Justiça moçambicana: acusação de VM7, criminalização da democracia e canonização de um mártir

Paulo Vilanculo"

O direito democrático é o alicerce fundamental de qualquer Estado de Direito que se afirma como pluralista e participativo. Ele garante ao cidadão não apenas o direito de votar e ser votado, mas também a liberdade de expressão, de associação política, de manifestação pacífica e, acima de tudo, o direito de discordar e de propor alternativas ao poder instituído. Em sua essência, o direito democrático significa a possibilidade de participação ativa na vida política da nação, sem medo de retaliações, perseguições nem censura. Diante disso, cabe levantar uma questão crucial: qual é o papel da justiça moçambicana neste processo? Quando os tribunais se tornam cúmplices da perseguição política, deixam de ser guardiões da Constituição e tornam-se instrumentos da sua violação. Que tipo de magistrados aceitariam participar de expedientes políticos mascarados de legalidade, colocam em risco a confiança da sociedade na imparcialidade da justiça que comprometem os alicerces do Estado democrático em Moçambique? A justiça moçambicana está diante de um teste histórico, em que, ou se assume como instrumento de garantia dos direitos e liberdades dos cidadãos, ou passará a ser usada como uma ferramenta de eliminação do dissenso político. Num país que se autoproclama democrático, onde a Constituição garante o pluralismo político e o direito à oposição, o recente cenário político-judicial em Moçambique parece caminhar na direção contrária. Apesar da separação formal de poderes consagrada na Constituição, a prática revela uma justiça subordinada, intimidada ou cooptada. Quando magistrados, procuradores e juízes se autocensuram, agem sob orientação política ou hesitam em responsabilizar os poderosos, confirma-se a ausência de independência judicial real, o que equivale a dizer que a democracia está em perigo. Os últimos acontecimentos envolvendo o principal líder da oposição, Venâncio Mondlane, são um reflexo preocupante de uma tendência crescente, a utilização do aparelho judicial como instrumento de repressão política, silenciamento das vozes dissidentes e criminalização do exercício democrático da cidadania. Quando o sistema judicial se transforma num braço repressivo do partido no poder, desaparecem as garantias de justiça imparcial, e isso corrói a confiança nas instituições; o Estado de Direito e os direitos civis e políticos dos cidadãos. Este tipo de estratégia é quase novo na história política de Moçambique. Governos com tendências autoritárias muitas vezes se utilizam das instituições estatais, polícia, tribunais, procuradorias, para manter o controlo absoluto do espaço político. A diferença, no entanto, é que hoje isso se dá sob um verniz legalista que busca, de forma dissimulada, legitimar ações que ferem o Estado de Direito. Essas criminalizações configuram-se como um atentado direto contra os pilares do regime democrático em Moçambique e funcionam, na prática, como um mecanismo de bloqueio ao retorno do pluralismo político conquistado após o fim do monopartidarismo. Quando esse direito é ameaçado ou criminalizado, o próprio conceito de democracia entra em colapso, e o Estado corre o risco de degenerar-se num sistema autoritário disfarçado de legalidade. Mondlane, vem sendo alvo de acusações que alegam a prática de crimes contra o Estado e contra a sociedade moçambicana. O que se se percebe nos bastidores, mais do que provas substanciais ou fundamentos jurídicos sólidos, é uma clara tentativa de desgastar a sua imagem pública, fragilizar a sua presença no debate político nacional e impedir a consolidação de uma alternativa real ao poder vigente. O caso de Mondlane, neste sentido, representa mais do que um ataque a um indivíduo, mas, sim, é um ataque simbólico à própria ideia de alternância democrática e ao direito do povo de escolher livremente os seus representantes. Portanto, não se trata apenas de perseguição a indivíduos, mas de um processo gradual de esvaziamento da democracia em Moçambique, onde o pluralismo político é tolerado apenas no discurso, mas combatido na prática. Ao perseguir judicialmente opositores democraticamente eleitos, como Venâncio Mondlane, sem base legal sólida e com motivações evidentemente políticas, o Estado moçambicano mina os princípios essenciais da democracia, que são: a alternância no poder; o respeito à vontade popular expressa nas urnas e a existência de oposição legítima e livre. As acusações a Mondlane, longe de parecerem preocupações legítimas com a segurança nacional, soam como um aviso a quem ouse desafiar o poder, mesmo estando dentro dos marcos da legalidade democrática. A defesa do direito à oposição, à crítica e à diferença é a essência de qualquer democracia funcional. Criminalizar Mondlane hoje é, na prática, criminalizar o direito de todo cidadão moçambicano de discordar, organizar-se politicamente e lutar por uma alternativa. O Procurador da República no Ministério Público, deveria ter a função principal de defender a legalidade democrática, fiscalizar o cumprimento da lei e representar o Estado na justiça. A sua grande missão é da manutenção da justiça, paz, harmonia e imparcialidade da justiça deviam atuar com total independência, mesmo perante o poder político, assegurando que as leis sejam aplicadas sem discriminação ou perseguição. Cabe-lhe investigar e responsabilizar atos do combater o abuso de poder, abuso de autoridade e outras práticas que comprometam a boa governação, proteger os direitos fundamentais dos cidadãos, impedindo o uso do sistema de justiça para reprimir adversários políticos ou limitar liberdades civis e por outro lado, devia promover a coesão social, atuando com justiça e transparência, ajuda a restaurar a confiança nas instituições públicas e na justiça, contribuindo para a estabilidade social e política. A missão do Procurador da República e do Provedor da Justiça são pilares cruciais na manutenção da justiça, paz e harmonia política e social num Estado de Direito como Moçambique. Tanto o Procurador da República como o Provedor da Justiça deviam ser atores imparciais e corajosos na defesa da legalidade, da equidade e dos direitos dos cidadãos. Ao intervirem em casos de injustiça, arbitrariedade ou violação de direitos, em suma o Provedor contribui diretamente para a paz e estabilidade social. O silêncio, a omissão ou a submissão destes agentes frente a perseguições políticas, corrupção ou injustiças constitui uma traição ao seu mandato constitucional e compromete seriamente a paz, a confiança pública e a harmonia política em Moçambique. Quando a justiça fecha os olhos à perseguição política, ignora violações de direitos fundamentais, e atua apenas para proteger os interesses do poder vigente, transforma-se em cúmplice ativa de um projeto autoritário. Essa cumplicidade não é apenas silenciosa, mas operacional: processos são abertos contra opositores com base em argumentos frágeis, enquanto os crimes de corrupção e má governação dentro do partido no poder permanecem intocáveis. A justiça deve ser o último refúgio do cidadão contra a arbitrariedade. Quando esse refúgio é contaminado pela seletividade política, mina-se a confiança pública nas instituições e abre-se espaço para a desobediência civil, o ressentimento social e até o colapso da ordem democrática. A justiça perde o seu caráter sagrado de equilíbrio e transforma-se num instrumento de guerra política. A justiça moçambicana, ao invés de ser guardiã da paz e da democracia, está a ser usada como arma de eliminação política, o que configura uma violação grave dos fundamentos constitucionais. A sociedade civil, os académicos, a imprensa e os movimentos de base não podem calar-se. Ainda que Moçambique se afirme formalmente como um Estado multipartidário, tais ações revelam uma tentativa velada de restabelecer o monopartidarismo na prática, onde só uma força política tem espaço real para governar, decidir e ocupar o poder, enquanto as demais são neutralizadas, ridicularizadas ou criminalizadas.

2025/12/3