Paulo Vilanculo"
No passado dia 20 de Agosto último, a cidade da Beira celebrou mais um aniversário da sua elevação à categoria de cidade. Uma data que deveria servir apenas de festa e orgulho, mas que inevitavelmente abre espaço para reflexão. Entre promessas e omissões, a Beira é uma cidade de paradoxos: um lugar onde a natureza brilha, onde se celebra o futuro nas estradas asfaltadas, mas as “casas de vidro” do passado se transformam em pó de um desmoronar em ruínas. A cidade da Beira é um território de contrastes, de um lado, ostenta uma beleza natural rara, com a sua costa do indico imponente e espaços verdes que a tornam singular em Moçambique; de outro, exibe feridas abertas na forma de prédios em ruínas, herança da extinta Administração do Parque Imobiliário do Estado, que permanecem sem tutela clara que se transformaram em esqueletos urbanos. Até que ponto a gestão municipal está preparada para enfrentar os fantasmas do passado sem perder o rumo das promessas de futuro?
A cidade da Beira, segunda maior cidade de Moçambique, vive entre dois mundos. De um lado, exibe um cartão-postal invejável: a brisa do índico de uma costa oceânica da sua extensa costa litoral que dá frescura à urbe e, em dias de sol, transforma-se num convite ao turismo, o parque verde que respira futuro que funciona como pulmão natural, uma espécie de promessa de futuro que finalmente os projectos saem do papel ao concreto. Do outro, um cenário que carrega a sombra pesada quase apocalíptica de ruínas, prédios desmoronados e cicatrizes urbanas que resistem ao tempo, ao abandono e à falta de visão política estratégica pós-independência que, coexiste com a extinção da Administração do Parque Imobiliário do Estado (APIE) que deixou órfãos os edifícios públicos, muitos deles históricos, que hoje vegetam em ruínas pela Beira.
Basta desviar o olhar do farol do mar deparamos com os grandes “monstros de cimento” do motel Estoril, Hotel Dom Carlos, o Grande Hotel são exemplos. Ao navegar as avenidas principais da urbe pode se testemunhar o estado desagradável de imundice dos edifícios degradados tal como os prédios Tâmega, Imporium, cinema nacional, Olimpia, entre outros que parecem encenar um teatro macabro do passado. São as famosas casas de vidro, outrora símbolo de modernidade que, agora, se desmancham em pó de degradação urbana, por falta da sua manutenção. São casas de vidro transformadas em pó, lembrando-nos da fragilidade da memória urbana e da ausência de políticas consistentes de reabilitação. Suas paredes, outrora espelhos de uma cidade que se orgulhava, estão hoje pálidos e carcomidos, expostas ao sal do mar, às intempéries e ao abandono governativo.
Nos “monstros de cimento” bairros mais antigos, multiplica-se a morte de edifícios que outrora simbolizaram prosperidade e modernidade, hoje reduzidos a esqueletos. Os prédios ficaram à mercê do tempo, da maresia e da especulação, enquanto moradores desesperados transformam ruínas em habitação improvisada, pondo a vida em risco. É nessa contradição que a Beira se desenha, entre o verde do futuro e o cinza do abandono, o brilho da costa e o mofo das paredes carcomidas. O resultado é de uma cidade que convive com um espólio que mais parece um cemitério arquitetónico a céu aberto.
Neste momento, quem as “gere” é apenas a força implacável do abandono, com o Estado ausente, os prédios desmoronam sozinhos, sem sequer direito a uma certidão de óbito. Na prática, a gestão parece ter-se diluído entre promessas de privatizações nunca concretizadas, interesses obscuros e a velha desculpa da “falta de fundos”. O que se vê é uma espécie de “herança sem herdeiro”, onde ninguém assume de facto a gestão, a manutenção ou sequer a responsabilidade de dar destino os imóveis em ruinas. O irónico é que, enquanto se projeta uma cidade moderna, segura e organizada, mas muitos moradores ainda vivem no interior de prédios a cair, desafiando diariamente a gravidade e a indiferença política.
O edil, com a sua imagem de dinamismo, com energia visível, tenta mostrar que a cidade não está parada no tempo. É verdade que o edil tem procurado conquistar simpatia com obras visíveis, como a pavimentação de pequenas ruelas nos bairros, sinalizando esforço de aproximação da população na periferia ao coração económico da cidade. Essas iniciativas dão sinais de esperança, revelando que a Beira pode ser muito mais do que um ponto estratégico de passagem para o centro do país. As obras de pavimentação, ainda que tímidas, soam como um sinal de esperança: afinal, a Beira pode não estar condenada ao eterno rótulo de “cidade esquecida”. Pode, de facto, tornar-se uma cidade-modelo de desenvolvimento urbano sustentável. Mas se é possível sonhar pequeno, por que não sonhar alto? Não seria tempo de avançar para um projecto amplo de requalificação urbana, que começasse pela reabilitação dos imóveis degradados e devolvesse dignidade ao centro da cidade?
Afinal, Beira não precisa apenas de ruas transitáveis, mas de uma visão de cidade. É verdade que uma cidade sustentável não se constrói apenas com ruas asfaltadas. O passo seguinte seria um projecto amplo de requalificação urbana, que começasse justamente pela reabilitação dos imóveis degradados que hoje mancham a paisagem. Mas, se a Beira deseja mesmo ser a “cidade do futuro” que seus habitantes merecem, o futuro não pode ser construído sobre escombros. Não se trata de um sonho impossível: cidades vizinhas no continente têm apostado em programas de requalificação que conciliam memória arquitetónica com inovação. Um programa de financiamento, seja com parcerias público-privadas, seja através de fundos de cooperação internacional, poderia devolver dignidade ao centro histórico e transformar as ruínas em espaços úteis, modernos e seguros.
Se se sonha com uma cidade da Beira de referência, o Edil precisa resolver o dilema das ruínas, que não são apenas um desgaste que concorre para se tornar em pó, já que elas também fazem parte da história da Beira. Deixar que o tempo faça o trabalho da demolição ao em vez reconstrução ou reabilitação é, no mínimo, um acto de negligência e de pragmatismo. A cidade da Beira precisa de um plano integrado de reabilitação urbana, de políticas públicas que aliem conservação histórica e modernização. Só assim deixará de ser uma cidade de contrastes dilacerantes e se afirmará como o que tem potencial para ser uma verdadeira joia costeira de Moçambique. O desafio que se coloca não é apenas político e social mas sobretudo urbanístico.
2025/12/3
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