Paulo Vilanculo"
A implantação da Praça Monumental do Metical em Quelimane, sob liderança de Manuel de Araújo, levanta questionamentos sobre a sua trajetória política e ideológica. A nova Praça Monumental do Metical em Quelimane ergue-se como um símbolo ambíguo: para uns, um gesto patriótico de valorização da moeda nacional; para outros, um monumento que sela a viragem ideológica de Manuel de Araújo e marca o início do seu declínio político. O gesto, longe de ser apenas urbanístico, simboliza uma possível viragem do edil para um campo mais alinhado ao poder central e distante do discurso revolucionário popular que o projetou. Nesta leitura, as “três moedas de prata” representam escolhas estratégicas a monumentalização da moeda nacional, o abrandamento da crítica ao sistema e as alianças políticas de conveniência que podem estar a selar, pouco a pouco, o túmulo político de uma figura outrora insurgente. A obra, embora apresentada como um tributo à economia nacional, levanta a pergunta inevitável: a quem serve realmente? Ao povo que enfrenta a desvalorização diária do metical ou ao poder central que se alimenta da sua simbologia? O que pode significar do edil não será a perda do vínculo com a base popular do capital político que tinha nas ruas está em erosão. — “Manuel, o que queres deixar para a história?” — perguntou-lhe, num sonho, o fantasma de Judas Iscariotes, encostado a uma árvore da Praça. — “Uma praça, Judas… uma praça monumental” — respondeu um edil, ajeitando o casaco e apontando para o espaço onde nasceria o altar do metical. O fantasma sorriu, abanou a cabeça e deixou cair, uma a uma, três moedas de prata no chão e disse: vou te abençoar com monumental que não matica o seu povo. As “três moedas de prata” que compõem esta metáfora não correspondem a um pagamento literal, mas a escolhas políticas que, somadas, funcionam como sinais de entrega simbólica de um capital político construído ao longo de anos de contestação. A primeira moeda está na própria concepção da praça: um gesto de monumentalização da economia formal que, num país onde o metical pouco protege o bolso do cidadão, soa mais como propaganda do sistema financeiro do que como afirmação de autonomia popular. A segunda moeda encontra-se no abrandamento do discurso crítico do edil perante o poder central, contraste visível quando comparado às suas intervenções mais ácidas e mobilizadoras do passado. A terceira, talvez a mais silenciosa e perigosa, é a teia de alianças e concessões políticas discretas, que lhe garantem alguma estabilidade administrativa, mas minando a coerência ideológica que o sustentou por anos, na tentativa de assegurar sobrevivência institucional mesmo que ao custo de esvaziar a coerência ideológica. O enredo explora a metáfora das “três moedas de prata” como alusão à traição política, refletindo sobre a simbologia da Praça Monumental do Metical como um marco que, mais do que celebrar a economia nacional, pode representar um alinhamento com discursos e práticas de poder mais conservadoras e distantes da base popular que pode se confundir com a mudança ideológica de Manuel de Araújo, analisando se a sua trajetória política revela um afastamento dos ideais revolucionários de esquerda e uma aproximação pragmática (ou oportunista) ao “centro-direita” hegeliano do poder moçambicano. Nessa leitura, as “três moedas de prata” tornam-se metáforas para decisões políticas que, somadas, constroem o túmulo simbólico da carreira combativa de Araújo. Hegel, ao conceber a dialética do poder e fala da síntese como ponto de reconciliação entre opostos. Mas aqui, a síntese que se observa não é a de um encontro fecundo entre ideias, e sim a de um recuo para o centro, onde a conveniência política se sobrepõe ao compromisso revolucionário. É nesse sentido que se fala de um “túmulo político”: não pela morte súbita de um líder, mas pela lenta e voluntária abdicação de um papel insurgente que lhe deu identidade própria. Hegel talvez dissesse que Araújo encontrou a síntese entre a luta e a submissão, diria que talvez se encontrou apenas a passadeira vermelha para o próprio funeral político. Quando, daqui a anos, alguém visitar a praça e perguntar o que ela significa, haverá sempre um velho, sentado à sombra, pronto a responder: “Foi o túmulo dele. E custou apenas três moedas de prata”. A monumentalização de uma moeda fragilizada pela inflação e pela instabilidade económica pode ser lida como uma homenagem deslocada num contexto em que a população carece de soluções concretas para problemas básicos. Mais do que um gesto patriótico, o monumento parece alinhar-se com uma narrativa oficialista que o edil, até há pouco tempo, combatia. A lógica hegeliana sugere que o poder se constrói na tensão entre tese e antítese, até se chegar a uma síntese. Mas, no caso de Araújo, essa síntese não parece ser fruto de um encontro produtivo entre ideias, e sim de uma capitulação calculada, onde a sobrevivência política se sobrepõe à coerência de princípios. A implantação da Praça Monumental do Metical em Quelimane surge como mais do que uma simples obra de embelezamento urbano ou de valorização da moeda nacional. No imaginário político e simbólico, erguer tal monumento num dos espaços centrais da cidade parece marcar uma viragem na postura do edil Manuel de Araújo, não apenas na sua relação com a urbe que governa, mas também na forma como se posiciona no complexo tabuleiro do poder moçambicano. Essa viragem, ao que tudo indica, afasta-o do campo revolucionário popular que outrora galvanizou as ruas, aproximando-o de uma direita hegeliana que, no contexto nacional, representa mais a perpetuação do status quo do que a transformação estrutural. Manuel de Araújo construiu a sua imagem como um autarca de verbo afiado, opositor declarado das velhas práticas do poder central e defensor de causas populares. A sua ascensão política foi marcada por discursos inflamados, confrontos com estruturas do Estado e uma clara identificação com o campo revolucionário popular. Essa trajetória conferiu-lhe não apenas notoriedade, mas também um capital simbólico que o diferenciava no cenário político nacional. A recente “condenacão simbólica” de Manuel de Araújo pode ser entendida como uma metáfora para um conjunto de constrangimentos políticos e estratégicos que, embora não o mantenham atrás das grades físicas, limitam a sua liberdade de ação, expressão e posicionamento ideológico.Se olharmos nesta prespectiva pode significar uma rendição ao sistema que antes combatia ao alinhar-se, em gestos e discursos, com agendas e símbolos do poder central, Araújo prende-se voluntariamente numa lógica política que o impede de recuperar o papel de voz independente e insurgente. O que está em jogo não é apenas a imagem de um autarca, mas a própria percepção do eleitor sobre a natureza da política em Moçambique: se líderes que se apresentam como vozes da mudança acabam, inevitavelmente, por se integrar na engrenagem que criticavam. Quando a história de Manuel de Araújo for contada, a Praça Monumental do Metical poderá não ser lembrada como uma simples obra pública, mas como a lápide simbólica de uma carreira que, por três moedas de prata, trocou a rebeldia pela acomodação. Se, no futuro, a Praça Monumental do Metical vier a ser lembrada como um ícone de Quelimane, também poderá ser recordada como o marco físico do momento em que Manuel de Araújo, por três moedas de prata simbólicas, selou a tampa de seu próprio sarcófago político. Porque, na política, nem sempre a traição é a dos outros: às vezes, é a traição silenciosa a si mesmo. E se assim Quelimane ganhou a sua nova obra-prima: a Praça Monumental do Metical, à primeira vista, é um gesto patriótico e uma ode à moeda nacional. Mas quem vive la conhece as marés da política, sabe que Quelimane não é só cimento e bronze e é um marco simbólico de viragem. Araújo, o mesmo que já ergueu a voz contra os gigantes do poder central, hoje ergue monumentos que soam mais a rendição do que a resistência. Ao afastar-se das causas e lutas que o definiram, fica preso entre dois mundos: já não é totalmente aceito pelo povo insurgente nem completamente absorvido pelo poder que busca agradar, por outro lado, isso pode significar uma traição política, olhando se para quem o apoiou por seu perfil combativo, essa “prisão” soa como uma quebra de confiança. Não necessariamente uma traição pessoal contra indivíduos específicos, mas uma traição de valores: abandonar a coerência ideológica em troca de segurança política ou ganhos estratégicos.2025/12/3
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