia qualquer racionalidade económica. O caminho para o desenvolvimento social, económico e institucional permanece enevoado, não por falta de recursos ou capacidade humana, mas pela ausência de um rumo claro, coletivo e justo. Os cíclicos rombos financeiros e o escândalo das dívidas ocultas, inflacionaram os indicadores sociais e económicos de pobreza multidimensional persistente, desigualdades regionais agravadas, corrupção endémica, frágil coesão nacional e lançaram sucessivas pedras no caminho de uma nação que nunca teve tempo suficiente para curar suas próprias feridas. O Estado, em muita das vezes, revela-se ausente refém de redes de clientelismo e patrimonialismo político à luz de caos emblemáticos de decisões políticas controversas, com fragilidades das instituições, da centralização das decisões, e o apagamento do papel da Assembleia da República contribuíram para o desvio do país do foco da igualdade e da justiça social, equidade e desenvolvimento sustentável num multipartidarismo monocrático sem reformas institucionais profundas, onde os partidos vagueiam entre os discursos de renovação mas com práticas de conservação, gravemente assinalada pela oposição, dividida e por vezes descredibilizada, enfrentando campos políticos desiguais, onde processos eleitorais são frequentemente contestados e os mecanismos de justiça e fiscalização funcionam sob forte influência do executivo. O sonho de Samora Machel, de uma “terra livre e de homens livres”, esbate-se hoje diante de incertezas. A Constituição que consagra liberdades fundamentais do espaço cívico é cada vez mais limitado. A promessa da descentralização transformou-se em um jogo de aparências, onde o poder real continua centralizado nas elites político-partidárias. A política continua a girar em torno da partidarização do Estado. A prosperidade, longe de ser um direito partilhado, tornou-se um privilégio restrito. A pobreza continua a assolar milhões, a exclusão social aprofunda-se nas zonas rurais e periféricas, e as oportunidades concentram-se cada vez mais nas mãos de uma elite política e económica. Nesta trajetória, o país parece mover-se sem orientação coletiva, verga entre simbolismos de modernização e realidades de abandono absoluto. A metáfora da "bússola sem norte" revela um país com potencial abundante, mas refém de escolhas políticas erráticas, prioridades invertidas e um modelo de governação centralizado, desconectado das urgências reais da população, justamente quando vemos que o era para ser uma democracia participativa transformou-se, em muitos aspetos, num sistema de comando vertical, onde grandes decisões de impacto nacional, tomada com base em vontades pessoais, e não em processos participativos. Aos 50 anos, Moçambique não se precisa apenas de se celebrar, precisa-se sim, urgentemente, de um reencontrar, de refazer a bússola moral, social, institucional, politico e económica. Precisa-se de um reatar o contrato social entre governantes e governados, de pôr fim à cultura da impunidade e resgatar o sentido do bem comum. Precisa se bastante de um reimaginar do norte onde a prosperidade não seja privilégio para alguns, mas um direito comum, em que o Estado sirva verdadeiramente ao povo, e não o contrário.2025/12/3
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