Que mundo é este onde maço de cigarro custa menos que um livro?

Luís Munguambe Júnior"

Essa pergunta não brotou de um artigo sofisticado nem de uma palestra inspiradora. Nasceu de um contraste absurdo, vivido na pele. Numa tarde, no Campus Principal da Universidade Eduardo Mondlane. Entrei na biblioteca para fazer o que se espera de um estudante: pesquisar, investigar, fuçar ideias. Entretanto, dei de caras com um livro que me apanhou de surpresa: Marketing do Valha-me Deus — título esquisito, mas conteúdo certeiro. Um livro que me fez refletir, rir com desespero e franzir a testa com raiva. Mas já passava da hora de encerrar a biblioteca. Não podia levar o livro comigo. A ficha do empréstimo recusou-se a cooperar comigo, como quem diz: “Volta amanhã, se ainda te lembrares de pensar”. Saí dali cabisbaixo. Triste. Com fome de ideias. Com sede de páginas. Com raiva de não poder continuar a devorar aquele banquete de pensamento. No caminho para casa, ainda digerindo as últimas linhas do livro, ouvi um tipo na esquina de um bar de chapa ondulada, encostado à banca de bebidas: — Peço dois cigarros GT... e uma Indica. Está quanto? — Uma Indica está sessenta meticais e um cigarro GT está 5mt, chefe. Sessenta meticais. Pelo combo da destruição. O pacote completo: pulmões queimados e fígado estourado, a preço de feira. Enquanto isso, o livro que li, aquele que me deu um nó na cabeça e acendeu coisas que estavam adormecidas... não tinha preço. Literalmente. Nem vendiam. Nem emprestavam. Nem fotocopiavam. O saber, neste País, não se promove. Esconde-se. Guarda-se a sete chaves. Já o vício? O vício está sempre à mão, sempre no troco. Foi aí que percebi: destruir-se é fácil. E barato. Mas alimentar a mente? Isso custa caro. Custa silêncio, tempo, coragem — e um sistema inteiro que não está nem aí para quem quer pensar. Entretanto, olho para os meus bolsos vazios e percebo: não tenho dinheiro para um bom almoço, mas consigo comprar um cigarro e talvez uma Indica. É esse o menu que o sistema me oferece - um anestésico, alívio rápido para um vazio que ele próprio cavou dentro de mim. Livros? Já nem lembro da última vez que toquei num. Não porque não queira, mas porque um bom livro custa mais que a minha paz. Pensar tornou-se luxo. Fumar é acessível. Não me venha com histórias de inflação, custos editoriais ou papel importado. O que está caro não é o livro - é a liberdade de pensar. Porque quem pensa, incomoda. E esse mundo não quer gente que pensa. Quer gente que obedece, que consome, que aceite calado. Vejo tudo isso e digo, sem medo: a sociedade é criminosa. É ela que me empurra para o vício com uma mão, e depois aponta o dedo com a outra. Fizeram-me fumar antes de eu ter idade para entender o que era ansiedade. Deram-me a garrafa como consolo, e agora chamam-me maluco. Demente. Fraco. Mas esquecem que foram eles que fecharam as portas da escola e abriram os bares do bairro. Foram eles que apagaram as bibliotecas e iluminaram os rótulos do álcool. Que calaram os poetas e exaltaram os influencers do vazio. Hoje, bebo para aguentar. Fumo para não gritar. Mas mesmo assim, julgam-me. Dizem que tornei-me marginal. Que sou preguiçoso, agressivo, imprestável. Mas onde estavam quando eu queria um livro e só havia cerveja? Onde estavam quando me ensinaram a calar, a aceitar, a não sonhar? O vício dá lucro. O pensamento, não. É por isso que me querem com a mente apagada. Porque se eu começar a ligar os pontos, vou perceber que tudo foi planeado: a minha falta de futuro, a escola que não chegou, o hospital que não funciona, o emprego que não aparece. E uma mente consciente é uma ameaça — porque pode decidir parar de fumar as promessas deles. Eu sei que não sou o único. Conheço muitos como eu — jovens com sonhos queimados, com talento afogado em álcool, com perguntas engasgadas por falta de livros. Não somos fracos. Somos feridos. Somos produto de uma sociedade, um sistema que prefere ver-nos doentes do que despertos. Dizem que somos livres. Mas que liberdade é essa que nos empurra para o vício e depois nos pune por termos caído? Que liberdade é essa que vende cigarros em cada esquina, mas esconde os livros atrás de preços impossíveis? Não é liberdade - é manipulação. É controlo disfarçado de escolha. Ainda assim, eu insisto em pensar. Mesmo quando custa. Mesmo quando dói. Porque sei que quem pensa, levanta-se. E quem se levanta, um dia, muda tudo.

2025/12/3