Baleamento de Trufafá, sangue de desconhecidos ou acção contra “os rostos” identificados em Moçambique?

Paulo Vilanculo "

A violência letal em Moçambique tem sido um problema crescente, afetando indivíduos, comunidades e a estabilidade nacional. Este fenômeno não apenas assusta a população, mas revela falhas profundas nas instituições de segurança e justiça. O presente artigo aborda a questão dos assassinatos em Moçambique sob a óptica dos silenciamentos de manifestantes apelidados de “rostos da desordem” num atropelo ao direito fundamental dos direitos humanos, o direito a vida. A análise tem como perspectiva o alcance das implicações da declaração dos “rostos conhecidos” contra civis em Moçambique à luz de discursos dos políticos, relatos jornalísticos e análises sociopolíticas. Palavras-chave: Moçambique, violência, assassinatos, direitos humanos, justiça. Em Moçambique, várias organizações da sociedade civil e observadores internacionais têm denunciado práticas arbitrárias de assassinatos como forma de proibição de manifestações pacíficas, sob o argumento de que não foram devidamente comunicadas ou que colocam em risco a segurança pública (Amnistia Internacional, 2021). Por outro lado, a banalização do uso de armas de fogo à luz do dia revela uma cultura de violência com raízes profundas. Como lembra Zaqueu (2021), “quando a justiça é lenta ou ausente, a violência se torna um recurso alternativo de resolução de conflitos ou de silenciamento”. A frequente ocorrência de assassinatos que inclui execuções ligados a conflitos pós-eleitoral, levanta preocupações quanto à efetividade das instituições de segurança e justiça. Os baleamentos à luz do dia em Moçambique são o sintoma de uma crise mais ampla: a erosão da confiança institucional e da segurança cidadãos. Esses episódios muitas vezes envolvem figuras ligadas a politica, levantando suspeitas sobre a existência de grupos armados com proteção política. A declaração do reconhecimento dos ditos “rostos que destroem bens públicos e privados, prejudicando a economia” representa uma ameaça a vida e Direitos Humanos em Moçambique. A persistência dos baleamentos tem efeitos devastadores sobre o tecido social moçambicano. Em vários e em todos casos, os autores dos disparos não são identificados ou detidos, o que reforça a sensação de insegurança. Segundo dados do Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD), "os baleamentos em vias públicas refletem a normalização da violência como linguagem política e econômica no país" (CDD, 2023). A impunidade é uma das principais causas do agravamento da situação. “Em Moçambique, matar em plena luz do dia tornou-se quase banal. A falta de responsabilização dá aos criminosos a certeza de que sairão impunes” (Valoi, 2023). Num Estado de Direito, a lei deve proteger e não restringir de forma excessiva as liberdades fundamentais. A doutrina defende que “o Estado de Direito democrático exige o respeito pelas liberdades públicas, inclusive o direito à manifestação, que constitui um mecanismo de controlo social e político” (Bobbio, 2000). Em Moçambique, o princípio do Estado de Direito está consagrado no artigo 3.º da CRM, que sublinha a submissão do Estado à Constituição e às leis. Qualquer restrição a direitos fundamentais deve ser interpretada restritivamente e justificada por imperativos concretos, não podendo servir de instrumento de repressão. A Constituição da República de Moçambique (CRM), de 2004 (revisada em 2018), consagra no artigo 51.º, n.º 1, que “os cidadãos têm o direito à liberdade de reunião e de manifestação, nos termos da lei”. Este preceito consagra o direito fundamental de manifestar-se pacificamente, sem necessidade de autorização prévia, mas com eventual sujeição a deveres de comunicação às autoridades competentes. A Lei n.º 9/91, de 18 de Julho regula o direito à reunião e manifestação, determina que “as reuniões e manifestações em lugares públicos devem ser comunicadas com antecedência mínima de quatro dias úteis à autoridade administrativa competente” (art. 4.º). Esta exigência não constitui uma autorização, mas sim uma comunicação, o que reafirma o caráter democrático e participativo do direito. Num Estado de Direito e democrático, como Moçambique, o direito à manifestação é uma das formas mais visíveis de participação cidadãos e de exercício da liberdade de expressão e reunião. Segundo João Nogueira (2016), “as limitações ao direito de manifestação, não podem anular o próprio conteúdo essencial do direito, nem podem ser usadas como pretexto para silenciar vozes dissidentes”. Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), o direito à vida é um direito fundamental e inalienável, sendo dever do Estado garantir sua proteção. O respeito aos direitos humanos deve ser a base para qualquer estratégia de prevenção e combate aos assassinatos no país. A violência letal constitui um desafio significativo, comprometendo o direito à vida, à segurança e à justiça. Enquanto a violência persistir como linguagem dominante, o futuro democrático de Moçambique continuará ameaçado. Em teoria, as restrições legais ao direito de manifestação devem respeitar os princípios da legalidade, necessidade e proporcionalidade, conforme estabelecido nos instrumentos internacionais de direitos humanos ratificados por Moçambique, como o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (art. 21.º) e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (art. 11.º). A violência armada em Moçambique não é um fenômeno isolado, mas está inserida num contexto politico, de corrupção, de fragilidade institucional e desigualdade social. Segundo Forquilha (2022), “o Estado moçambicano enfrenta uma crise de legitimidade, agravada por uma crescente percepção pública de impunidade”. A juventude, principal vítima da violência direta ou indireta, vive sob o espectro do desemprego e da ausência de perspectivas. Como escreve Castel (1998), “a exclusão social e a insegurança caminham juntas como expressões da fragilidade da cidadania”. A erradicação da violência letal em Moçambique requer um compromisso conjunto entre Estado, sociedade civil e organizações internacionais. Combater assassinatos políticos exige coragem política, pressão popular e reconstrução das bases sociais. O governo de Moçambique deve adotar novas medidas para combater a violência, como o reforço das políticas de segurança com a colaboração da sociedade civil que também desempenha um papel essencial, denunciando violações e pressionando por reformas. É preciso investir em reformas institucionais profundas, responsabilização efetiva e envolvimento das comunidades na construção de estratégias de segurança. A Justiça Transicional, aplicada em contextos pós-conflito, pode ser uma ferramenta útil para restaurar a confiança e enfrentar os crimes impunes do passado.

2025/12/3