
Paulo Vilanculo"
A trajetória política africana pós-independência é marcada por uma contradição amarga de promessa de prosperidade e liberdade alimentada pelos movimentos de libertação e emancipação, gradualmente substituída por regimes autoritários, centralizadores que alguns se tornaram prisioneiros do poder e incapazes de promover o bem-estar coletivo. A sugestão “AfrikoPoliticus” não é apenas uma análise sobre governantes, mas uma reflexão sobre a própria alma política africana, um continente rico em potencial, mas continuamente traído pelas suas elites que confundem independência com privilégios individuais.
Desde os dias eufóricos das independências até os fóruns contemporâneos sobre desenvolvimento, o sonho de uma África próspera parece insistir em fugir do alcance. Por décadas, o continente africano tem sido palco de discursos eloquentes sobre a soberania e autodeterminação. Os líderes que se apresentam como libertadores tornaram-se guardiões de sistemas que bloqueiam a alternância, o pensamento crítico e o crescimento equitativo. Entre a retórica da libertação e prosperidade, os líderes que um dia foram símbolos de esperança acabaram se tornando protagonistas de regimes de desilusões autoritários, marcados por repressão, desigualdade, de corrupção e da má governação. Alguns exemplos revelam um padrão perturbador confirmando que a prosperidade africana não tem sido negada, não pela falta de recursos, mas pela persistência de uma elite política que confunde libertação com apropriação do poder.
No Malawi, Hastings Kamuzu Banda permaneceu como uma cicatriz da história política. Banda governou entre 1964 e 1994. O seu regime, sustentado por uma imagem de “pai da nação”, de herói nacionalista a autocrata absoluto, com mão de ferro e construiu um Estado policial onde qualquer voz dissidente era silenciada. Estima-se que mais de 18 mil malauianos tenham sido mortos sob seu comando, um preço cruel pela estabilidade aparente que ele prometia. A sua retórica anticomunista, bem-recebida pelo Ocidente durante a Guerra Fria, garantiu-lhe apoio externo, mas internamente destruiu a semente da liberdade e da prosperidade que o Malawi tanto ansiava.
No Zimbabwe, Robert Mugabe comandando o país após a guerra, por quase quatro décadas, inicialmente como Primeiro-ministro, de 1980 a 1987, e posteriormente como dominante político até novembro de 2017. Mugabe, de herói revolucionário a ditador temido, como presidente com poderes executivos totais, governou com punho de ferro, enquanto a economia do país colapsava sob políticas desastrosas e repressão brutal. O sonho da redistribuição da terra transformou-se em pesadelo inflacionário; o pão e o trabalho tornaram-se luxo; e a liberdade, uma miragem. A retórica anti-imperialista que o tornava ícone continental passou a servir de cortina para o autoritarismo interno. Mugabe oferece um retrato trágico de como a libertação pode se converter em dominação.
Nos Camarões, o caso de Paul Biya, de 92 anos, no poder desde 1982, Biya governa há 43 anos, é um exemplo extremo da longevidade política sem renovação democrática, amparado por uma constituição alterada para eliminar limites de mandato. Apesar da riqueza natural do país, do petróleo, gás, alumínio, ouro e cacau, um quarto da população vive abaixo da linha da pobreza. As promessas de estabilidade são manchadas por censura, repressão e um Estado cada vez mais distante da população. Como resume um relatório da DW, o regime de Biya “combina silêncio mediático, medo político e esperança adiada”.
No Uganda, Yoweri Museveni no poder desde 1986, que se reelegeu seis vezes sob denúncias de manipulação eleitoral, repressão à oposição e culto à personalidade, encarna o paradoxo da estabilidade autoritária. Museveni insiste que sua liderança é sinônimo de continuidade e paz, enquanto o país enfrenta desemprego juvenil, desigualdade e restrição de liberdades civis. Para muitos ugandeses, é um líder que transformou a revolução em propriedade pessoal e. para o Ocidente, Museveni é o “homem forte” que garante segurança numa região instável.
Em Moçambique, Joaquim Alberto Chissano, assumiu o cargo de Primeiro-Ministro do governo de transição e teve um papel fundamental nas negociações de 1974 que resultaram na independência de Moçambique, depois foi nomeado Ministro dos Negócios Estrangeiros e na sequência do assassinato do primeiro Presidente Samora Machel do Moçambique independente, em 1986, Chissano foi indicado como sucessor e governou Moçambique de 1986 a 2005. Chissano conduziu reformas econômicas e políticas que o Ocidente aplaudiu, mas cuja tradução social ficou aquém do prometido.
Na esteira do Diálogo sobre prosperidade em África (APD), no ano de 2024, o antigo Presidente da República de Moçambique, Joaquim Chissano, disse que o tema prosperidade em África é assunto que não começa hoje, por se tratar de uma matéria que vem desde o início dos movimentos de emancipação da África, “das lutas pelas independências”. “primeiro vamos adquirir a independência política e todo o resto virá (…)” referiu. (Aburi Hills, Gana, 27 Jan 2024 - AIM). O próprio ex-presidente reconheceu que “a prosperidade africana não é uma questão nova”, lembrando que os líderes das independências acreditam que basta conquistar a liberdade política para que “todo o resto viesse por acréscimo”. Joaquim Chissano personifica a transição do ideal revolucionário à diplomacia não pragmática à liberdade plena de esperança que jamais se concretizará para Moçambique que continua a lutar contra a pobreza estrutural, a corrupção e a exclusão social.
A pergunta que ecoa é será que prosperidade africana é um sonho negado pelos outros ou pelos próprios africanos?
Os exemplos acima revelam um padrão continental dos líderes africanos libertaram-se a si próprios, não libertaram suas nações, trouxeram para os africanos liberdade formal, sem emancipação social, numa utopia africana de uma glória do passado que alimenta as ruínas do presente longe da verdadeira liberdade, aquela que liberta da fome, da ignorância e da corrupção que ainda aguarda pelo seu amanhecer. Libertaram-se os líderes, mas não as instituições; libertaram-se os partidos, mas não as consciências; libertaram-se os discursos, mas não as condições de vida. A elite dirigente, que um dia se proclamou vanguarda da libertação, converteu-se na nova aristocracia africana.
Como observa Frantz Fanon, “a burguesia nacional substitui o colonizador, não transforma as estruturas de dominação, apenas muda o endereço do opressor”. O sonho de emancipação coletiva transformou-se em emancipação pessoal das elites políticas, que rapidamente trocaram o jugo colonial pelo monopólio interno do poder. Assim, a “prosperidade africana” vai se tornando um projeto interrompido pela ganância política. Talvez o maior desafio da África não seja apenas económico, mas ético e político de uma coragem de romper com o ciclo de “libertadores vitalícios” e inaugurar uma nova geração de líderes comprometidos com o bem comum.
2025/12/3
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