Paulo Vilanculo"
A recente nomeação dos conselheiros para a área da Defesa e Segurança pelo Presidente da República reacendeu velhas inquietações sobre os critérios de composição dos órgãos estratégicos do Estado. À sombra do poder, figuras historicamente vinculadas à elite política voltam a ganhar protagonismo, mesmo quando a sua relevância operacional ou capacidade física já não dialoga com os desafios contemporâneos da governação. Em vez de um órgão de consulta ativa, temos um círculo de eco, onde o maior critério de seleção não é o conhecimento ou a visão de segurança, mas a confiança política e a docilidade institucional. Num contexto em que o país enfrenta desafios complexos, desde o terrorismo em Cabo Delgado, passando pela criminalidade urbana, até à necessidade urgente de reformas nas forças de defesa e segurança, a manutenção de um conselho com membros que já serviram várias gerações de presidentes levanta preocupações legítimas. Medo da contenção de riscos e vigilância sobre figuras com passado militar ou inteligência? Onde estão os quadros jovens, tecnicamente capacitados, mas sistematicamente excluídos do centro de decisão? Sempre continuaremos na reciclagem do passado ou para uma renovação verdadeira? Qual o contributo prático que este passado pode oferecer? Na cerimónia palaciana, realizada com o habitual cerimonial rígido e silêncios eloquentes, para além dos ministros da Defesa e do Interior, cujas presenças são institucionais, destacou-se a reintegração de um antigo ministro da Defesa que é de gabarito conhecedor das nuances militares, embora não tenham evidenciados frutos palpáveis de pacificação militar durante a era da sua governação, agora foi chamado de volta às fileiras do conselho como se o tempo não tivesse passado. Curiosamente, outros empossados, figuras de inegável peso histórico, mas com avançada idade, deslocaram-se apoiados em bengalas, simbolizando talvez não apenas a fragilidade física, mas a insistência de um sistema que se recusa a renovar-se. A composição do Conselho de Segurança ilustra um fenómeno ciclicamente que se repete, uma rotatividade dentro de um mesmo grupo hegemónico, os chamados “camaradas de berço dourado”. O poder, ao invés de serviço transitório, tende a ser tratado como direito hereditário ou vitalício, em que o mérito e a visão estratégica cedem espaço às fidelidades e às nostalgias das glórias passadas. O simbolismo é tão forte em que, a segurança da nação fica confiada a homens que mal disfarçam as suas limitações. Assim, o futuro parece prisioneiro do passado, e a segurança nacional torna-se assim uma questão não apenas de armas e estratégias, mas de coragem política para romper com o ciclo da estagnação. Em vez de um conselho de defesa da soberania nacional, o que se vê é um círculo de auto-proteção de uma elite desgastada, mais preocupada com a eternização do seu legado do que com a modernização. A exclusão de outros ministros ou estrategas da reserva dos pelouros da Defesa e do Interior no novo Conselho de Segurança pode refletir um movimento político calculado, e há várias razões possíveis, que se entrelaçam entre interesses de poder, lealdade política e gestão de riscos internos. Os adidos e diplomatas, por exemplo, conhecem os bastidores da geopolítica, os desafios e fragilidades dos Estados no xadrez internacional. São, por vezes, testemunhas de decisões, acordos ou negociatas que nunca vieram a público. Convidá-los para um conselho estratégico seria dar voz a quem pode descredibilizar a narrativa oficial, trazendo à tona contradições do Estado ou da atuação militar, especialmente em zonas como Cabo Delgado. Alguns estrategas da reserva também são altamente conhecedores dos bastidores do poder, ex-militares, antigos chefes de inteligência, ou especialistas formados em academias do antigo bloco soviético. O governo talvez não quis confiar plenamente em muitos dos quadros da reserva temer alianças paralelas, ambições futuras ou relações duvidosas com fações internas, num regime onde a estabilidade do poder pessoal está acima da lógica técnica, a confiança é mais importante que a competência. Melhor cercar-se de leais, mesmo que sejam inoperantes, do que correr o risco de dar voz a vozes com pensamento próprio ou talvez controverso. O seu retorno ao Conselho poderia representar um risco de sombra, pois muitos possuem informação sensível, influência nos bastidores ou redes informais que podem desafiar o controlo direto, tornando se vital, evitar, incluí-los e blindar-se contra potenciais dissidências internas contra manipulações silenciosas. Por outro lado, a ruptura entre a academia e o poder no fosso entre o saber académico e a governação é visível. O Estado raramente consulta universidades, centros de pesquisa ou académicos independentes para pensar a segurança nacional, a política externa ou a defesa. Os académicos são vistos como “teóricos desconectados” ou mesmo como elementos potencialmente subversivos, principalmente com alguma autonomia intelectual ou vínculos com organizações internacionais. Os académicos e diplomatas trazem consigo visões mais analíticas, baseadas em evidências da doutrina internacional e reflexão estratégica, o que muitas vezes entra em choque com as decisões político-partidárias baseadas em fidelidade, emoção ou conveniência do momento. A sua presença poderia significar questionamento das ordens do poder, algo que regimes autoritários ou centralizadores evitam a todo custo. Assim, o pensamento crítico e tecnicamente fundamentado é evitado, ou, é melhor não ouvir quem pode pensar diferente, mesmo que esse pensamento seja construtivo. A não inclusão de académicos, diplomatas e adidos experientes evita o risco de criar um conselho verdadeiramente estratégico porque daria ao Conselho de Segurança uma densidade técnica e institucional real, capaz de propor reformas sérias, planos modernos e até pressionar o Presidente por uma atuação transparente. Isso é tudo o que o poder não deseja num órgão que deveria, aos seus olhos, ratificar decisões e não aconselhar com independência. O conselho, portanto, não pode ser estratégico demais, tem de ser controlável, parece preferir um ambiente de consenso passivo, onde os conselheiros dizem “sim senhor”, do que um ambiente onde se questiona, propõe ou confronta decisões do poder. O Conselho não foi montado sob a lógica de mérito técnico ou experiência internacional, não se trata de selecionar os melhores cérebros da Defesa ou Relações Internacionais, mas sim de premiar camaradas fiéis, o prestígio simbólico e fidelidade política, preservar e garantir silêncio institucional. O foco de manutenção de um Conselho de Segurança simbólico, não operacional pode ser pensado não para ser um órgão técnico-estratégico eficaz, mas sim um círculo restrito de validação de um objetivo político do que funcional, de conselheiros para consagração: legitimar decisões com o aval de veteranos fiéis, e não fomentar debate estratégico ou reformas profundas. Um coro de aliados que repitam a cartilha, e não de vozes experientes que, por serem livres ou lúcidas, possam abalar os alicerces de um poder já envelhecido na forma e no pensamento. Ao integrar figuras simbólicas mesmo de bengala, pode se estar a pagar dívidas políticas internas, ou a cumprir uma espécie de protocolo não escrito de honra e reconhecimento a veteranos, evitando tensões dentro da ala histórica da recompensa a camaradas históricos do berço político. A nomeação de conselheiros assim, longe de reforçar a confiança pública, suscita a sensação de que o poder continua a ser tratado como herança dinástica e que os mecanismos de segurança se confundem com os mecanismos de manutenção do próprio poder. É uma forma de dizer: “não esquecemos de vocês”, mesmo que o país siga atolado em insegurança.2025/12/3
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