
Paulo Vilanculo"
Enquanto o Governo Central hesita, se justifica e remete responsabilidades para constrangimentos orçamentais, duas autarquias moçambicanas decidiram agir. As autarquias de Nampula e da Beira, apesar de operarem fora da máquina pesada do Estado central, anunciaram o pagamento do 13º salário aos seus funcionários, reafirmando um direito laboral que, paradoxalmente, tem sido tratado como favor político pelo próprio Governo. Como explicar que municípios com orçamentos limitados consigam cumprir direitos laborais, enquanto o Governo Central, com acesso a impostos nacionais e financiamentos internacionais, falha no essencial? A descentralização ameaça o Estado ou ameaça apenas a concentração do poder?
O 13º salário em Moçambique não é uma benesse ocasional. Trata-se de um direito historicamente consolidado na função pública e no setor formal, associado à previsibilidade orçamental e à justiça social. No fundo, o debate sobre o 13º salário ultrapassa a questão financeira. Trata-se de respeito aos direitos adquiridos, de coerência governativa e de responsabilidade social. Se autarquias conseguem cumprir, o Governo Central já não pode esconder-se atrás do discurso da crise permanente. Ao não garantir o 13º salário, o Governo empurra milhares de famílias para maior vulnerabilidade económica, especialmente em períodos festivos, onde as despesas aumentam e a pressão social se intensifica.
O anúncio destas autarquias não é apenas um ato administrativo; é um gesto político e social carregado de simbolismo. Quando o poder local consegue cumprir obrigações laborais básicas que o centro não cumpre, evidencia-se que o problema não é apenas financeiro, mas de gestão e de prioridades. Mais do que superar o Governo, estas autarquias desnudam um problema estrutural: a desconexão entre o Estado central e a realidade social dos seus funcionários. As autarquias demonstram que a questão central não é apenas falta de recursos, mas priorização política.
Num contexto de crise económica, aumento do custo de vida e degradação do poder de compra, onde o Governo Central privilegia gastos opacos, viagens protocolares, estruturas redundantes e discursos triunfalistas, as autarquias optam por colocar o trabalhador no centro da governação. Quando o Estado falha em honrá-lo, não falha apenas financeiramente; falha moral e politicamente. Falha na confiança que estabelece com os seus próprios trabalhadores. É uma lição silenciosa, mas contundente, de governação responsável, o 13º salário deixa de ser um mero complemento financeiro e passa a ser um instrumento mínimo de dignidade laboral. A crise, afinal, parece ser menos económica e mais política.
No contexto moçambicano, onde o Estado central historicamente concentra decisões, recursos e prioridades, a experiência das autarquias demonstra que a descentralização não só vale a pena como se revela indispensável para uma governação eficaz e socialmente sensível. O debate sobre a descentralização em Moçambique deixou de ser técnico e tornou-se profundamente político e social. Sempre que as autarquias demonstram capacidade de governação, pagando salários, garantindo serviços básicos ou respondendo a crises sociais no poder central que-se sente desconfortável. Essa proximidade gera tensão política, mas também gera democracia viva. O poder central, muitas vezes é abstrato e distante, o poder local é palpável. Ao contrário, o poder central, diluído em ministérios, direções nacionais e discursos genéricos, o poder local tem rosto, nome e endereço.
Politicamente, a descentralização expõe uma contradição estrutural: o medo de perder controlo. A descentralização administrativa e política não é apenas um modelo de organização do Estado; é uma opção estratégica de governação que aproxima o poder do cidadão, reduz assimetrias e aumenta a responsabilização dos gestores públicos. A descentralização permite uma leitura mais realista das necessidades locais. As autarquias vivem o quotidiano dos seus munícipes e trabalhadores, conhecem as fragilidades económicas, as dinâmicas sociais e as urgências concretas. A descentralização reforça a responsabilização política direta. A descentralização também fortalece a democracia substantiva, indo além do voto periódico. A descentralização contribui para a estabilidade institucional e coesão nacional. Socialmente, a descentralização tem produzido um efeito claro: aproxima o poder do cidadão. Onde há cobrança direta, há governação mais cautelosa.
Autarquias bem geridas tornam-se vitrines alternativas de governação, quebrando o monopólio do discurso de competência estatal. Ao permitir que diferentes territórios encontrem soluções próprias dentro do quadro constitucional, reduz-se o sentimento de exclusão e marginalização histórica. Ao aproximar o cidadão dos processos decisórios, cria-se espaço para participação, fiscalização e pressão social contínua. Essa proximidade traduz-se em decisões mais rápidas e ajustadas, como a priorização do pagamento do 13º salário, que o Governo Central, distante e burocratizado, tende a tratar como problema macroeconómico abstrato.
A experiência das autarquias moçambicanas, como Nampula e Beira, mostra que descentralizar não significa fragilizar o Estado, mas redistribuir inteligência governativa. Quando o poder é partilhado, a governação torna-se mais próxima, mais responsável e mais eficaz. Há também um debate social profundo sobre dignidade e justiça. Para o trabalhador municipal, o pagamento do 13º salário não é ideologia. Quando o direito é garantido localmente e negado nacionalmente, o cidadão comum percebe que o problema não é falta de recursos, mas falta de vontade política e de prioridades sociais claras.
O gesto de Nampula e Beira também desmonta o argumento recorrente de que a descentralização fragiliza o Estado. Pelo contrário, demonstra que a governação local, quando comprometida com o interesse público, pode ser mais eficiente, mais humana e mais sensível às necessidades concretas da população trabalhadora. O caso das autarquias que superam o Governo Central em matérias sociais básicas reacende uma discussão inevitável: queremos um Estado que manda ou um Estado que serve, visto que a descentralização aponta para um Estado que serve. Não como solução milagrosa, mas como correção necessária de um modelo centralista esgotado. No fim, o debate não é sobre mapas administrativos ou competências legais. É sobre poder, democracia e dignidade. E, nesse debate que, a descentralização deixa de ser uma promessa constitucional para tornar-se uma exigência social.
2025/12/3
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