Paulo Vilanculo"
Moçambique acompanhou através dos Mídias à aprovação do registo oficial do partido ANAMOLA, um acontecimento que, à primeira vista, pode parecer apenas mais um no vasto xadrez da política nacional, mas que carrega em si sinais de um momento de viragem. Em tempos em que o diálogo político parece rarear e a democracia dá sinais de fadiga, a legalização desta nova força pode abrir uma brecha para um debate mais plural e inteligente entre governo e oposição. Num país ainda a recuperar das cicatrizes de eleições contestadas, protestos reprimidos e um crescente descrédito das instituições, o reconhecimento legal do ANAMOLA pode ser lido como sinal de abertura. Será esta abertura genuína? Ou será apenas uma concessão controlada, destinada a mostrar ao público interno e à comunidade internacional que Moçambique “é plural e democrático”? Será apenas mais um capítulo de pluralismo controlado, onde se abre a porta, mas se limita o alcance da conversa? Moçambique avança para uma democracia viva ou se continua a encenar o seu diálogo? Estará o país diante de um caminho para um diálogo político mais inteligente e inclusivo, capaz de acolher todas as vozes da oposição ou continuará a dialogar apenas com quem não ameaça o statu quo?
A recente aprovação oficial do partido, ANAMOLA, marca mais um capítulo no tabuleiro político moçambicano e traz à tona um debate que vai além da simples entrada de mais um ator político na arena moçambicana. Para alguns analistas, a aprovação do partido é um sinal de que o Estado tenta abrir espaço a novos atores, ainda que com cautela e interesses calculados e representa a possibilidade de renovação política e de um diálogo mais plural em Moçambique. Para outros, é apenas mais uma peça num jogo marcado por incertezas, onde o pluralismo serve mais como ornamento do que como prática democrática efetiva. Outros, mais cépticos, defendem que a legalização de novas forças não resolve o problema estrutural da democracia moçambicana: a falta de igualdade de condições no jogo político e o peso hegemónico do Governo vs Partido. Nos bastidores, a chegada do novo partido pode ser vista como uma oportunidade. Sem dúvidas, pelo menos no plano simbólico, a entrada do novo partido traz a promessa de uma alternativa e um novo espaço onde vozes divergentes podem encontrar legitimidade política e institucional, se este partido conseguir articular-se com a sociedade civil, captar o descontentamento da juventude e dialogar com outras forças políticas sem cair na armadilha da fragmentação, talvez consiga abrir brechas num sistema demasiado habituado a jogar sozinho.
A verdade é que, em democracias consolidadas, o pluralismo partidário é visto como uma força, porém, em Moçambique, muitas vezes, é percebido como fragmentação e fraqueza da oposição. Num país onde a democracia é frequentemente acusada de funcionar mais como ritual do que como prática efetiva, a entrada do novo partido pode significar tanto uma oportunidade de ampliar o espaço de debate quanto um risco de legitimação controlada. Não se pode negar, no entanto, o potencial de um partido que surge em meio à insatisfação social e ao cansaço de modelos políticos que já não convencem. O contexto pois eleitoral que culminou com as manifestações e controvérsias aclamações a um dialogo politico inclusivo, a recente aprovação do novo partido recoloca em debate a velha retórica governamental segundo a qual “o governo não dialoga com pessoas, mas com partidos representativos da oposição”. Esse posicionamento, tantas vezes usado para afastar ou deslegitimar lideranças incómodas, ganha agora um novo contorno com o aval do novo partido, abrindo-se um espaço formal para que um dos atores políticos mais contestatários da atualidade seja reconhecido institucionalmente.
O surgimento do ANAMOLA pode, assim, ser lido de duas formas: como uma oportunidade de renovar o diálogo político ou como um risco de pulverização do campo oposicionista, que acaba servindo, em última instância, para reforçar a manutenção do poder pelo governo. Mas a questão que se coloca é se essa aprovação representará um verdadeiro passo em direção a um diálogo inteligente e inclusivo entre governo e oposição, ou se será apenas mais uma manobra para cumprir a formalidade do pluralismo, mantendo o essencial inalterado, se o novo partido conseguir dialogar não só com as forças políticas estabelecidas, mas sobretudo com a sociedade civil, poderá emergir como voz capaz de traduzir as aspirações de uma população jovem, urbana e cada vez mais crítica.
Nos últimos meses, não faltaram acusações e processos judiciais levantados contra o líder desta nova formação politica. Tais acusações são vistas menos como busca de justiça e mais como instrumento de desgaste político. A equação pode ser clara no sentido de dar-se aval à estrutura formal (o partido), mas mantendo-se o líder numa posição fragilizada e permanentemente sob fogo cruzado. No coração deste jogo político em Moçambique. O registo oficial de um partido que carrega o seu nome e a sua base eleitoral pode ser apresentado como prova de tolerância democrática um jogo de contradições onde o Estado “concede” espaço, mas procura esvaziar o protagonismo do líder, uma manobra estratégica para neutralizar o peso político e simbólico do seu líder, criando-se, assim, uma narrativa conveniente, há pluralismo, mas o rosto mais incómodo da oposição é mantido em constante defensiva. Para o governo, esta estratégia pode ter dupla vantagem. Por um lado, satisfaz a pressão interna e externa por mais pluralismo político. Por outro, evita que o líder do novo partido se torne num polo de contestação com liberdade plena de ação. Afinal, um partido sem o seu comandante mobilizador pode tornar-se apenas mais uma sigla na sopa de letras da oposição moçambicana.
A maior questão é, o governo estará disposto a reconhecer esse espaço como legítimo e a aceitar um debate político menos hostil e mais inteligente. Ou se, pelo contrário, tudo não passará de uma peça encenada para mostrar abertura, sem que haja verdadeira disposição para mudar a forma como o poder se exerce em Moçambique. Num cenário já fragmentado, a chegada de mais um ator pode significar novas perspectivas de renovação, mas também pode resultar na pulverização ainda maior da contestação, favorecendo, indiretamente, a continuidade hegemónica do partido no poder. Moçambique atravessa um período de desgaste democrático. A incerteza reside também no impacto que o novo partido terá dentro da própria oposição. O que está realmente em jogo é a possibilidade de um diálogo inclusivo, amplo e sincero entre governo, oposição e sociedade. Um diálogo inclusivo pressupõe, antes de tudo, igualdade de condições. E é aqui que reside a contradição.
Mas a simples existência de uma nova força, ancorada na legitimidade popular de ter tido o “candidato mais votado”, obriga o governo a lidar com uma narrativa difícil de neutralizar: a de que há uma alternativa com respaldo popular real. Isto poderá pressionar para a abertura de novos canais de diálogo, ou, em contrapartida, levar a uma intensificação das estratégias de contenção e marginalização política. Internacionalmente, o novo partido pode servir como bandeira para denunciar as fragilidades do sistema democrático moçambicano, atraindo atenção e eventualmente solidariedade de parceiros externos.
A aprovação do novo partido é um teste não apenas para o governo, mas também para o próprio sistema democrático moçambicano. O desafio está em perceber se este “aval” permitirá a construção de pontes entre governo e oposição em torno de agendas nacionais, a paz, justiça social, emprego, democracia real ou se servirá apenas para acomodar a exigência de diálogo sem nunca o transformar em prática concreta. O maior desafio para o novo partido será não cair em armadilha. Se o partido conseguir transformar a sua base eleitoral em movimento coletivo, capaz de resistir para além da figura do líder, poderá escapar ao destino de ser apenas um “projeto permitido”. Caso contrário, a sua legalização ficará marcada na história como uma vitória de fachada: um pluralismo que serve mais para silenciar do que para dar voz.
O aval do novo partido é mais do que uma formalidade legal, é um teste à maturidade democrática do país. O futuro do ANAMOLA e do próprio sistema democrático moçambicano dependerá menos do que está escrito no registo oficial e mais da coragem política de todos os lados, para transformar incertezas em novas perspectivas e para tal deve ser aproveitado como ponto de partida para um diálogo político sério, pode representar uma oportunidade rara de redefinir as relações entre governo e oposição e, sobretudo, de devolver ao povo a confiança numa democracia que parece cada vez mais distante. Caso contrário, corre o risco de se somar à longa lista de partidos que começaram como esperança e terminaram como nota de rodapé.
2025/12/3
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