Laos, nova ilha de Açores da escravatura contemporânea dos pobres moçambicanos

Paulo Vilanculo "

A recente descoberta de redes de tráfico humano envolvendo jovens moçambicanos levados para o Laos, sob falsas promessas de emprego, expõe uma nova e dolorosa forma de escravidão moderna. Submetidos a condições degradantes e privados de liberdade, esses jovens vivem hoje uma realidade de exploração que evoca os fantasmas do passado colonial. Este artigo traça um paralelo histórico com a deportação de Ngungunhane para os Açores, símbolo do apagamento político e da repressão colonial portuguesa, questionando se Laos se tornou o novo entreposto de submissão africana do século XXI, entre a vulnerabilidade social e a ironia institucional moçambicana sobre a tragédia que revela o fracasso das políticas nacionais de proteção da juventude e a persistência de sistemas globais de opressão. Qual é a missão da nossa geração diante da nova escravidão juvenil moçambicana por falta de substência e emprego?

 

A ilha dos Açores, localizada no Atlântico Norte e pertencente a Portugal, teve um papel histórico silencioso mas significativo no processo de repressão colonial portuguesa, para a resistência moçambicana no final do século XIX, incluindo na história de resistência do último imperador de Gaza, Ngungunhane, em Moçambique. Após a queda do Império de Gaza e a captura de Ngungunhane, pelas forças coloniais portuguesas lideradas por Mouzinho de Albuquerque, o líder africano foi deportado para Angra, ilha Terceira, nos Açores como troféu de guerra, exibido como símbolo da “missão civilizadora” europeia, onde permaneceu até sua morte em 1906. Os Açores, tradicionalmente vistos como ponto de escala no comércio atlântico, foram neste contexto transformados num espaço de exílio político para líderes colonizados. O Império Português usou o arquipélago como um “cemitério político”, para apagar a presença, liderança e resistência de figuras que encarnavam a soberania africana, uma estratégia colonial de silenciamento e humilhação, com o objetivo de quebrar o espírito de resistência africano e apagar sua memória como símbolo de soberania africana. O arquipélago tornou-se símbolo de um “cemitério de lideranças africanas”, onde figuras incómodas eram escondidas da vista dos seus povos.

Para Moçambique, Açores tornou-se o símbolo da humilhação colonial, da neutralização do inimigo africano e da repressão à memória histórica. Portanto, a ilha dos Açores representa, na história de Moçambique, o lugar do exílio forçado, da derrota simbólica imposta pelo colonizador e do início de uma nova fase da dominação imperial direta sobre os povos moçambicanos. O caso, embora não seja o primeiro envolvendo tráfico humano, representa uma dolorosa repetição histórica e, evoca paralelos sombrios com os séculos de escravatura e dominação colonial, onde Açores serviram como entreposto e prisão simbólica do orgulho africano. Essa memória histórica ecoa fortemente quando hoje se fala de jovens moçambicanos enviados para lugares distantes, como Laos, onde são escravizados, isolados e esquecidos, numa nova forma de exílio involuntário e servidão moderna.

Se antes os navios da escravatura cruzavam o Atlântico, agora são os voos comerciais e as redes digitais que fazem o tráfico. Hoje, Laos parece ocupar esse mesmo lugar: um novo entreposto onde os corpos africanos são novamente reduzidos à condição de mercadoria. Parte superior do formulário

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Nos últimos meses, Moçambique tem sido abalado por revelações perturbadoras: dezenas de jovens moçambicanos têm sido aliciados por falsas promessas de emprego no Sudeste Asiático e acabam vítimas de uma nova forma de escravatura moderna em Laos. Em Maio de 2025, afirmava se que pelo menos 115 moçambicanos se encontravam em situação de trabalho forçado em Laos, privados de liberdade e sujeitos a condições degradantes. Muitos foram recrutados por redes transnacionais de tráfico humano, aliciados com promessas de empregos na Ásia. Em Tailândia, “os jovens estavam a ser usados como mão de obra com cheiro a fraudes e escravatura sob constante vigilância armada e sem possibilidade de contacto com o exterior” (DW, 2025). Os relatos das vítimas são chocantes. Segundo um dos jovens resgatados, cujos dados foram preservados por razões de segurança, “tiraram-nos os passaportes, trancaram-nos num edifício e disseram que devíamos trabalhar para pagar a dívida da viagem. Quem recusava era espancado ou ameaçado com armas”. Trata-se de um esquema que mistura tráfico de seres humanos, exploração laboral e crimes cibernéticos.

O caso expõe falhas graves no controlo migratório, na proteção consular e no sistema de aliciamento digital, que se aproveita da vulnerabilidade socioeconómica de milhares de jovens moçambicanos. Num país onde o desemprego juvenil ultrapassa os 30%, e onde as perspectivas internas de inclusão produtiva são escassas, promessas de "emprego no estrangeiro" tornam-se iscas fáceis. A “emigração forçada não é só um problema de segurança; é o sintoma do fracasso das políticas de desenvolvimento e inclusão social” (O País, 2024). A analogia com os Açores ajuda a compreender que, embora os métodos mudem, os mecanismos de opressão e dominação sobre corpos moçambicanos continuam a atravessar o tempo e a geografia. Os Açores e o exílio de Ngungunhane como metáfora da submissão da dor que hoje se vê em Laos tem ressonâncias históricas. Enquanto jovens continuam a desaparecer dos bairros suburbanos em busca de promessas ilusórias de progresso, permanece a responsabilidade de um Estado que se diz soberano, mas incapaz de proteger seus filhos.

2025/12/3