Paulo Vilanculo "
O termo "Xilunguíni" tem origem na língua changana e significa literalmente "lugar dos balungu", ou seja, dos brancos. A história de Xilunguíni, no poder colonial e branco, KaPhumo era cidade ancestral e negra referente ao período da primeira presença europeia nas terras da baía de Delagoa, no século XVI, com destaque para os portugueses e outros comerciantes e exploradores árabes, indianos e neerlandeses que por ali passaram antes da ocupação sistemática dos portugueses no estabelecimento do posto militar e comercial em 1781, com maior regularização após a assinatura de acordos com a coroa britânica no século XIX que definiram os contornos da ocupação colonial e em 1876, foi a povoação da elevação à vila com o nome de Lourenço Marques, em homenagem ao navegador português do século XVI que explorou a costa moçambicana. Em 1887, Lourenço Marques foi elevada a cidade, tornando-se a capital da colónia de Moçambique em 1898, em substituição da Ilha de Moçambique. Durante séculos, essa região costeira,com a baía de Delagoa. A baía de Maputo, era habitada por comunidades tsonga e ronga, organizadas em linhagens chefiadas por líderes tradicionais como Mpfumo, cuja linhagem ainda é reconhecida como autoridade tradicional da zona. O nome KaPhumo, o nome tradicional usado pelas comunidades ronga/tsonga para designar a zona onde hoje está Maputo, refere-se à autoridade tradicional do clã Phumo, instalada na região antes da colonização, mesmo durante a ocupação portuguesa, a autoridade do Régulo Phumo reconhecido de forma simbólica, embora esvaziada de poder real. Com a independência em 25 de Junho de 1975, o nome colonial Lourenço Marques foi abolido e substituído por Maputo. Maputo contemporânea, nascido da euforia pós-independência, prometia ser a cidade libertada. O novo nome foi inspirado no Rio Maputo, mas também como forma de apagar a herança colonial e abrir espaço para uma nova narrativa identitária. A analogia de Xilunguíni, Ka Phumo e Maputo a "cidade das acácias sangrentas", permite construir uma leitura crítica e profunda da trajetória histórica, simbólica e política da capital moçambicana, uma cidade marcada por conquista, apagamento e violência cíclica. As acácias, árvores robustas e floridas, símbolo da paisagem urbana, assistem hoje ao derramamento de sangue nas suas sombras e tornaram-se testemunhas silenciosas dos baleamentos, da insegurança e do medo institucionalizado. As acácias, outrora símbolo de vida, sombra e florescimento citadino, estão agora tingidas pelo sangue dos seus filhos vítimas de um Estado cuja farda deveria proteger e não exterminar. As “acácias” metáfora da cidade enfeitada de beleza natural, agora pariram monstros sangrentos. Nos últimos dias, nas acácias de xilunguíni, Maputo, tem sido palco de baleamentos que envolvem agentes da Polícia da República de Moçambique, ora como vítimas, ora como protagonistas. Maputo é hoje a cidade das promessas traídas e da memória dilacerada. Em Maputo, o estalar dos tiros já não assusta, apenas confirma o pressentimento de quem, a cada manhã, se despede de casa com o coração encostado à bala perdida. O clima é sombrio. As avenidas ardem em sussurros, e cada esquina esconde um medo novo. A população, refém entre quadrilhas armadas e fardas indisciplinadas, já não sabe em quem confiar. O banho sangrento tornou se uma marca dos dias da capital. Apenas mais uma noite de tiros e a promessa de que amanhã pode ser pior. Nenhum nome, nenhuma autópsia pública, nenhum julgamento. Segundo relatos populares e circulações nas redes sociais, os recentes confrontos armados, muitos dos quais protagonizados por indivíduos identificados como membros das forças de defesa e segurança, deixam um rasto de corpos e interrogações. As armas de luto estão a solta, as acácias pariram montanhas e ratos, são as ditas baleias sangrentas, um tempo sombrio para cidade de Maputo. Num dos casos mais chocantes, os agentes da polícia são alvejados à luz do dia por indivíduos ainda por identificar, nas vias publicas ou em zonas residências. As imagens, que circularam mostram corpos tombados na via pública, sinal inequívoco da banalização da morte. Quando os próprios órgãos de justiça e segurança, supostos garantes da ordem e da lei, silenciam ou desaparecem com informações sobre crimes graves, sobretudo contra seus próprios agentes ou cidadãos, revela-se uma desinstitucionalização do Estado de Direito. O não reconhecimento imediato das vítimas, o encobrimento dos factos, o apagamento dos rostos, e a lavagem de responsabilidades pelos esquadrões da morte, revelam a instalação de uma cultura de impunidade oficializada em Moçambique. A negação de reconhecimento imediato dos assassinados e a constante ausência de investigações públicas, denunciam a existência tácita ativa de esquadrões para “limpar” ou silenciar vozes incômodas de qualquer tutela. Quando os assassinatos não são investigados, os culpados não encontrados nem julgados e os chefes institucionais permanecem intocáveis, a mensagem é clara: o crime compensa, desde que tenha cobertura política. Isso cria um sistema mafioso de poder, onde a impunidade serve como proteção para quem está "dentro" e como punição silenciosa para quem está "fora" ou "contra". A (in) existência de “dossiers secretos”, “ficheiros intocáveis” e “agentes fora do radar” denuncia que a transição de poder nunca foi acompanhada de transição de valores. A lavagem de fichas criminais, ou seja, o desaparecimento ou manipulação de antecedentes de indivíduos implicados, e apagamento de provas são práticas que denunciam a existência de redes mafiosas dentro das instituições do Estado. A cidade está doente. O Estado parece opera à margem da legalidade, ou seja, atua mais como um actor criminoso do que como protetor da ordem pública. O resultado direto é o colapso da legitimidade das instituições do Interior e da Justiça, que passam a ser vistas como instrumentos de repressão seletiva e não como órgãos de proteção e arbitragem pública. Isso alimenta a autodefesa comunitária, o justiçamento popular e o medo generalizado, corroendo os alicerces sociais e cívicos do país. O alarme que este cenário nos traz é profundo, sistémico e perigoso para qualquer sociedade que se pretenda minimamente democrática e justa. Num país onde a justiça é um privilégio e o silêncio é uma forma de sobrevivência, os baleamentos em Maputo são mais do que crimes isolados são sintomas de um colapso moral e institucional. Moçambique não pode continuar a conviver com violência sob silêncio cúmplice dos ministros. O ministro do Interior, por sua vez, limita-se a prometer investigações, enquanto a PRM emite comunicados que não convencem nem esclarecem. A narrativa oficial, como sempre, tropeça na transparência, enquanto o povo enterra os seus em silêncio e raiva. A não renovação ética e estrutural dos Ministérios do Interior e da Justiça, onde os rostos mudam, mas os métodos permanecem, mostra que há uma herança autoritária que atravessa governos e presidentes, tornando-se uma cultura de regime. Isso aponta para uma captura do aparelho estatal por interesses obscuros, onde o crime é protegido desde dentro. A cidade de Maputo, hoje com suas acácias ensanguentadas, é o espelho de um país que precisa urgentemente de desmilitarizar a justiça e moralizar o Interior, antes que o silêncio se torne regra, e o medo substitua a cidadania. O seu solo, regado por sangue inocente, clama por reformas urgentes. Se os responsáveis continuam a tapar o sol com a peneira, ignorando a podridão que alastra pelas esquadras, quarteis e gabinetes, o risco é que as acácias deixem de ser árvores para se tornarem túmulos em pé marcadores da nossa tragédia cotidiana.2025/12/3
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