Casamento da TV Sucesso com Governo para upar “tocha de unidade nacional”: ópio para adormecimento dos moçambicanos

Paulo Vilanculo "

Moçambique atravessa um período de crise governativa, marcado por manifestações pós-eleitorais, crescente desemprego, tensão social e frustrações coletivas. Diante dessa conjuntura, observa-se o fortalecimento de uma estratégia estatal de distração popular, simbolizada pela “tocha da unidade nacional” e agora amplamente embalada e difundida pelo canal televisivo TV Sucesso através do seu programa “Moçambique em concerto”. Este artigo propõe uma leitura crítica da atuação dessa emissora como agente de silenciamento simbólico, à luz das teorias da ideologia e do espetáculo, questionando se a TV Sucesso estaria a desempenhar o papel contemporâneo de “ópio do povo”. O programa Moçambique em concerto da TV sucesso estaria a cumprir um papel de entretenimento inocente ou, ao contrário, agindo como instrumento de manipulação ideológica, desviando o olhar popular da verdadeira crise nacional? A TV Sucesso precisa ser questionada em seu papel atual: é um canal de televisão ou um instrumento do poder para perpetuar o sono da razão?

Moçambique vive um dos períodos mais tensos e incertos da sua história recente. As eleições contestadas, marcadas por denúncias de fraude, acenderam o rastilho da instabilidade. O desemprego juvenil, a pobreza persistente e o desencanto com as instituições agravaram ainda mais o sentimento de desamparo generalizado. Desde então, o país tem assistido a manifestações, repressões, mortes silenciadas e um aumento crescente do desemprego, especialmente entre os jovens. As ruas tornaram-se o palco da revolta, mas também da esperança. Contudo, à medida que as vozes se levantam, o poder aperfeiçoa os seus mecanismos de contenção nem sempre pelas armas, mas pelos ecrãs. No entanto, ao invés de enfrentamento aberto dessas questões nos espaços mediáticos, o que se viu foi a propagação de um discurso de “paz” e “unidade”, simbolizado pela chamada “tocha da unidade nacional”.

Fundada com uma linha editorial centrada no entretenimento, a TV Sucesso transformou-se, nos últimos dias, do que um canal de lazer e tornou se um aparelho de moldagem da percepção coletiva, servindo-se de conteúdos estrategicamente orientados para desviar a atenção dos verdadeiros dramas do país. Enquanto os moçambicanos protestam por pão, justiça e dignidade, a emissora exibe concertos, entrevistas festivas e reportagens sobre a “tocha da unidade nacional”, um projeto simbólico apadrinhado pelo governo e promovido com insistência pela emissora.

Moçambique em concerto abraçou em Nampula a caminhada da tocha que em seguida vai escalar a Província de Quelimane e sucessivamente abrilhantando shows de província a província gastando os milhões programados para fara em nome da unidade nacional num teatro silencioso de manipulação simbólica, destacando-se o protagonismo insuspeito do programa Moçambique em concerto da TV Sucesso, este artefato simbólico, amplamente promovido pela TV Sucesso, emerge como uma peça central da estratégia comunicacional do governo para reafirmar uma aparência de estabilidade e unidade nacional.

A cobertura da emissora opta por uma narrativa onde tudo está em ordem, onde o futuro é promissor e os heróis da pátria marcham com tochas em mãos. Essa omissão, como nos ensinou Louis Althusser, não é neutra. Ela configura-se como um “aparelho ideológico do Estado”, ou seja, uma ferramenta que serve para reproduzir as condições de dominação, mascarando as contradições reais que afetam o povo. Ao invés de informar, a TV Sucesso forma e conforma. A sua programação opera como um verdadeiro “ópio do povo”, parafraseando Marx, não no sentido religioso do termo, mas como um meio eficaz de anestesiar a crítica, amortecer a revolta e fabricar o consenso. A alegria artificial que emana dos seus programas contrasta violentamente com a dor e o desalento nas periferias, onde jovens desempregados e famílias desalojadas não veem “sucesso” algum.

A presença do Ministro da Juventude e Cultura, Caifadine Manasse, no colo de uma TV privada como a TV Sucesso, em plena feira cultural em Nampula, levanta sérias questões sobre a promiscuidade entre o poder político e os meios de comunicação privados, especialmente quando estes atuam como veículos de propaganda governamental disfarçada de cultura ou entretenimento. Num Estado democrático, o papel de um ministro da Cultura seria, idealmente, promover o pluralismo cultural, incentivar a liberdade de expressão e garantir o acesso equitativo à produção e difusão cultural. No entanto, quando o ministro aparece simbolicamente “no colo” de uma emissora com linha editorial notoriamente alinhada ao governo e com práticas que excluem vozes críticas, esse gesto torna-se político e ideológico.

A “tocha da unidade”, em si, pode parecer um gesto inofensivo de patriotismo. Mas o seu simbolismo, promovido em meio a uma crise social latente, revela um esforço calculado de apagar a memória recente de repressão, polarização política e falência institucional. Trata-se de uma tentativa de reposicionar o país sob uma capa artificial de paz e coesão, enquanto o povo arde em angústia. Como alertou o filósofo francês Guy Debord, “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens”. A TV Sucesso assume, assim, a função de gestora desse espetáculo, produzindo um simulacro de normalidade para adormecer a consciência coletiva.

O mais inquietante é que essa anestesia cultural encontra terreno fértil num país onde o acesso à informação plural é limitado e onde grande parte da população consome a realidade pelas lentes televisivas. A TV Sucesso, com a sua ampla penetração e aparente neutralidade, transforma-se em um ator político decisivo, não pelas notícias que dá, mas pelas que omite. Ao não haver distanciamento entre o representante do Estado e a linha editorial da TV Sucesso, cria-se um ambiente onde a mídia “privada” torna-se um braço informal do governo. A aparição de Caifadine Manasse ao lado da TV Sucesso em Nampula, mais do que uma visita protocolar, é um gesto simbólico de cumplicidade política e ideológica. Sentar-se no palco de um canal que apaga essas realidades em nome de uma festa televisiva é um ato de desconexão com as prioridades da juventude. Essa naturalização pode ser perigosa, pois esvazia a ideia de uma imprensa independente.

O Estado, ao usar eventos culturais como vitrines para reafirmar a sua autoridade ou criar a ilusão de harmonia nacional, está instrumentalizando a cultura. O ministro torna-se, nesse contexto, um agente da domesticação simbólica aquele que legitima a alienação ao invés de combatê-la. “A cultura, quando institucionalizada em nome do poder, perde sua capacidade de contestação e transforma-se em ornamento da dominação.”, Pierre Bourdieu. A cultura, usada como distração, e a mídia, usada como escudo, tornam-se peças de um mesmo tabuleiro de manipulação. Cabe à sociedade civil e à juventude moçambicana compreender este teatro de aparências e reivindicar políticas culturais e comunicacionais verdadeiramente emancipadoras. Sendo o ministro responsável pela pasta da juventude, espera-se dele uma postura ativa na escuta das reais inquietações dos jovens, sobretudo em Nampula, província marcada por altos índices de desemprego e frustração juvenil.

A crise moçambicana não será superada com tochas e músicas de entretenimento do Moçambique em Concerto, mas com justiça, reformas estruturais e uma imprensa livre. Enquanto Moçambique em concerto promove o espetáculo da tocha, o povo clama por verdade, por voz e por mudança. Que a tocha da unidade não se transforme na fogueira da alienação. A democracia não floresce no silêncio nem sob luzes de festa. Ela exige confronto de ideias, crítica constante e coragem para encarar o real. É urgente, portanto, denunciar essa estratégia. Que a TV, e programa Moçambique em concerto, em vez de ser ópio, volte a ser espelho e, quem sabe, farol de uma alegria verdadeira dos Moçambicanos.

2025/12/3