Paulo Vilanculo"
Pol Pot do seu verdadeiro nome era Saloth Sar (1925–1998) foi o ditador cambojano que liderou o Khmer Vermelho, movimento comunista radical que destruiu o tecido social Cambojano entre 1975 e 1979. Durante o período em que esteve no poder, implantou um regime totalitário inspirado numa visão agrária utópica: queria transformar o Camboja numa sociedade rural “pura”, sem classes sociais, sem dinheiro, sem educação formal e sem influências externas. Pol Pot governava através da devastação, anulando as bases de sobrevivência coletiva, ou seja, Pol Pot tornou-se símbolo de uma gestão baseada na destruição sistemática da vida e das instituições. No seu governo, intelectuais e profissionais e até pessoas que usassem “óculos” (ver e ousar denunciar) eram vistos como inimigos da “nova ordem” e alvos de execuções sumárias. O regime de Pol Pot caiu após a invasão do Camboja pelo Vietname. O discurso do representante do ACLIM, de que a oposição só governaria caso Jesus Cristo ressuscitasse, simboliza metáfora de um instrumento de violência simbólica com efeitos. De um lado, gera um terror psicológico coletivo, sufocando o espírito democrático. Do outro, incuba a desordem política, pois ao excluir e humilhar parte da sociedade, abre caminho para explosões sociais fora do quadro institucional. A retórica traduz-se na ideia de uma entidade que, em vez de garantir futuro, cultiva a ruína; em vez de gerar confiança, espalha medo e descrédito; em vez de ser um simbolo da bandeira, libertadora transforma-se numa “arca da destruição”, onde os interesses particulares esmagam o bem comum.
Em Moçambique, a política tem-se tornado cada vez mais um campo fértil para a construção de metáforas grotescas e discursos de choque. O recente discurso do representante do ACLIM, ao afirmar que a oposição só governaria caso Jesus Cristo ressuscitasse e regressasse ao solo pátrio, revela muito sobre a lógica ingênua de um poder dominante no país. A frase caricata que parece um baluarte feliz, carrega consigo um conteúdo político profundo, a negação da alternância democrática e a naturalização da eternização do partido no poder. A retórica não é inocente, visto que traduz um discurso impregnado de arrogância, exclusão e de uma conceção de poder entendido como propriedade vitalícia e perpétua, como se governar fosse uma herança divina e não uma alternância democrática.
A ressurreição de Cristo, símbolo maior de esperança de renovação, que devia simbizar o anúncio do futuro melhor, é invertida em voz para negar a possibilidade de mudança! Mais do que simples arrogância, trata-se da expressão de uma visão irónicasta do Estado, onde governar não é resultado de vontade popular, mas um privilégio transformado em direito vitalício. A ACLIM, em vez de representar a possibilidade de redenção política e social, é transformada em piada política para assegurar a eternização do presente. Na boca de quem devia cultivar a democracia, a figura de Cristo surge não como promessa de renovação, mas como senha da impossibilidade. Na ironia das ironias, aquele que simboliza a vida, a esperança e a vitória sobre a morte, é convocado para negar a mudança.
Quando neste texto se invoca o regime cambojano Pol Pot da autodestruição, reduziu o seu povo à submissão em nome da utopia de uma elite, a metáfora recai na retórica do discurso do ACLIM pretende reduzir os moçambicanos à condição de espectadores de um jogo político de resultado previamente conhecido. Tal como o ditador cambojano, que sacrificou milhões em nome de uma utopia perversa, reduziu a sua nação a cinzas em nome de uma pureza impossível, o discurso de imortalidade política sacrifica e eternização do poder sacrifica o futuro de um povo em nome da manutenção de privilégios de uns poucos.
O discurso da ACLIM, não apenas desacredita a oposição, mas reduz a democracia a uma farsa, onde o único protagonistas concebível e indomável é eternizado. Ouvir declarações que reduzem a oposição a uma impossibilidade milagrosa é uma clara violação do espírito republicano democrático. De um lado, arca da destruição de uma, onde a “ressurreição” é necessária, a democracia que é reduzida a um vazio de valores, de ética, de justiça é ridicularizada como milagre impossível. Se Cristo é a promessa de renovação e Pol Pot simboliza o aniquilamento sistemático da esperança, Moçambique vive preso entre essas duas metáforas. Entre Cristo e Pol Pot, Moçambique vive aprisionado num dilema simbólico. De um lado, a promessa de ressurreição é ridicularizada como fantasia inalcançável; do outro, a gestão destrutiva é naturalizada como destino inevitável.
A ACLIM ao afirmar que a oposição só governará se Cristo ressuscitar, isso pode transmitir a ideia que pode ser entendida que qualquer tentativa de mudança é perigosa, uma forma de impor ordem de exclusão sistemática, uma agressão psicológica sublime para instalar o medo a oposção e ao povo. A ironia deste discurso pode ser e isso pode gerar raiva, indignação e reação. Isso pode significar um incitamento à desordem política e semear a instabilidade futura, ou por outra, quando o cinismo cresce o risco de setores sociais buscarem alternativas de protesto fora do espaço democrático. Pode se até interpretar-se o pronunciamento da ACLIM dentro de uma lógica de terrorismo psicológico de incitamento indireto à desordem e à violência político-popular. Mas o silêncio cúmplice, de quem deveria agir e intervir contra as declarações que atentam a tranquilidade e pacificação do pais, é ensurdecedor.
Se na história o regime de Pol Pot simbolizou o aniquilamento da esperança de um povo em nome da cegueira ideológica, O discurso do ACLIM projeta a metáfora da “arca de Pol Pot” para a política de um sistema que nega alternativas e que condena o país a navegar em rumo sem futuro. A ACLIM carrega o peso de refém das suas elites. Em vez de modernizar, regride, em vez de abrir horizontes, fecha caminhos. Em vez de garantir segurança, impõe medo, orgulho e vergonha. A posição central, portanto, não é apenas a infelicidade de uma frase que revindica a cristalização de um modelo político que não admite renovação. A radicalização de que alternância governativa só será possível mediante um milagre impossível, então os cidadãos críticos tenderão a considerar que apenas meios extraordinários, os protestos, boicotes, revoltas como caminhos que podem abrir espaço para mudanças. Num país cuja Constituição consagra a democracia multipartidária, O discurso alimenta a percepção de que o poder nunca se deixará disputar pacificamente.
A grande questão é se os moçambicanos aceitarão continuar nesta travessia comandada por falsos timoneiros ou se encontrarão forças para reivindicar a verdadeira ressurreição, o espírito democrático e da dignidade dos cidadãos. Porque se depender de quem hoje fala em nome do poder, a arca continuará à deriva e sujeita ao aniquilamento da mudança que será sempre relegada ao domínio do impossível. Como resultado, Moçambique será sempre um país suspenso entre a cruz e a foice: sem calvário redentor e sem colheita futura.
O mais grave é que tais discursos não surgem isolados, fazem parte de uma narrativa política mais ampla que se consolidou nos últimos anos, onde críticas são desvalorizadas, oposição é marginalizada e manifestações populares são reprimidas. Ao naturalizar a impossibilidade de alternância, o poder reforça a ideia de que o Estado é monopólio e não espaço plural. Se esse processo não for resgatado, continuaremos presos ao dilema entre a “arca da destruição” e a promessa impossível da “ressurreição”, enquanto a esperança nacional vai sendo consumida pelo cinismo e pela exclusão.
Não se trata apenas de incapacidade de imaginar alternativas; trata-se da construção deliberada de uma narrativa que condena a nação a sobreviver num beco sem saída, onde as elites conduzem a “arca” e o povo permanece como passageiro forçado. O povo, porém, sabe que não precisa esperar milagres para reclamar dignidade. Continuar a adormecer embalado por discursos grotescos, a arca de Pol Pot seguirá à deriva, e a ressurreição do Cristo político será sempre adiada para um domingo que nunca chega. O desafio está em perceber e aceitar que Moçambique não precisa de milagres nem de ressurreições messiânicas para mudar de rumo. Precisa sim de democracia real, de instituições sólidas e de respeito pela vontade popular.
2025/12/3
Copyright Jornal Preto e Branco Todos Direitos Resevados . 2025
Website Feito Por Déleo Cambula