1.º de Maio de ressaca salarial na Função Pública em Moçambique: Decreto de Insolvência do Governo?

Paulo Vilanculo "

 

Às vésperas do Dia Internacional do Trabalhador, Moçambique atravessa uma grave crise de insolvência salarial na função pública. O atraso sistemático nos pagamentos expõe a fragilidade financeira do Estado e levanta sérias dúvidas sobre sua sustentabilidade institucional. O texto analisa o contexto fiscal, político e económico que levou à atual situação, questionando se o país não vive, na prática, uma falência não declarada do Governo.

Palavras-chave: Moçambique, 1.º de Maio, função pública, insolvência salarial, crise governamental.

 

O Dia Internacional do Trabalhador, tradicionalmente celebrado em 1 de maio, encontra Moçambique num momento de grave tensão social. Comemorar o Dia Internacional do Trabalhador em Moçambique em meio à crescente insolvência salarial da função pública, é uma contradição gritante. Ao invés de comemorações, o ambiente é de incerteza, indignação e desespero, sobretudo entre os funcionários públicos que, em muitas províncias, enfrentam atrasos salariais. A data que deveria ser marcada por conquistas laborais e progresso social transforma-se, neste contexto, num símbolo de frustração e de colapso estrutural do Estado.

A função pública é a espinha dorsal da prestação de serviços essenciais: saúde, educação, justiça, segurança e administração pública. A função pública, responsável por garantir os serviços essenciais à população, tem sido uma das mais afetadas por esta crise. Hospitais com pessoal reduzido, escolas com professores desmotivados e serviços administrativos paralisados são apenas algumas das consequências visíveis. Para muitos analistas, esta realidade representa não apenas uma crise de liquidez, mas o colapso de um modelo de Estado que se tornou insustentável.

A celebração do 1.º de Maio, neste contexto, torna-se quase irônica. Em vez de conquistas, há cortes e retrocessos. A classe trabalhadora, sobretudo a do setor público, enfrenta não só a estagnação salarial, mas também uma inflação galopante que corrói o poder de compra. O que deveria ser um momento de valorização do trabalhador é hoje o retrato da falência de um Estado que deixou de cumprir sua função mais básica: pagar os seus funcionários. O analista Joseph Hanlon (2023) reforça que "a crise fiscal é também uma crise de legitimidade", pois o Estado perde a sua autoridade quando não consegue pagar sequer os salários dos seus agentes. Sem salários, o Governo perde autoridade e, com ela, o controle sobre os próprios alicerces da sociedade.

Mais do que uma crise conjuntural, o que Moçambique vive é um colapso da arquitetura de Estado construída desde os anos 1990, baseada em receitas externas, políticas neoliberais e uma elite governativa que consolidou o poder à custa do bem comum. Como alerta Samir Amin (2014), “sem romper com o modelo periférico e dependente, os países africanos estarão condenados à eterna crise”.

“A crise do Estado moçambicano não é apenas fiscal, mas estrutural”, defende o economista Carlos Nuno Castel-Branco (2021). Ele argumenta que o sistema político-económico construído nas últimas décadas baseia-se na dependência de doadores externos, dívida pública crescente e corrupção institucionalizada. O resultado é um Governo que se tornou refém de sua própria máquina burocrática, incapaz de garantir sequer os salários dos seus trabalhadores. O Banco de Moçambique alertou em fevereiro de 2025 que “a pressão sobre o Tesouro é insustentável a médio prazo, sobretudo sem reformas estruturais urgentes”.

O professor Carlos Nuno Castel-Branco aponta que "o Estado moçambicano gasta mais consigo mesmo do que com o desenvolvimento social", e essa afirmação ganha contornos dramáticos quando os próprios funcionários do Estado já não são pagos com regularidade. O Governo moçambicano, ao não pagar os seus trabalhadores nas datas esperadas, abdica do seu papel fundamental e abre espaço para o descrédito generalizado. As perguntas que se impõem são duras, mas necessárias: Moçambique está tecnicamente falido? estaríamos perante um decreto não oficial de falência do Governo?

A incapacidade do Governo de honrar regularmente pontualmente os salários dos seus funcionários públicos levanta não apenas questões de gestão, mas suscita dúvidas mais profundas sobre a sustentabilidade do próprio Estado moçambicano. Os salários não representam apenas o respeito, mas a soberania económica e um novo contrato social. Celebrar o Dia do Trabalhador é, paradoxalmente, lembrar a falência simbólica de um Estado que já não garante nem o básico aos seus próprios servidores. Como alerta o pensador Samir Amin (2014), sem soberania económica e ruptura com o modelo de dependência, a crise será permanente.

Embora a falência de um Governo não seja proclamada como a de uma empresa, os sinais práticos são semelhantes incapacidade de cumprir compromissos financeiros, colapso da confiança pública, desestruturação dos serviços básicos. A insolvência salarial é, nesse sentido, o sintoma visível de uma doença mais profunda: o esgotamento de um modelo de governação que priorizou a estabilidade aparente e os investimentos de fachada em detrimento da sustentabilidade social e económica. A pergunta que se impõe não é apenas se o Governo está falido financeiramente ou não, mas se o próprio projeto nacional, como hoje está estruturado, ainda é viável.

O que se vive hoje é mais do que um impasse orçamental é o esgotamento de um sistema. A crise pode, portanto, ser também uma oportunidade uma chamada à reflexão sobre o futuro do Estado moçambicano, sua missão, sua legitimidade e sua viabilidade. A crise atual pode ser a oportunidade de um novo começo, mas para isso é preciso coragem política, reformas reais e, acima de tudo, respeito pelos trabalhadores, que são o verdadeiro motor da Nação. O país precisa repensar suas prioridades, rever seu modelo económico e refundar seu contrato social.

2025/12/3